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segunda-feira, 3 de julho de 2017

Fátima "17" - A singularidade


A constância das incursões permite que eu possa alinhar as minha peregrinações de bicicleta a Fátima com os anos do século. Assim a 2017 correspondeu a consequente 17ª ida ao santuário.

Apesar disso nunca se poderá falar em rotina já que as coisas se operaram sempre de modo distinto. Assim a conjugação do traçado (e de pequenas variantes), condições climatéricas, companhia, ponto de partida ou duração sempre se associaram para que, cada uma destas peregrinações, fosse diferente.

As fórmulas foram diversas e houve de tudo, chuva, calor intenso, vento favorável, vento desfavorável e  acompanhantes que lograram chegar ao fim e outros que ficaram pelo caminho.

A originalidade da versão de 2017 foi a de ter sido "a solo". Nunca antes o havia tentado e ontem, o simples facto de não ter companhia, não me inibiu de tentar e cumprir mais uma peregrinação. A rotina foi idêntica: sair cedo para aproveitar a luz solar, pedalar muito, dobrar quilómetros e terras. Outra singularidade (cada vez menos) é a da quantidade de peregrinos pedestres a caminho de Fátima e de Santiago de Compostela, contei vinte. Está a ficar "de moda" e ainda bem.

Voltei a usar o troço do Trancão uma vez que tinha escutado que já por aí se circulava em condições. De facto assim é. O troço foi reparado e alargado e apenas se lamenta o facto de não ter sido consolidado com uma camada de "tout venant" que permitiria que se mantivesse capaz por mais tempo. Ainda assim com o piso seco circula-se muito bem e rápido por ali.

A solo o importante é manter-se um ritmo adequado com o rendimento e estribado na zona sustentável do esforço, isto é, nem  a mais, nem a menos. A meteorologia, no entanto e tal como se previa, condicionou a incursão: tal como em anos anteriores muito calor, sobretudo após Santarém em zona montanhosa. A juntar a tudo isto um vento constante de NE a soprar com intensidade e a exigir um maior esforço para menor rendimento na zona do Tejo. Ainda assim a primeira paragem efetuou-se apenas na Valada, 75 kms. após a saída, embora com duas barras energéticas a serem ingeridas em movimento. para tentar manter as energias nos níveis adequados.

Antes disso uma nova opção de caminho (seguindo uma proposta alternativa) que foi a de ligar a zona da central do Carregado a Azambuja utilizando o caminho a nascente da ferrovia. Trata-se de um estradão rápido junto aos arrozais. O problema, para além de alguns portões que se transpõem facilmente, é a zona de passagem pelos rios paralelos (Ota e Alenquer) e que inviabilizam esta opção. Não há ponte exceto a do caminho de ferro e que conta com a vedação derrubada mas com um grau de perigo potencial extremo já que os comboios circulam aí a velocidades muito elevadas. A solução adequada será a de tomar esse caminho mais adiante na estação de Vila Nova da Rainha e daí até Azambuja evitando a inóspita berma da N3.

A vantagem da 17.ª vez é a de já se conhecerem todas as subidas do percurso, a sua localização e a sua duração. Ainda assim o calor após Santarém, mais do que o vento que apenas condicionou até esta cidade, não deu tréguas. O primeiro teste é o da ascensão a Vale Figueira a temperatura e o brilho extremos foram uma dura prova que ainda fiz com relativa tranquilidade. A segunda é o do cabeço dos moinhos após as Milhariças que em função da inclinação e do mau piso era resolvida habitualmente apeada na sua zona mais crítica. Ontem com um piso renovado continuou a ser feita de modo apeado pois o cansaço já se fazia sentir e havia que poupar energias. Terceiro teste a forte subida após os Olhos de Água resolvida com uma breve paragem a meio para retomar o pulso e, após Monsanto, a ascensão até à Serra de Santo António efetuada com elevada penosidade e a muito custo.

Foi tempo de descansar e de descer fortemente até Minde. Aí a pressão da última subida levou-me a uma breve sesta de 15 minutos que foi providencial para ajudar a vencer o derradeiro declive e descer os quilómetros finais até Fátima com a já habitual contagem de 152 kms.

Abordar uma incursão destas a solo tem vantagens e desvantagens. Permite-nos uma melhor gestão do esforço mas, paradoxalmente, torna-a mais entediante e contribui para o impulso de desistência por acrescentar maior dificuldade mental. Esta 17ª, tendo em consideração o estado de forma, deveria ter sido uma daquelas onde o comboio até Azambuja teria sido a opção racional. Todavia, apesar de uma penosidade muito elevada (das mais elevadas de todas) nunca a desistência foi levada em linha de conta. Uma parte importante do esforço físico tem uma componente psicológica e essa dimensão é determinante para a vida.



quarta-feira, 3 de maio de 2017

Pela Via Verde de la Subbetica (del Aceite)

Castelo de Zuheros

A Via Verde de la Subbética é agora parte da grande Via Verde del Aceite que percorre 128 kms. entre as províncias de Jaén e Córdova por um traçado bem mediterrânico onde a maior mancha de olival do mundo não cessa de nos acompanhar seguindo o traçado do antigo Tren del Aceite e naquela que se tornou na maior Via Verde da Andaluzia.

Foi este o desafio proposto a mim próprio percorrendo um troço da mesma designadamente entre os kms. 100 e 65 e retorno (Lucena - Luque - Lucena) pelas serras Subbeticas e o seu Parque Natural.

Do percurso efetuado merecem um destaque os povoados de Luque, Zuheros, Doña Mencía, Cabra e Lucena todos com os seus castelos e os magníficos e impressivos viadutos metálicos que se constituem como pontos obrigatórios de paragem e contemplação.

Nota para o excelente aproveitamento turístico das antigas estações ferroviárias onde se podem encontrar desde postos de descanso a restaurantes e até um museu temático do Tren del Aceite  na estação de Cabra.

Tal era a afluência de pessoas que se encontravam cheios. Como Deus escreve sempre por linhas tortas tal facto obrigou-me a vencer a insana ascensão a Zuheros e entrar num paraíso perdido naquele que é um dos "57 pueblos mas bonitos de España". A beleza e o ambiente no local a fazerem esquecer, como que por milagre, a dolorosa ascensão.


terça-feira, 22 de novembro de 2016

Alpajares e o Penedo Durão - O Douro no seu Esplendor

Foto by Carlos Gonçalves (**)
Prometia à partida ser uma daquelas incursões épicas.  Cumpriu, sem dúvida.

Mais de 80 kms. (e quase 2.000 m. de desnível +) pela zona do Douro (onde passa de nacional a internacional) com o início em Figueira de Castelo Rodrigo, descida a Barca d'Alva (com passagem por Escalhão),  a transposição do Douro e a subida da mítica Calçada de Alpajares, (tantas vezes falada, escutada e lida mas nunca por mim antes  percorrida).

Depois o acesso a Poiares e daí até ao ponto maior da incursão: o incrível Penedo Durão miradouro onde a visão do Douro internacional e dos inúmeros grifos e abutres que sobrevoam abaixo.

O meu amigo Carlos Penha Gonçalves tinha prometido diversão e dureza e, de facto, não faltou nem uma coisa nem outra. A grande dúvida seria a de saber se o mau tempo que se anunciava não se anteciparia tornando impossível a incursão. Mas não. Até a meteorologia esteve de feição.

Partimos sete pelas 09:00 e chegámos cinco ainda antes das 17:00 mas já ao lusco fusco. A primeira parte foi praticamente sempre descendente, principalmente após Escalhão e com dois aspetos a reter:
  • o primeiro, algo funesto, já que mesmo à minha frente em plena e rápida descida o Carlos prendeu a sua roda dianteira num rego do traçado e sofreu um aparatoso OTB (over the bar). Apesar da velocidade e do capacete rachado (!) felizmente nada de grave a assinalar e pode prosseguir.
  • o segundo de caráter diferente foi uma primeira visão do alto para o fundo do vale do Águeda, no ponto em que se prepara para subsidiar o Douro a montante de Barca d'Alva no Miradouro da Sapinha.
Chegados a Barca d'Alva um primeiro momento de pausa técnica. A parte mais fácil da incursão estava completada. Cruzado o Douro a visão dos barcos de cruzeiro que aqui terminam a sua viagem subindo o rio. São enormes tendo em conta que são fluviais. Também se observa aqui o início da famosa linha ferroviária internacional desativada que prosseguia até Fregeneda e daí a Salamanca.

Foi tempo de prosseguir agora pela N221 para nascente junto à margem direita do Douro tendo Castilla y Leon à vista na outra margem. Na ribeira do Mosteiro foi tempo de virar a norte subindo o seu curso e penetrando na mítica calçada de Alpajares (também conhecida pela calçada do Diabo) outrora parte da via romana. Impossível de subir montado devido à irregularidade do piso. Este foi o pretexto adequado para apreciar a raridade e imponência geológica do local. O xisto no seu esplendor, algo de único e esmagador que se haveria de repetir na descida mais tarde pela Calçada de Santana (*).

A chegada a Poiares a ser recebida com algum alívio após a subida e daí seguimos sem demora para o Penedo Durão e aí permanecermos durante algum tempo perante a visão esmagadora. Logo seguimos para um outro ponto de observação a poente. Daí regressamos a Poiares e descemos a Calçada de Santana que é uma réplica de Alpajares. Aqui o tempo foi de concentração pois a descida era fortemente técnica.

De novo em Barca d'Alva faltavam os 22 kms. de subida final que, devido ao adiantado da hora, foi efetuada pela N221.

Em toda a incursão algo de comum: as paisagens arrebatadoras e únicas onde o xisto impera e a proeminência topográfica impressiona e cobra caro na hora de subir ou descer. Os desníveis são imensos e exigem uma boa forma. Mas no final a satisfação é plena. O BTT faz-nos sentir privilegiados.

(*) - Sobre esta calçada (também conhecida pela calçada dos mosteiros) veja-se este arrebatador clip do Vítor Gamito na Transportugal de 2012

(**) - Mais Fotos aqui

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

RELAXANDO NAS CICLOVIAS DE MIRA


Este é o tipo de passeio tranquilo e relaxante que o BTT também pode proporcionar.

As ciclovias foram construídas pela Câmara Municipal de Mira e está implantada numa zona de lagoas, ribeiros e floresta que cruzam a zona das dunas e pinhais de Mira e contam com um característico conjunto de pontes de madeira e de observatórios de aves que lhe reforçam o seu caráter bucólico.

No ano de 2000, o município de Mira inaugurou os primeiros 10 kms. que rapidamente se transformaram nos quase 25 completamente pavimentados com que conta atualmente. Tem um formato de uma estrela com três pontas.

De facto, a partir de um ponto comum de interseção junto ao desvio para a praia de Mira temos uma primeira ciclovia (Gandaresa) que segue para norte através de um túnel que cruza a estrada e segue para norte até ao caís do Areão no limite do concelho. Para poente temos a que contorna a barrinha da Praia de Mira (lagoas) e, finalmente, para nascente temos a que segue em direção a Mira (moinhos).

Tudo percorrido temos um percurso de cerca de 48 kms. de elevadíssima agradabilidade a justificar a deslocação. O pormenor curioso é a altimetria pouco ultrapassa os 50 metros positivos o que o tornam o percurso ideal para uma recuperação ativa ou um tranquilo passeio familiar.

Foi essa precisamente a minha aposta no fim de semana que passou. 

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Festival Bike de Santarém


É a grande feira da bicicleta em Portugal. Todos os anos lá me desloco com agrado mas tendo em conta aquele o saudável princípio de evitar as multidões. Por isso procuro lá ir, sempre que possível, na sexta-feira.

Mas a tradição também dita que o carro permaneça em Santarém e que eu regresse de comboio. O motivo é claro: criar o pretexto para, no dia seguinte, ter de o resgatar, no dia seguinte, indo de bicicleta até Santarém. 

Normalmente o "caminho do Tejo" é o escolhido. Tratam-se dos habituais 100 kms. de BTT palmilhados tantas e tantas vezes. Desta vez, porém, optei por algo diferente. A partir de Vila Nova da Rainha fletir para o interior circulando junto à BA da Ota, seguindo daí, pelos eucaliptais até Alcoentre, Manique do Intendente (na foto), Arrifana, Assentiz, Marmeleira e Santarém.

No final mais 17 kms. aos 100 habituais e, isso sim, muito significativo, uma altimetria de 1250 metros num traçado que, até V.N. Rainha (ou seja 50% do traçado) é plano. Outro factor importante foi a questão dos terrenos estarem muito difíceis em virtude do que choveu tornando a deslocação em algo muito exigente.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

O ESPLENDOR DO MONTADO ALENTEJANO


Aproveitando o zénite estival foi tempo de rumar ao Alto Alentejo onde se percorreu um circuito já clássico e onde o montado é rei.

110 kms. ligando Montemor o Novo, Arraiolos, Évora e de novo a Montemor com um clima ameno e agradável e onde a quietude é o mote. A companhia do Jorge Neves e do Cláudio Nogueira acrescentaram ainda mais valor a uma jornada onde confirmámos que o BTT e qualidade de vida andam de mãos dadas.

Um destaque negativo para o corte do caminho de ligação entre Évora e Valverde que passava junto à Anta Grande do Zambujeiro a obrigar a alguma improvisação para chegar a Guadalupe e ao magnífico Cromeleque dos Almendres. O Grand Finale a ser efetuado pela magnífica Ecopista do Montado ate Montemor.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

A LINHA DO CORGO EM BTT (parte 1 - de peso da Régua a Vila Pouca de Aguiar)


Ainda que apenas parcialmente condicionada como Ecopista a antiga linha do Corgo, ferrovia de bitola métrica que unia Régua a Chaves, tem condições para se tornar numa das mais interessantes de todo o país.  O troço entre Vila Real e Chaves foi encerrado em 1990, enquanto que a ligação entre a Régua e Vila Real foi desativada para obras em 25 de Março de 2009, sendo totalmente encerrada pela Rede Ferroviária Nacional em Julho de 2010.

É de referir o trabalho levado a cabo pelo município de Vila Pouca de Aguiar que é o único que se pode gabar de ter o traçado pavimentado e em condições de perfeita circulação a pé e de bicicleta.

Ainda assim é perfeitamente possível percorrer, de modo quase integral, os quase 100 kms. entre as localidades acima referidas.

Devo referir que, embora não preparado para ser percorrido suavemente, o troço entre a Régua e Vila Real é, provavelmente, o mais interessante ou não estivéssemos a percorrer o Douro vinhateiro. Todavia nos primeiros 3 kms. há que buscar uma alternativa rodoviária uma vez que a transposição do rio Corgo, a partir da Régua, se efetua por uma ponte ferroviária ainda em uso pela linha do Douro. No apeadeiro de Tanha a segunda dificuldade todavia facilmente superável para quem não sofra de vertigens. Trata-se da estrutura da ponte sem o respetivo tabuleiro o que implica uma travessia a pé, com a bicicleta ao ombro e com um ribeiro a correr bem rápido uns 30 metros abaixo. O passadiço dispõe, no entanto, de uma largura suficiente e nunca temos a sensação de correr perigo.

Depois é o delírio dos sentidos com o vale do Corgo e as vinhas até se chegar à estação de Vila Real 22 kms. volvidos não sem antes transpor inferiormente a imponente ponte da A4.

Seguem-se três quilómetros onde a infraestrutura é inexistente até Abambres, no limite de Vila Real onde a mesma recomeça. Este será o troço que nos conduz ás alturas da serra seguindo o curso do Corgo, cruzando a ponte do rio pequeno e transpondo o IP4 segue-se para N. e depois fletindo a E. passamos a A24 para a direita e novamente para a esquerda seguindo a poente com ela paralela agora pela serra e entrando, após o apeadeiro de Samardã, no concelho de Vila Pouca de Aguiar onde encontramos a via pavimentada.

É tempo de seguir pelo vale e de cruzar diversas povoações com os respetivos apeadeiros: Tourencinho, Gralheira, Zimão e Parada de Corgo. O landmark aqui é sem dúvida o duplo e imponente viaduto duplo da A24 que transpomos inferiormente e que cruza o profundo vale.

terça-feira, 3 de maio de 2016

Via Verde de la Senda del Oso (Asturias)


No antepenúltimo dia de 2015 com um estranho calor primaveril foi tempo de percorrer de bicicleta a Via Verde de la Senda del Oso que transpõe os chamados Vales del Oso por uma antiga ferrovia de transporte do minério. É uma viagem de intensa beleza por locais singulares e mágicos e por uma natureza esmagadora que as Astúrias são pródigas em exibir.

Sendo uma Via Verde poderemos dizer que se juntou o útil ao agradável, isto é, o melhor da natureza asturiana por um caminho muito acessível nos cerca de 24 kms. que separam Trubia e Entrago pelos vales dos rios Trubia e Taverga.

A memória dos ursos asturianos está sempre presente encontrando até um cercado em Proaza onde vivem alguns exemplares.

De resto a agradabilidade é equivalente à beleza o que faz com que, esta via verde recomende uma visita. Existe a possibilidade de percorrer diretamente a partir de Oviedo unindo a Via Verde del Fuso embora acrescentando quase o dobro dos quilómetros.




quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

PORQUE GOSTAMOS TANTO DO "TOUR DE FRANCE"


Publicado na revista "Motor Clássico" de outubro de 2015

O verão é a época das grandes voltas. O seu expoente máximo, para além do Giro italiano e da Vuelta espanhola e, já agora, da “nossa” Volta, é sem qualquer margem para dúvida o Tour francês que, no corrente ano, decorreu nas estradas gaulesas – com incursões na Holanda e Bélgica - entre os dias 4 e 26 de julho.

Podemos questionar porque é que o Tour tem esta capacidade irresistível de mover multidões e de nos prender a atenção durante o seu decurso, ano após ano. Mesmo que não sejamos ciclistas ou que não saibamos sequer equilibrar-nos em cima de uma bicicleta podemos ser contaminados pela mística e o encanto da Volta à França.

Avancemos com algumas sugestões de resposta. Sendo certo que não existe uma fórmula que sirva a todos e a tese proposta tenha mais em linha de conta a experiência subjetiva do que um mínimo divisor comum relativamente ao assunto. O Tour encanta-nos por ser tão violento e inacessível como que desenhado para semi-deuses que, no entanto, partilham a mesma massa do comum dos mortais. Somos assim levados contraditoriamente a pensar que é algo de impossível mas que não deixa de estar ao nosso alcance. Tal como nas nossas próprias aventuras velocipedicas o estoicismo atrai-nos como a forma suprema de alcançar o epicurismo, ou seja, a dureza física e psicológica extrema usada instrumentalmente para lograr a felicidade. Nisso reside a superação.

O Tour encanta-nos ainda pelo modo como se constitui numa espécie de símile vital, no qual o quotidiano se revela inesperado, exigindo a cada um uma capacidade de improvisação e de adaptação com vista à sobrevivência, primeiro, e ao sucesso, por último. Efetivamente, a leitura da estrada e dificuldades do relevo, da temperatura, do vento, da postura dos adversários (que mais não são que “compagnons de route”), da escolha da mudança adequada e de mil e uma condicionantes.

O modo como a nossa dinâmica se adapta a estas são, na sua essência, a repetição da própria vida e do dia a dia de cada um de nós.

O ciclismo constitui-se na metáfora da nossa existência e, quiçá, seja essa a razão da sua popularidade e sucesso.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O que move um ciclista?


Publicado na revista "Motor Clássico" de novembro de 2015

Esta pergunta de base tem uma resposta óbvia – a bicicleta. Porém, num mundo em que as facilidades motrizes são múltiplas, o ato de pedalar adquire um significado bem mais profundo. De facto, o que leva alguém a trocar o conforto de uma deslocação em automóvel pelo estoicismo de pedalar? A explicação profunda radicará provavelmente no campo da psicologia, porém existem alguns motivos simples para que um número crescente de pessoas de todas as idades pedalem cada vez mais. Analisemos as suas motivações.

A vontade de evasão entendida aqui como o desejo de escapar da “prisão” do stress e do quotidiano. Quem pedala conhece bem a sensação de escapar desta forma pondo para trás das costas os problemas, fazendo uma pausa para retomar revigorado a sua “cidadania corrente”.

A vontade de aventura, sobretudo em todo-o-terreno, em que amiúde impera a imprevisibilidade do rumo a seguir e na sucessão dos acontecimentos mas também na paixão pelo risco controlado. É nesta improvisação das soluções que a bicicleta atua como uma verdadeira escola de utilidade para a vida do dia a dia.

A vontade ambiental, circulando fora dos ambientes urbanos poluídos (ainda que neles também se pedale com um intuito ambiental), longe dos gases de escape, cruzando parques naturais, alcançando os topos das montanhas, entrando em comunhão com a Natureza e respirando ar puro. Sentir-mo-nos como parte do Universo e reforçando a nossa consciência ecológica é a mais-valia ambiental de pedalar.

A vontade de superação, exercendo uma atividade que é muito exigente do ponto físico e mental e em que o processo de “ir mais além” é contínuo e constante. Apenas com um enorme espírito de sacrifício é possível superar a dificuldade que constitui a subida de uma montanha por uma vereda técnica, chegar ao seu topo e, de imediato, esquecer todo o padecimento. Sentir-mo-nos bem fisicamente, tal como para o Homem do Renascimento, é sentir-mo-nos bem mentalmente.

Assim se compreende que, para além da bicicleta, muito mais faz mover um ciclista.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

A Bicicleta e o Cinema

(Publicado na Revista "Motor Clássico", outubro de 2014)

Comparativamente ao automóvel a bicicleta tem uma participação relativamente apagada no grande écran mas não deixa de nele surgir com um papel de destaque em algumas películas mais ou menos conhecidas.

Sem dúvida que o grande filme que lhe é dedicado é “Ladri di Biciclette” (Italia, 1948) de Vittorio de Sica e vencedor do Óscar da Academia na categoria de melhor filme estrangeiro (1949). É justamente considerada uma das obras primas do neorealismo italiano. Nessa mesma tradição, a maioria dos seus atores são amadores e apresenta-nos uma narrativa deliciosa ao mesmo tempo empolgante e comovedora a que não falta, naturalmente, o fundo moral.

A trama resume-se da seguinte forma: na Roma do pós-guerra, Antonio Ricci, desempregado, encontra finalmente uma ocupação como colador de cartazes e a bicicleta é um instrumento essencial para trabalhar. Todavia ela desaparece enquanto cola um cartaz no topo de uma escada tendo a perseguição ao ladrão sido inútil. A polícia não o pode ajudar e Antonio resolve de per se tentar recuperar a sua bicicleta, porém sempre em vão. No desespero acaba ele próprio por furtar uma bicicleta colocando-se no papel do ladrão porém sem a sorte do anterior e vendo-se confrontado com o vexame do flagrante delito.

Ladri di Biciclette” é uma obra naturalmente datada mas não deixa de ser curioso o paralelo que se estabelece com a atualidade onde as bicicletas são alvos fáceis da cobiça alheia e, independentemente do seu valor ou da quantidade e qualidade dos cadeados, são furtadas perante a frustração e o desencanto dos seus proprietários, onde a polícia mais não faz do que registar a ocorrência e em que as tentativas informais de recuperação se revelam inúteis.

Tal como um automobilista relativamente ao seu automóvel, qualquer ciclista adora a sua bicicleta e o seu desaparecimento constitui um drama que supera largamente o seu valor pecuniário. É que ela foi companheira de aventuras e de bons momentos e nada supera a dor da sua desaparição.

AS CLÁSSICAS DO GRAND TOUR


(Publicado na Revista "Motor Clássico" setembro de 2014)


Terminou a Vuelta Ciclista a España 2014. A Vuelta, tal como o Tour de France e o Giro d’Italia, constitui uma das mais prestigiadas provas de ciclismo. A sua primeira edição ocorreu em 1935 (Tour 1903 e Giro 1909) o que faz dela a mais recente e com menos pergaminhos, ainda que rapidamente se tenha emparelhado com as demais. 

Mas por que razão apenas estas três provas adquiriram a pátina da classicidade? É que para além da antiguidade existe um traço identitário comum: são provas de largo fôlego, com três semanas de duração, quilometragem total superior a 3.000 kms. e exigência física e psicológica extremas.

Para além de etapas planas e de contra-relógio, favorecendo roladores e sprinters, o seu 
caráter idiossincrático assume-se sobretudo na dureza das suas míticas montanhas, particularmente as de categoria extra em que se diferenciam os corredores.

Os campeões assumem a aura de semi-deuses que pouquíssimos podem almejar. Em provas consideradas inumanas o seu desempenho físico ao mesmo tempo que roça a perfeição parece ridiculamente simples. Mas desenganemo-nos. O apuro de forma que permite percorrer as três semanas em menos tempo que o segundo classificado deve-se, não só, a caraterísticas inatas, a uma equipa a trabalhar para esse objetivo, a um condicionamento físico cientificamente gerido mas, acima de tudo, a uma vida completamente focada na vitória. A Vuelta 2014 foi, neste sentido, paradigmática. Alberto Contador venceu a prova pela terceira vez. Ficarão nos anais as duas disputas inumanas em que superou Chistopher Froome bem no cume das montanhas e nos metros finais, certamente com os pulmões a rebentarem, com aquela centelha derradeira que permite a superação e define o vencedor. 

De facto “muitos são chamados, mas poucos escolhidos” (Mateus 22-14).


quinta-feira, 25 de junho de 2015

O MAIS CLÁSSICO DOS MOTORES


(Publicado na Revista "Motor Clássico" de Agosto 2014)

Poderá parecer estranho ou, pelo menos inusitado, uma rúbrica de ciclismo numa revista automóvel. Creio ser nosso mister desfazer, ab initio, este aparente paradoxo.

Assim sendo, se a publicação se intitula Motor Clássico, convém relembrar que por uma questão biomecânica o corpo humano com os seus ossos, tendões, músculos e articulações é na realidade um motor. Estamos assim perante a premissa maior.

O corpo é mesmo o mais clássico desses motores, bem antes do aproveitamento de outras forças motrizes como sejam o vento, as correntes dos rios, a gravidade, a força animal ou, mais recentemente, o motor de combustão interna. Esta é a nossa premissa menor.

Assim se compreende que a adesão da bicicleta ao título desta publicação resulta virtuosamente na conclusão incontornável desta argumentação lógica, ou seja, a bicicleta é o produto tecnológico que, com elevada fidelidade, traduz o conceito de Motor Clássico - a de um veículo movido exclusivamente pelo esforço físico do seu usuário.

Desfeito o aparente insólito inicial importa avançar no assunto procurando que não haja um desfasamento entre aquilo que aqui se escreve e a temática que cruza esta revista. Sendo a bicicleta um veículo sobre rodas, de maior antiguidade até que o próprio automóvel e fruto de uma evolução que, tal como este, tem vindo a aperfeiçoar o seu design e desempenho (sem trair o que lhe está na base - a força humana - tal como o motor de combustão interna no caso daquele) fácil se torna de entender que há suficiente matéria a ser divulgada neste espaço, ao nível das origens e evolução histórica, das diferentes disciplinas velocipédicas, do design ou da análise de modelos clássicos entre outros aspetos.

Constituindo, aparentemente, mundos distintos há todavia muito mais em comum entre bicicletas e automóveis do que se poderia supor à priori. Uns e outros servem o mesmo propósito por isso ambos são considerados veículos tendo como escopo de base facilitar as deslocações terrestres. Rodas, quadros, pneus, travões, entre outros artefactos, são componentes partilhados mas o verdadeiro antepassado comum é a circunstância de algumas das marcas de automóveis ou de motociclos ainda existentes no mercado começarem por serem fabricantes de bicicletas. Veja-se, por exemplo, a Peugeot que começou por fabricar bicicletas em 1830 e em 1882 se transformou também num fabricante de automóveis atividades que, de resto, continua a manter na sua produção industrial. Também a Opel fabricou as vistosas penny-farthing evoluindo depois para as safety-bikes que estão na base do atual conceito das bicicletas que todos conhecemos.

Porém, se existe um antepassado comum, a tendência atual que reabilita a bicicleta como o veículo de emissões zero a que o universo automóvel aspira chegar, leva a que qualquer fabricante automóvel que se preze inclua no seu portfolio pelo menos um modelo de bicicleta que pode variar desde um puro conceito de estilo a uma máquina competitiva no asfalto ou no trilho de montanha, umas produzidas pelos seus engenheiros, outras em colaboração sinergética com os das marcas de topo de bicicletas, procurando, em alguns casos, e de modo pragmático, avançar no promissor mundo da mobilidade elétrica. Estão nesta circunstância a Ferrari, Ford, BMW, Mercedes, VW, Mini, Maserati, Land Rover, Porsche, McLaren, Lamborghini, Aston-Martin, Toyota / Lexus, Honda, Audi ou a Lotus.

E assim se entende como a velocipedia alcança um lugar na Motor Clássico.

domingo, 7 de junho de 2015

Faça você mesmo - história de um reboque

Há muito tempo que andava para construir um reboque, para não só quando preciso de transportar coisas verdadeiramente grandes ou muita tralha que não caiba na minha (já se si grande) bicicleta, mas principalmente para levar as bicicletas dos miúdos quando o percurso até um local seguro tem demasiado tráfego e não oferece condições para eles irem a pedalar ao meu lado.

Assim, lancei mãos à obra e construí um reboque. Inspirado neste projecto, creio que o resultado final foi uma franca melhoria. Para o engate na bicicleta, segui este projecto genial.

Aqui ficam as fotos do produto final:

As rodas (16"), e o eixo (varão roscado M12)



O engate à bicicleta (conector pneumático modificado), com uma corrente de segurança caso algo corra mal 
 
 



 

A estrutura final concluída:

 

 

Aqui com uma base de carga para levar objectos variados:

  

Depois quero arranjar umas caixas para aparafusar, por forma a poder transportar muitas coisas de dimensões mais reduzidas. Serei voluntário do projecto ReFood, e com caixas será mais fácil poder ajudar. 2 caixas destas com 60x40cm, por exemplo:



Por fim, fica a configuração que agora tem... As barras são daquelas manhosas, compradas por tuta-e-meia no OLX, de colocar em cima do carro (não recomendo a ninguém que use isto para transportar bicicletas no carro). Como podem verificar é um verdadeiro veículo loooooongo:

 

Para quem ache a bicicleta estranha, nada mais é que uma GT Tequesta, bem modificada para um uso citadino e com um kit Freeradical da Xtracycle. Os miúdos vão lá atrás:




Neste grupo do facebook, fiz o relato do processo de criação, com vários testes de estruturas diferentes que foram evoluindo, também com o input de outras pessoas que foram acompanhando o mesmo. A vantagem de trabalhar com os perfis aparafusados, é que permitem muita experimentação.

quarta-feira, 18 de março de 2015

NA ECOPISTA DO SABOR


Decorre em parte da antiga linha do Sabor (encerrada em 1988) designadamente entre Torre de Moncorvo e Carviçais ao longo de 24,5 kms. e com 330 metros de acumulado (sentido ascendente).

Como é típico dos antigos traçados de via estreita num sentido é ascendente e no outro descendente mas, igualmente, ao percorre-lo para um lado e para o outro, parece que estamos perante duas ecopistas distintas.

Não sendo pavimentada vê, a ecopista do Sabor, em alguns dos seus troços mais antigos e/ou menos percorridos, o mato ocupar a via e, com isso, retirar alguma da agradabilidade no ato de pedalar numa pista exclusiva. Cada vez mais entendemos que vale bem o acréscimo inicial no investimento já que se poupa e muito em manutenção permitindo manter as condições físicas e, deste modo, a agradabilidade de quem busca este tipo de infraestrutura.

Porém, a "fase descendente" é redentora: a maior velocidade faz esquecer as dificuldades de progressão pouco habituais em ecopistas e a visão do vale do Douro revela-se magnífica tal como a do Convento do Carmelo e a de Torre de Moncorvo. Nem o dia cinzento com a ameaça constante de chuva de meados de fevereiro alterou esta perceção.

Em suma este traçado do Sabor, não deslumbrando como o Dão ou o Tâmega, consegue ainda assim conferir elevada satisfação a quem nela pedala. Espera-se, por um lado, a extensão a partir do km. 0 no Pocinho e, por outro, o prolongamento a Miranda do Douro que a converteria na maior ecopista do país.


sexta-feira, 17 de outubro de 2014

A Linha do Vale das Voltas


Entre Viseu e Sernadas do Vouga a antiga Linha Ferroviária do Vouga, encerrada em 1990, acompanha o curso descendente deste rio. Apesar de apenas recuperada como ecopista em pouco mais de uma dezena de quilómetros correspondentes à sua passagem pelo concelho de Sever de Vouga (entre Cedrim e a Foz do Rio Mau) ela pode, no entanto, ser percorrida com relativa facilidade desde a Bodiosa até Sernadas.

A paisagem é fantástica e é digno de destaque o elevado número de túneis existente. São nada mais nada menos que vinte ao longo do percurso cruzando maciços de xisto e de granito e que, em conjunto com as pontes, possibilitam uma deslocação relativamente plana compatível com as composições ferroviárias ou os desempenhos físicos menos condicionados.

Uma após outra as povoações vão sucedendo-se: S. Pedro do Sul, Vouzela, Oliveira de Frades, Pinheiro de Lafões e os traços ferroviários de antanho ainda visíveis (muitos recuperados) dão o toque de nostalgia que acrescenta ainda mais interesse a uma paisagem de sonho. Destaque para a passagem, já recuperada, entre a estação de Paradela e a foz do Rio Mau que é digna de ser vista e desfrutada. A ser integralmente recuperado seria, porventura, a melhor ecopista do país.

De Viseu ao final são cerca de 84 kms. agradáveis de percorrer que, apesar de fisicamente tranquilos, representam um bom treino ao corpo e à alma.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

VIA VERDE DE LA SIERRA - NO TE PIERDAS


O cicloturismo BTT alcança, em minha opinião, o seu máximo esplendor nas chamadas Vias Verdes (ecopistas em Portugal).

A Via Verde de la Sierra, que atravessa parte da Sierra Gaditana (Cádiz) é paradigmática nesse aspeto e percorre-la é um ato de puro prazer.

Eleita em 2005 como a melhor Via Verde da Europa, liga Olvera (Cádiz) a Puerto Serrano (Sevilla) em 36 kms. que fluem por entre montes e vales aproveitando um traçado ferroviário que nunca chegou a concretizar-se mas onde a engenharia e a natureza se conjugam de modo quase perfeito.

São 30 os túneis de comprimento variável (o mais longo, Castillo, tem um quilómetro de extensão) que se conjugam com diversos viadutos e vistas serranas impressionantes que nos estimulam os sentidos por entre bosques mediterrânicos, o fantástico vale do rio Guadalete, paisagens agrícolas e explorações pecuárias.

Se do ponto de vista de engenharia são os túneis que fazem as delícias e facilitam a marcha nivelando um traçado que, de outro modo seria impossível de percorrer pela ferrovia, do ponto de vista natural é a Penha de Zaframagón onde se situa o observatório das aves e reduto do Abutre Leonardo que sobrevoa erraticamente a zona.

No final, num e noutro sentido, são 72 quilómetros de puro deleite e uma experiência única - a travessia de 60 túneis.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

DE BRAGANÇA A SANTIAGO DE COMPOSTELA

Azulejo do Camiño Real que sobe o vale do Minho a partir de Ourense
O desafio era de relevo (literalmente) - ligar Bragança a Santiago de Compostela em BTT tomando o Camiño Sanabrense a partir de Verin / Laza (tido por alguns como o final da Via de la Plata).

Já em tempos tinha percorrido este caminho na epopeia de 13 etapas de Tavira a SdC nos idos de 2010. Fiquei impressionado com a dureza em terras da Galiza em parte pelo desnível, em parte pelos pisos de muitas imemoriais calçadas de antanho por onde o Camiño serpenteia. Daí que a abordagem entre Ourense e SdC tenha sido mais conservadora agora ao desdobrar-se em dois dias (um dia apenas em 2010).

1. Bragança - Verin (86,5 Km., 2770 m. A+)

A "mãe de todas as etapas" todavia foi esta primeira entre Bragança e Verin, via Vinhais. Todo o acumulado positivo foi efetuado em 70 dos 85 kms. já que o final foi descendente até à veiga do Tâmega onde se situa aquela cidade Galega.

A saída de Bragança faz-se a descer até ao rio Fervença que se cruza para se entrar em Castro de Avelãs que guarda uma preciosidade anterior à própria fundação de Portugal. Trata-se de um mosteiro beneditino, monumento nacional e exemplar único do estilo arquitetónico românico-moçárabe em Portugal, em que sobressai a traça com tijolo maciço herdada da vizinha região espanhola de Castela e Leão.

Como tínhamos muito quilómetros por diante a pausa foi breve e em pouco tempo começaram as ascensões em pleno Parque Natural de Montesinho que, num percurso paralelo à N103, nos haveria de conduzir até Vinhais pelo meio as passagens por aldeias impolutas como Lagomar, Portela ou Vila Verde entre outras mas também o cruzamento do primeiro de inúmeros vales. Tratava-se do rio Tuela que, apesar de não ser fácil, se revelou como um dos mais simples da jornada
.
Chegados a Vinhais, que visitei pela primeira vez, tempo de restaurar algumas energias e de marcar a impressão de uma terra encaixada entre montanhas.

Seguimos caminho em direção a NW para o grande desafio do dia: o cruzamento pela ponte medieval do vale do rio Rabaçal que marca a fronteira entre os concelhos de Vinhais e Chaves, o mesmo será dizer entre os distritos de Bragança e Vila Real. O traçado entre as aldeias do Candedo e do Edral a revelar-se um dos troços de BTT mais difíceis que percorri: trata-se de uma descida insana (e uma subida condizente) que serpenteia pelo xisto e que em pouco mais de 3 kms. nos fazem perder e reganhar umas centenas de metros de altitude e parte da subida tem mesmo de ser efetuada empurrando a bicicleta pelo que, a pausa no Edral para beber uma bebida refrescante a parecer uma espécie de recompensa divina.

Ainda assim haveria agora de transpor a fronteira com a Galiza pelas rotas do contrabando via Segirei cruzando o bonito vale do rio Mente no limite do PNM. A passagem da fronteira exigiu também um empenho forte já que, até Soutochao a subida foi permanente.

Atingimos a maior altitude do dia em Vilardevós para se iniciar a descida contínua e muito rápida até Verin via Trasigrexa e Devesa num traçado que utilizava em parte a OU-310 e percursos paralelos e troços desclassificados da antiga estrada.

Assim terminou o primeiro dia.

2. Verin - Ourense, (69 Km., 1386 m. A+)

Esta jornada afigurava-se como bem mais simples e, de facto, a contagem altimétrica revela-nos cerca de metade do valor do primeiro dia para uma quilometragem idêntica (relembro que os quinze kms. finais foram descendentes).

A primeira parte da etapa até se atingir Laza é muito agradável acompanhando a veiga do rio Tâmega e apresentando algumas variantes encantadoras à OU-110 pelo meio de bosques e aldeias típicas. Em Laza, terra do Carnaval, a pausa para uma bebida refrescante enquanto nos preparava-mos para "o que aí vinha", o mesmo seria dizer a transposição do vale do Tâmega para o vale do Lima. durante cerca de seis kms. e até Tamicelas houve tréguas para depois desta aldeia se subir de forma violenta o monte Requeixada que se deixa vencer ao cabo de 4 difíceis kms. Ainda assim, se descontarmos um troço de cerca de duzentos metros onde a conjugação da pendente e do piso o tornam impossível de pedalar todo o resto é vencido a golpe de pedal se bem com enorme empenho.

Entramos então em Albergueria onde se alcança o famoso "Rincón del Peregrino" de Luís Sande. Este é um dos momentos altos da peregrinação já que o ambiente aqui vivido, num recanto coberto de milhares de vieiras que confere uma ambiência única e mágica.

A partir daqui desce-se para o vale do Lima não sem antes cruzar um outro local emblemático: a cruz de madeira do Talariño e inicia-se a descida até Vale de Barrio, Boveda, Vilar de Gomareite e Bobadela seguindo durante muitos quilómetros por planos estradões que cruzam os extensos milharais.

É tempo de nova ascensão por caminhos seculares em bosques de carvalho e em pouco tempo entramos em Xunqueira de Ambia com o seu fantástico mosteiro de Santa Maria a Real. Daqui até aos arredores de Ourense onde se pernoitou foi relativamente rápido em percurso descendente.

3. Ourense - Silledas, 84 Km., 2089 m. A+

A primeira tarefa foi a de retomar o caminho original uma vez que nos havíamos desviado para pernoitar na zona de Sao Cribrao. No fundo efetuamos uma triangulação por forma a minimizar a quilometragem do desvio.

Após uma passagem pelo casco antigo de Seixalbo para depois descermos para Ourense aproveitando para alterar o caminho normal tomando o parque linear do rio Barbaña até quase este se entregar ao magno Miño. A dada altura fletimos para o centro da cidade para, em plena Praza Maior, se efetuar uma pausa para café e se seguir para a imponente ponte romana que cruza o Miño e daí para os três duros quilómetros da subida do Camiño Real que, colina acima, nos permite abandonar o vale.

Uma nota especial para a ponte medieval sobre o rio Barbantiño, no fundo de mais um dos inúmeros bosques de carvalho em que este caminho é rico. A pausa foi obrigatória para se desfrutar da beleza do local.

A partir daqui chegamos rapidamente a Cea onde abordamos a Praza Mayor com a sua torre de relógio e as bicas com abundante água corrente bem fresca e cristalina. Esta é a terra do bom pão feito em tradicionais fornos de lenha.

Após Cea havia que escolher entra duas alternativas: o caminho por Pinor, mais tranquilo em termos de piso e altimetria ou o do mosteiro de Oseira, mais acidentado mas quase obrigatório pela passagem indelével pelo histórico monumento de Santa María la Real de Oseira.

A beleza do local é diretamente proporcional à dificuldade de saída do mesmo. Assim, pelo meio de um belíssimo carvalhal, para além de uma enorme pendente, o piso de lageado a impossibilitar o pedalar e a revelar-se duríssimo vencer esta dificuldade.

Passamos pois à província de Pontevedra onde passamos, uma após outra as povoações de Castro Dozón, Laxe, Prado e Taboada. Todavia, a chegada a Silleda revelou-se muito difícil em função da passagem por uma calçada romana e da transposição de um rio por uma ponte do mesmo período.

4. Silleda-Santiago, 41 Km., 1000 m. A+

Este último dia seria mais simples em função da quilometragem relativamente reduzida a que se juntaram os bons pisos.

De Silleda a Bandeira o caminho prossegue por vales agrícolas que lhe características e matizes diferentes do que até aqui.

Segue-se a enorme descida pelo vale do rio Ulla até se transpor o mesmo em Ponte Ulla, entrando na província de A Coruña e começar a interminável subida que se revelaria como a penúltima.

Descido mais um vale, já com Santiago à vista, a passagem pela zona da tragédia do comboio Alvia a merecer uma pausa demorada. A derradeira subida é efetuada já dentro da cidade e a chegada à Praza do Obradoiro com o sabor especial por ser o culminar de quatro dias muito duros a pedal num total de 280 kms. e 7245 m. de altitude positiva acumulada.

terça-feira, 29 de julho de 2014

Bicicletas, Seguros e mau jornalismo

Depois dos tristes artigos de desinformação ontem publicados sobre seguros e bicicletas, com citações incompletas ou fora de contexto, e um título cuja intenção me pareceu ser a apenas o exaltar dos ânimos e criar má vontade em relação a quem circula de bicicleta, recomenda-se a leitura deste esclarecimento da FPCUB.

http://www.fpcub.pt/2014/07/nota-de-imprensa

O mau jornalismo da notícia da Lusa, foi repetido pelos jornais todos, e as caixas de comentários estão todas ao rubro... lamentável!