segunda-feira, 20 de março de 2006

RESCALDO DA PARTICIPAÇÃO NA MARATONA DO CENTRO - LEIRIA

In the Kingdom of Mud
A PRIMEIRA PERPLEXIDADE
Quis o destino que, apesar de estar em Leiria no domingo de manhã, quando acordei o sol raiasse lá fora e o tempo, apesar da previsão, ser irresistível para a prática da modalidade. Foi a primeira perplexidade do dia.

SE O ARREPENDIMENTO MATASSE
Daí que o "Plano B" (manutenção na horizontal em leito) não tivesse sido accionado. Bastava que se tivesse verificado um quadro meteorológico distinto e o arrependimento não surgiria. Mas enfim, é a vida... Só me lembrava, durante o percurso e no meio do “mud wrestling, que os desistentes é que tiveram juízo e que, adivinhando o que se iria passar, se baldaram ao evento poupando a máquina e economizando muitos euros.

DE PASTELEIRA NA LAMA
Quando me dirijo para o Pavilhão de Marrazes (ainda não entendi porque é que os locais dizem "os") cruzo-me com o combóio de Torres Novas com o qual bebo um café numa pastelaria da moda. Com eles está o inenarrável Nuno Neves e lá vem a segunda perplexidade do dia: então a dita criatura não se ia fazer ao trilho de “velocidade simples” (mais conhecida por pasteleira ou single speed)? Só visto! Devo confessar que mais tarde, ao tomar contacto com a lama entendi as vantagens de tal escolha (para a bicicleta, não para o ciclista bem entendido).

ORGANIZAÇÃO EM BOM NÍVEL
Junto ao pavilhão estava montada a estrutura organizativa e pelo aparato deu logo para me aperceber que estava tudo bem montado. O decorrer da prova deu para comprovar tal facto: apenas não lhe atribuiria a nota máxima por um ou outro detalhe mas que, ainda assim, não deslustram a qualidade global.

MARATONA FORMAL OU INFORMAL?
Já há algum tempo não ia a Maratonas “formais” embora todas as minhas incursões recentes tivessem uma quilometragem semelhante. Sem embargo, nas incursões informais, o ritmo é sempre mais tranquilo e as paragens abundam. Ainda assim e tendo em consideração as peculiaridades deste tipo de eventos recordei, a mim mesmo, que o objectivo fundamental numa prova deste tipo, é terminá-la. Este axioma constitui, em si mesmo, uma verdade incontornável. Tudo o resto é secundário: tempo, lugar e comparação com os demais ciclistas. Se esta é uma verdade incontornável ainda mais o foi, por maioria de razão, pelas circunstâncias dramáticas em que esta prova decorreu. Ora, assim sendo, resolvi partir do último lugar por causa das tentações e em boa hora o fiz.

A CAMINHO DA PEDRA (LAMA)
A volta inicial pelo lugar de (dos) Marrazes foi absolutamente inútil e não entendi bem a necessidade da mesma pelo que a prova só começou, verdadeiramente, no magnífico Pinhal de Marrazes onde o extenso pelotão começou a esticar. Os primeiros quilómetros foram para nos afastarmos da zona urbana de Leiria: Marinheiros, Andrinos, Pousos... Pouco depois começa o dilúvio. Paro na berma para vestir o impermeável e, pouco depois, sou abalroado por um ciclista distraído. Está bem que estava na berma mas faltavam-me os 4 piscas, o triângulo e o colete reflector... Não há pachorra. Valeu o polimento e o pedido de desculpas.

EM PLENA LAMA
A lendária Curvachia foi a um tempo dramática e patética. Primeiro a travessia do ribeiro: engarrafamento generalizado na tentativa de não molhar os pés já que a água tinha quase meio metro, alguns mais afoitos tentavam ultrapassar a dificuldade montados, uns tinham sorte, outros simplesmente não. Depois foi a pasta de lama (terceira perplexidade) as subidas a patinar as descidas com a roda traseira a varrer a largura do trilho. A cremalheira 34 entregou a alma ao criador (quarta perplexidade) aqui e passei a rolar apenas na 24 e 44, bestial...

“SÓ FALTAM 10 KMS.” PARTE 2
O Rui Tavares Oliveira, que encontrei logo após na ZA1 disse-me que, em Leiria, só lá vão de Verão. Ainda pensei que, terminado aquele bosque, e com a pedra a coisa se compusesse. Esperança vã. Lembrei-me então do famoso e bastamente glosado “Manual de Acção Psicológica para Ciclistas” de Pedro Brites. A sua segunda edição foi lançada neste mês de Março em Leiria. Recordo, a propósito a frase que aqui proferiu há dias: “Quanto à lama, também não me parece que vá ser um problema porque a maior parte do percurso será em zona de serra onde o calcário é rei.”. Rei da lama, acrescentaria eu...

FREQUENTE AS ÁREAS DE SERVIÇO!
Ao contrário de muitos, aproveitei as ZA’s para parar, sem grandes preocupações de tempo. Eu sei que é nestas zonas que se ganha ou perde tempo mas a minha filosofia era diferente, mormente nesta maratona já que o grande desafio, devido às circunstâncias era mesmo não desistir.

PENDENTES APEADAS OU NÃO?
Na subida da Maunça a chuva faz de novo a sua aparição: forte e diluviana. Se a vontade de subir montado não era muita (devido a nova acção psicológica britiana: “Tragam os pitons porque vai haver subidas para fazer à mão. Talvez aqui se tenha exagerado um pouco e as abordagens aos cumes poderiam ser feitas de modo mais longo e suave.”) com a chuva a fustigar então foi-se rapidamente embora. Sobre este assunto entendo o seguinte: a organização não quis ficar mal vista e então exagerou nas pendentes.

A MAIS DURA MARATONA DO MUNDO
Claramente não quiseram correr o risco dos participantes chegarem aos “forae” especializados e dizer que “fizeram aquilo com uma perna às costas”, a lama e a chuva vieram ainda penalizar mais o trabalho de todos. Quer-me parecer, todavia que, em circunstâncias “normais” (sem chuva e sem ser em prova longa) mesmo a ascensão ao Maunça era ciclável embora o empenho requerido não era, para mim, compatível com a diferença de velocidade entre subir apeado ou montado, optei por desmontar, cansava menos, progredia-se o mesmo!

NOVAS PERPLEXIDADES ATÉ FINAL
A partir daí foi uma sucessão de sobe e desce de elevada pendente com a chuva a fustigar e a desaparecer até à ZA2. Aí parei durante um período razoável. Havia que olear a corrente, meter água, repor as energias; esticar os lombares. Daí até final sucederam-se os quilómetros e os golpes de teatro: primeiro os óculos esquecidos na paragem(quinta perplexidade). Só dei por isso quando a lama começou a saltar para os olhos, depois de tão enlameado o cabo, o manípulo e o desviador frontal entenderam-se para me impedirem de usar a cremalheira 44 (sexta perplexidade). Foi notável a forma como as zonas rápidas eram percorridas em 24X11!

A DESILUSÃO ZÉ TEIXEIRA
Já a chegar ao final olho para trás e avisto o José Teixeira. Grande desilusão ó Zé, deixa-me que te diga! Então eu que te tinha procurado no início e não te encontrei e fiquei a pensar que eras um tipo com juízo e te tinhas baldado, afinal encontro-te também todo enlameado? Desceste na minha consideração, é só o que te posso dizer!

A SATISFAÇÃO DO DEVER CUMPRIDO
No final com 6 horas e 55 minutos a dupla satisfação: não fui o último e terminei a duríssima provação que foram estes 80 Kms. em Leiria. Ficou a satisfação do dever cumprido e de apesar das circunstâncias a vontade de terminar ser superior à imensa tentação de desistir.

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