Mostrar mensagens com a etiqueta Algarve. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Algarve. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 6 de julho de 2012

VIA ALGARVIANA - MAGNA DUREZA V


Algarviana's Final Cut

UM LEVE EXCURSIONISMO VELOCIPÉDICO


DIA 4 – BARÃO DE SÃO JOÃO (LAGOS) - CABO DE SÃO VICENTE
41,220 kms. – 549 m. de Altitude Positiva Acumulada (Garmin Data)

Sectores 13 e 14

ABSTRACT: This was beyound any doubt the stage of consecration. In fact, either by distance or by altimetry but above all by the inevitable comparison with any of the three previous days, we were faced with a simple and nice bike ride.

Esta era, inevitavelmente, a etapa de consagração. De facto, seja pela distância, seja pela altimetria mas sobretudo, pela inevitável comparação com qualquer dos três dias anteriores, estávamos perante um simples passeio de bicicleta.

Ainda assim o arranque correspondeu à maior dificuldade altimétrica do dia com um gradiente pouco suave na subida pelo enorme pinhal da Mata de Barão de São João até chegarmos a um parque eólico. Sabemos, por dolorosa experiência que, numa travessia de vários dias, os quilómetros iniciais são sempre trabalhosos pelo cansaço muscular acumulado e aqui a regra não foi excepcionada. De facto a subida iniciou-se logo ab initio sem qualquer intróito que nos permitisse rolar em plano umas centenas de metros que fosse.
Sem embargo, dois quilómetros após, a dificuldade estava superada e internamo-nos, de novo, numa paisagem tipicamente serrana com a sucessão típica de montes e vales embora, uns e outros, fossem suavíssimos comparativamente com o que havíamos vencido anteriormente.

Um golpe de teatro ia comprometendo a incursão: um dos jockeys do desviador traseiro resolveu gripar esticando a corrente e a mola do mecanismo e quase comprometendo a sua integridade e a possibilidade de progredir até final. Instalou-se, por momentos, aquela sensação de morrer na praia . Todavia, com calma lá, se resolveu o assunto embora condicionando o andamento que agora ficou limitado às relações mais elevadas (os carretos maiores da cassete falhavam). Ainda assim nada que comprometesse irreversivelmente o andamento já que através do alternar entre 32 e 22 dentes se conseguia prosseguir.

A partir das Sesmarias a paisagem muda entrando-se numa zona de planalto agrícola muito semelhante à ideia que se tem dos montes alentejanos e das extensões cerealíferas - esta região era outrora o celeiro do Algarve. E, pela primeira vez em toda a travessia cruzamos a N125 e aproximamo-nos do litoral sul. Chegamos então a Vila do Bispo onde paramos para retemperar as nossas energias.

Entramos no sector final a caminho do mítico cabo, em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina e, pelo meio de extensos campos agrícolas num ondulado suave que permitia pedalar de modo bastante rápido, a presença do farol do cabo, ao fundo, começa a impor-se e a anunciar o final da travessia.

Avançamos por estreitos caminhos planos e pavimentados percorridos a uma velocidade cada vez maior até encontrarmos a N628 que abandonamos a menos de um quilómetro do final para percorrermos essa derradeira distância junto às falésias pelo meio de um piso de lapiás calcário impossível de ser pedalado, que implicou um ultimo esforço até se atingir a glória e o Cabo de São Vicente 320 kms. e 7840 metros de acumulado depois.

O grau de satisfação e alívio só foi proporcional ao da intensidade da dureza da travessia.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

VIA ALGARVIANA - MAGNA DUREZA IV

The MTB Troika after the Foia just before the fast descend to Marmelete


IV – INFERNO E PARAÍSO NA MESMA ETAPA

DIA 3
SILVES – BARÃO DE SÃO JOÃO (LAGOS) 87,76 kms. – 2327 m. de Altitude Positiva Acumulada (Garmin Data)
Sectores 10, 11, 12 e parte do sector 13.

ABSTRACT: The “hadness forecast” in these 28 kms. until Monchique and beyond to Fóia (900 meters) was extreme. The 14 meters high of Silves at the start combined with the recent memory of the last few miles of the eve promised hell. Fortunately the rest of the raid was a long descend to Marmelete and afterward to the end in Barão de São João.

A previsão de dureza nestes 28 kms. até Monchique era extrema. A saída dos 14 m. de altitude de Silves conjugada com a memória recente dos derradeiros quilómetros do dia anterior prometiam um inferno. Logo ao início, olhando para o azimute apontado pelo aparelho de GPS, não se conseguia vislumbrar por onde se passaria tal era a densidade do relevo.

Ganhamos coragem, avançamos e, desde logo estava sugerido o mote: ascensões insanas na maior parte dos casos impossíveis de vencer a pedalar seguidas de descidas abruptas que nos deixavam na mesma cota que anteriormente e isto milha após milha, por cerros calvos e áridos, com muita poeira, desgaste intenso e progressão lenta.

Quando já estávamos na cota acima dos trezentos metros iniciamos uma descida fortíssima, onde nos cruzamos com um grupo de ciclistas em sentido contrário, para nos repor ao nível da albufeira da nova barragem de Odelouca. Aí a ascensão tornou-se permanente dos 120 metros até aos 774 da Picota, o segundo ponto mais alto da Serra de Monchique. Apesar da dureza os panoramas deslumbravam vislumbrando-se desde Faro, a sotavento até Lagos a barlavento ao mesmo tempo que a paisagem ia cambiando e se avançava penosamente.

Descemos então para Monchique, não pelo trilho sugerido, antes pela estrada já que era impossível pedalar pelo meio de um mato impenetrável. Aproveitamos para uma reposição energética em elevado estilo: nada mais, nada menos que um precioso spaghetti napolitano em pleno centro de Monchique numa esplanada à sombra contemplando o refrescante repuxo.

Foi a détente breve mas necessária para se abordar o início do sector seguinte (o 12.º) tido como fácil mas que, na sua fase inicial, tinha apenas a mítica subida à Fóia - ponto culminante do Algarve - que, do alto dos seus 902 metros, prometia complicar a vida de quem se atrevesse a conquistá-la. Se a abordagem tradicional por estrada é já muito complicada (categoria extra, pelos critérios da Volta à Portugal em Bicicleta) subir por caminhos impossíveis até ao Convento do Desterro and above revelaram-se como uma tarefa duríssima.

Após se cruzar a estrada municipal entra-se num estradão de elevado gradiente que faz a entrada na paisagem de alta montanha e, finalmente, lá se chega às antenas e aos vislumbres dos altos afloramentos rochosos em simultâneo com uma enorme sensação de alívio: a partir daqui só se desce.

Ainda antes da descida para Marmelete um vale mágico encaixado na vertente poente da serra e a visão de pequenos soutos de castanheiros (em pleno Algarve), manadas de saudáveis bovinos, um rebanho de cabras e um pastor que passava pelas brasas ao sol - fantástico.

Após um parque eólico de magníficos estradões de terra batida, a descida vertiginosa ao longo de quilómetros até Marmelete onde retemperamos as forças na esplanada de uma singela cafeteria no terminus deste sector.

Iniciamos a nossa abordagem dos 30 quilómetros do sector 12 que nos conduziria a Bensafrim, já no concelho de Lagos. Apesar da distância ser grande dois factos se conjugaram para que se percorresse num abrir e fechar de olhos: um, de carácter estrutural, que era o de uma pendente de descida praticamente contínua e outro, de carácter conjuntural, pelo facto do vento soprar constante e moderado do quadrante norte.

Tal concorreu, em conjunto com a elevada agradabilidade da paisagem, para que este tenha sido, provavelmente, o sector mais simpático de toda esta travessia. De resto os longos quilómetros ao longo das margens da albufeira da Barragem da Bravura ficam indelevelmente marcados na memória.

Talvez tenha sido por isso que, quando menos se esperava, estávamos em Bensafrim e daí avançamos para os seis quilómetros finais até Barão de São João, não pela estrada, antes fora desta por uma paisagem típica do barrocal com inúmeras quintas de produtos biológicos e rapidamente chegamos à aldeia onde reinava um ambiente bizarro. De facto este era o serão em que a seleção nacional de futebol defrontava a sua congénere alemã pelo que, não era de estranhar que todos os restaurantes onde existisse uma pantalha disponível estivessem a abarrotar de povo nos seus cachecóis garridos. Valeu uma preciosidade italiana, onde não havia TV mas que tinha uma gastronomia divinal a preços módicos.

As dificuldades estavam ultrapassadas e o dia seguinte afigurava-se como muito simples, uma espécie de etapa de consagração até ao Cabo de São Vicente. O único senão foi mesmo a vitória tangencial alemã no futebol.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

VIA ALGARVIANA - MAGNA DUREZA - II


Crossing the Foupana Valley

UM PRÓLOGO A EXIGIR MUITO EMPENHO

DIA 1
ALCOUTIM – VAQUEIROS (ALCOUTIM)
62 kms. - 1562m. de Altitude Positiva Acumulada (Garmin Data)
Sectores 1, 2 e 3

ABSTRACT - Starting in Alcoutim, this first day means to crossing 62 kilometres until Vaqueiros. Yet it was far from being considered "easy" or "simple" at least if compared with the following days.

Este primeiro dia de travessia contaria com 62 quilómetros de extensão e uma peculiaridade administrativa -  o facto de começar e terminar no concelho de Alcoutim, embora com uma breve passagem pelo concelho vizinho de Castro Marim. Ainda assim esteve muito longe de se considerar como fácil ou simples se bem que até desse modo possa ser definido comparativamente com os dois dias subsequentes como teremos ocasião de constatar.

Alcoutim é uma lindíssima povoação sita na margem do Guadiana, frente à andaluza Sanlucar e cuja origem se perde no tempo. É uma terra acolhedora, de vistas desafogadas e que casa maravilhosamente com aquele curso de água. Ela marca o início da Via Algarviana, desse modo, a partida deu-se bem junto ao rio, na esplanada – miradouro sobre as margens fluviais e onde tivemos ocasião de encontrar o Dr. Francisco Amaral, afável presidente da câmara municipal que, após um primeiro assomo de incredulidade, nos desejou as maiores felicidades.

O ambiente local é de tal modo acolhedor que não apetecia começar a jornada, antes por ali ficar saboreando tranquilamente as vistas e a pacatez do Guadiana. Mas, lá fomos, pedalando os primeiros metros a direito, para depois percorrermos tranquilamente a margem direita do rio para norte apreciando o vale enquanto o desnível não nos exigia empenho.

Começamos então a subir abandonando aquele belo vale, internando-nos nos espaços de sequeiro e cruzando, uma após outra, as pequenas aldeias: Cortes Pereiras, Afonso Vicente e Corte Tabelião, visitando o conjunto megalítico dos menires de Lavajo e chegando ao cruzamento com a EN122 e a povoação de Balurcos findando aqui o sector 1 da Via.
Na ausência de um café ou de qualquer outro tipo de estabelecimento onde reabastecer recorremos à roda que puxava a água do poço. Este artefacto hidráulico constitui, aliás, um ex-libris da serra algarvia e que haveríamos de reencontrar amiúde durante a nossa travessia.

Inicia-se aqui o sector 2 que nos haveria de conduzir a Furnazinhas e ao cruzamento da fronteira com o concelho vizinho de Castro Marim. mas, para tanto, após a típica povoação de Palmeira, era necessário proceder à difícil transposição da Ribeira da Foupana por um profundo vale a que se seguia uma subida longa e penosa. Este é, sem embargo, um momento mágico com a extensa decida junto ao enorme viaduto do IC22 e o cruzamento a vau da Ribeira por um trilho muito pouco óbvio. A longa subida culmina em planalto e após a mesma rapidamente cumprimos os 14kms. até às Furnazinhas onde, o único café, se encontrava encerrado em virtude de ser feriado nacional.

Apesar disso parámos um pouco para descansar e, após retemperar energias, seguimos viagem para os 20 kms. finais até Vaqueiros que se revelaram algo trabalhosos em função do relevo acidentado como que como que dando o mote para aquele que seria o traçado constante da travessia

Chegamos finalmente até junto de Vaqueiros, embora descendo até Ferrarias, aglomerado quase abandonado ligado à antiga exploração mineira de cobre, mas onde a recuperação possibilitou preservar um casarão que serve de confortável alojamento a quem demanda a Via Algarviana. A nossa chegada pelas 17:00 permitiu, nessa noite, que aquele bucólico lugar pudesse crescer populacionalmente 300% já que é apenas habitado por um simpático idoso – se não contabilizarmos os três jumentos, bem entendido.

Este primeiro dia, apesar de relativamente curto, mostrou toda a dureza da Via e adensou, ainda mais, a imprevisibilidade da jornada seguinte com uma extensão de quase 130 kms. e uma previsão de altimetria insana. Talvez por isso, de modo preventivo, o nosso jantar tenha sido por volta das 18:00 e, pelas 19:30, tenhamos recolhido pois haveria que madrugar no dia seguinte: essa era, de resto, a única garantia de que dispúnhamos de que seria possível pedalar tantas horas e com tanta dificuldade e almejar chegar em tempo útil a Silves.

VIA ALGARVIANA – A MAGNA DUREZA - I


The MTB troika and the arrival @ Cabo de São Vicente

I - INTRÓITO E PRÉVIAS CONSIDERAÇÕES



ABSTRACT - To cross the mythical GR 13 (Via Algarviana) is the dream of any self-respected mountain-biker. Yet, despite this irresistible appeal one should keep in mind that this is probably the hardest official MTB crossing in the mainland Portugal.

Cruzar a mítica Grande Rota 13 (GR 13 - Via Algarviana) é o sonho de um qualquer betetista que se preze deste nosso retângulo à beira mar plantado. Porém, apesar do appel irrésistible que encerra, convirá ter presente que esta será, provavelmente, a mais dura travessia BTT “oficial” em Portugal continental.

À partida, para além de um anúncio de altimetria muito elevado e de uma distância considerável, poderemos subestimar a dificuldade e sermos levianamente traídos pelo facto de encararmos com alguma bonomia as serranias do sul. Por uma questão de simplificação mental e de boa ordem na arrumação das ideias de muita gente, a montanha é a norte e a planície a sul de Portugal.

Todavia nada mais errado: nesta travessia verificamos, milha após milha, subida após subida, por que motivo o Algarve foi, ao longo dos tempos, um reino separado de Portugal já que a esta região corresponde uma fronteira montanhosa bem marcada, de difícil transposição, que age como um indelével separador físico a norte e a que só a moderna engenharia de construção estradal conseguiu responder com efetividade. Se é assim no sentido transversal, por maioria de razão o será no sentido longitudinal.

Ora, esta Via Algarviana, cruzando os inúmeros, intrincados e sinusoidais relevos das serranias de Mu (Caldeirão) e de Monchique, abordando en passant a Serra de Espinhaço de Cão, desde a parte inferior do Guadiana (Alcoutim) ao Cabo de São Vicente, percorrendo o interior montanhoso do Algarve e recreando o caminho tradicional da peregrinação a São Vicente Mártir, padroeiro de Lisboa - cuja nave, escoltada pela parelha de corvos, se converteu no brasão da capital portuguesa - revela-se como um desafio extremo e poderoso a exigir, a um tempo, capacidade de superação e sacrifício, empenhamento total e boas formas física e mental.

Trata-se de uma travessia épica, que percorre uma zona da região algarvia completamente distinta daquilo que é o roteiro turístico habitual de sol e praia e até do próprio barrocal (se bem que este seja percorrido em algumas passagens). Preparem-se para serem surpreendidos por um Algarve de baixa densidade, inóspito, através de uma travessia em que cada um dos inúmeros quilómetros são percorridos lenta e arduamente.

A maioria do seu traçado é típico de montanha, num sobe e desce constante que alterna os vales e travessia de ribeiras com as duras ascensões de montes, o que implica, quer um desgaste físico permanente, quer uma grande concentração nas vertiginosas descidas para que não haja surpresas desagradáveis.

Os números finais resultantes da epopeia são eloquentes: 318 quilómetros de extensão, 7840 metros de desnível positivo acumulado (Garmin Data), travessia de 9 concelhos (Alcoutim, Castro Marim, Tavira, São Brás de Alportel, Loulé, Silves, Monchique, Lagos e Vila do Bispo) e cerca de 21 freguesias. É essencialmente uma rota pedestre mas que tem as condições suficientes para ser percorrida de bicicleta de montanha ainda que, breves troços, necessitem de uma alternativa (facilmente descortinável no local) já que, está bem de ver, as rodas são bem menos versáteis do que as solas das botas de caminhada.

A travessia oficial anual de BTT, organizada pela associação Almargem (responsável pelo levantamento da GR13), decorre em 5 dias. Ainda assim entendi, num lírico acesso de wishful thinking típico de quem adora pedalar na natureza, que apenas 4 dessas rotações planetárias seriam suficientes para este nosso projeto. Em bom rigor foram 3 dias e meio já que os números da última jorna configuravam um excursionismo ligeiro em bicicleta (apenas 40 kms. e 549 m. de acumulado) se comparados com os três iniciais. Valeu a meteorologia de feição destes primeiros dias de Junho já que, seja o tempo chuvoso, seja o calor intenso, poderiam ter comprometido irremediavelmente a incursão.

A prática veio a demonstrar que é possível a travessia em 4 dias mas que não é lá muito recomendável já que, a mesma, se estriba num desgaste físico permanente, muito elevado e sem apelo, não deixando qualquer margem de manobra para os imponderáveis de que, apesar dos planeamentos rigorosos, o BTT é farto.

Para quem, apesar destes avisos se deseja aventurar saiba, de antemão que, o primeiro e principal problema a resolver é de natureza organizacional. De facto, a Via Algarviana constitui um enorme pesadelo logístico, seja no acesso à partida / chegada, seja nas questões comezinhas das dormidas / jantares ou, inclusive, nos sectores iniciais, onde atos tão banais como beber um simples café ou comer uma sanduíche levantam dificuldades inesperadas. Daí que tudo tenha de estar devidamente planeado sob pena de se ter de recorrer ao improviso e quiçá comprometer tudo.

Comparecemos três criaturas à partida (e à chegada): o autor destas linhas; também o Sérgio Duarte, com o seu ar tranquilo e com quem já havia viajado de Lisboa a Badajoz e o João Bronze, sujeito bastante extrovertido e espirituoso e que muito alegrou esta nossa travessia.

A configuração das três bicicletas, no modo de transportar os artefatos extra necessários ao bom sucesso da missão, era distinta: enquanto eu e o Sérgio optámos pelos fantásticos e ligeiros alforges da Topeak que, pelo facto de prenderem o tubo de selim, são de uma simplicidade incrível, livrando as costas de excessos de peso (a opção do reboque Extrawheel não era válida para tais relevos por motivos óbvios), o João, por seu turno, optou por levar tudo às costas e reforçar com uma bolsa de guiador. Ambas as opções se mostraram válidas embora eu ache que a mochila carregada sacrifica (ainda) mais a postura e as costas podendo contribuir para o surgimento precoce do cansaço. Mas, de um modo ou de outro, seguiu-se sem um acréscimo de peso significativo.

Mais fotos aqui

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

ALGARVIANA "AVANT LA LETTRE"...



Fui ao baú e recuperei um texto que escrevi em Dezembro de 2003 a propósito de uma travessia longitudinal do Algarve organizada pelo João Marques, de Loulé.


Ainda antes de haver a "Via Algarviana" e em três dias que é para gente "não piegas"! ...

INTRODUÇÃO


Foi um excelente modo de passar um fim de semana prolongado. A
proposta era aliciante: atravessar longitudinalmente o Algarve
ligando Alcoutim ao Cabo de São Vicente. O desafio era tanto mais
tentador se tivermos em conta que nesta altura do ano o pôr do sol
acontece por volta das 17:15 pelo que o andamento tinha de ser vivo
e intenso.

O grupo acabou por ser restrito e limitado, inicialmente, a nove
elementos devidamente enquadrados pelos dois guias ou seja, onze
criaturas a pedalar no total sendo de registar duas desistências.

1.ª ETAPA ALCOUTIM-ALTE, 115 KMS. – 29NOV03
Arrancámos da praia fluvial de Alcoutim. A primeira subida, entre
esta vila e a EN 122, acabou por revelar-se violenta mas a frescura
inicial permitiu levá-la de vencida sem problemas. Depois foi rolar
em planalto até Giões e daí até Martinlongo, zona do primeiro
reabastecimento.

Prosseguiu-se descendo até à famosa ribeira do Vascão, a linha que
separa o Algarve do Alentejo e que marcou a fronteira dos 50 kms. Lá
fomos pela sua margem, primeiro montados, depois empurrando o
velocípede por algumas centenas de metros pela a margem alentejana
para se voltar a reentrar no Algarve a pedalar passando por uma
estupenda ponte com cerca de um metro de largura e sem guardas
laterais

A partir daí fomos subindo a ribeira até nos internarmos na Serra do
Caldeirão e chegámos ao cruzamento com a famosa EN2 onde se efectuou
o segundo reabastecimento. Confesso que aí comecei a ficar algo
preocupado: faltavam 35 kms. até ao final em Alte e já passavam das
16:00. Adivinhava-se pois extrema dureza pela frente.

Lá seguimos subindo junto ao Vascão e começa o famoso "rompe -
pernas". Confesso que foi muito complicado gerir estas subidas
curtas e íngremes e procurei desmultiplicar tudo o que me era
possível na tentativa de reduzir o esforço mas as "paredes" iam
sucedendo-se uma atrás das outras com descidas vertiginosas de
permeio para complicar.

A dada altura a noite cai implacável. Restou seguir por estrada os
cerca de quinze quilómetros finais. Se começámos alegremente por
descer durante mil e quinhentos metros uma pendente de 10% tivemos,
logo de seguida, auxiliados pelos faróis do jipe de subir idêntica
distância e pendente.

Descemos e alcançamos finalmente Salir, mas ainda havia que vencer a
dezena de quilómetros final até Alte pondo um ritmo diabólico bem no
limite do suportável. Aí chegados ainda temos de subir mais dois
quilómetros até ao Hotel que ficáva lá bem no topo e, uma vez aí
chegados, vencer a sua incrível rampa.

Quando parei nem queria bem acreditar que tinha terminado aqueles
115 kms. de uma dureza indescritível. Esta cândida felicidade
inicial foi substituída pela preocupação de saber que no dia
seguinte idêntica distância nos esperava até ao Rogil.

2.ª ETAPA - ALTE – ROGIL, 110 kms. (30NOV03)
Lá partimos, "cantando e rindo", por uma bonita zona de Barrocal por
entre pomares e citrinos numa paisagem tipicamente algarvia, após a
qual transpusemos a A2 e, alguns quilómetros volvidos, alcançámos o
IC1, que acompanhámos durante um par de quilómetros num caminho
paralelo pelo seu lado nascente após o qual cruzámos essa via e,
logo após, a ferrovia (linha do Sul).

Ficámos uns instantes em cima dos carris fazendo algum do humor
negro tradicional nestas ocasiões mas fomos surpreendidos pelo agudo
silvo de uma locomotiva diesel. Tempo de sair lá de cima,
rapidamente, não fosse termos de indemnizar a CP por danos no seu
material circulante...

Alcançámos o Arade e a barragem do Funcho que acompanhamos por
alguns quilómetros até nos envolvermos com a Serra, num percurso de
Sul para Norte, primeiramente, e depois para poente, num novo e
desconcertante "sobe e desce".

Aqui, nesta zona a norte de Silves, encontramos o resultado de um
Verão quente, já que entrámos em plena zona de incêndios e onde deu
para constatar algo de curioso: todo o eucalipto tinha ardido mas,
salvo algumas excepções, as espécies mediterrânicas estavam intactas
ou em bom estado designadamente os sobreiros, as azinheiras, as
oliveiras ou as alfarrobeiras.

Começam então as grandes ascensões, a primeira das quais durante
quase 3 quilómetros e que nos levou dos 70 aos mais de 350 metros.

Constato alegremente que num percurso sempre ascendente consigo
manter a pulsação elevada mas estável e imprimir um ritmo
interessante sentindo-me em boas condições, muito melhor que no
ritmo "sobe e desce".

Durante alguns quilómetros acompanhamos, a uma cota elevada, o curso
da Ribeira de Odelouca num cenário incrivelmente belo, do mais
bonito que vi durante a travessia. Foi então tempo de descer, de
novo, e muito fortemente até uma cota baixa aproveitando uma estrada
de asfalto sempre a direito.

Transpomos a ribeira e recomeçamos a subir a serra. Atingido o topo
deparamos com medronheiros com os respectivos frutos no ponto ideal
de maturação e que nos obrigaram a fazer uma agradável pausa
degustativa ao mesmo tempo que, por alguns minutos, estiava
agradavelmente dando um ar verdadeiramente mediterrânico ao cenário
serrano.

Tinhamos agora novo vale a transpor e a povoação de Alferce do outro
lado e as tão prometidas sanduiches de presunto esperando. Repostas
as forças lá vamos em direcção a Monchique agora com a chuva por
companhia. A zona de Monchique é muito diferente daquilo que se pode
considerar o tradicional Algarve serrano. Muito verde e muita água e
a poder ser considerada como a Sintra algarvia.

Começa então a ascensão à Fóia, o ponto mais alto do Algarve, sempre
debaixo de chuva cada vez mais intensa. O ataque é feito pela
encosta sul e revela-se um trabalho árduo mas que todos levaram de
vencida.

O topo, aos 910 metros, é alcançado debaixo de uma tempestade de
vento, nevoeiro e chuva intensos e em que o panorama que se avistava
se resumia a uns míseros metros por diante.

Tempo de descer por norte, na direcção do Selão. Foram quilómetros e
quilómetros de divertimento feitos de forma muito rápida pelo meio
de eucaliptais invariavelmente queimados.

Chegámos ao Selão já a anoitecer e seguimos pela EN501 de forma
muito rápida durante vários quilómetros. Após o final da estrada e
já em plena noite, é solicitado um esforço adicional: uma rampa
indecentemente inclinada já perto de Maria Vinagre e vencida a muito
custo já com mais de 100 kms. nas pernas.

Foi mesmo a última dificuldade do dia e poucos quilómetros após
alcançámos o Rogil e o descanso merecido.

3.ª ETAPA – ROGIL – CABO DE SÃO VICENTE, 67 kms. (01DEZ03)
Quer pela distância, quer pela altimetria, quer ainda pelo facto de
ser a derradeira, esta poderia ser considerada como a etapa de
consagração. Os factos demonstraram que assim foi.

Ainda assim este foi o dia em que os elementos naturais mais se
uniram contra os ciclistas: a temperatura baixou, o vento soprou em
rajada e a chuva, sob a forma de aguaceiro forte, abateram-se sobre
nós impiedosamente mas que mereceram, da nossa parte, um salutar e
olímpico desprezo. Nada, nem ninguém, nos faria demover do nosso
intento de alcançar o Cabo que ostenta o nome do padroeiro de Lisboa.

Após umas afinações iniciais (sobretudo ao nível dos travões já que
as fortes descidas do dia anterior, aliadas ao terreno molhado,
haviam provocado alguns estragos a este nível) lá partimos em
direcção à vila de Aljezur.

Chegados a esta histórica povoação foi tempo de nos embrenharmos
pelas ruelas históricas ascendendo ao castelo. É uma tarefa árdua já
que a pendente é muito elevada transformando as vielas de mau piso
em autênticas rampas, bem inclinadas.

Seguimos para sul e, já em pleno Parque Natural do Sudoeste
Alentejano e Costa Vicentina, rolámos de forma muito rápida pelos
estradões que cruzam os pinhais e eucaliptais e, num abrir e fechar
de olhos, alcançamos a várzea da ribeira da Bordeira tendo como
companhia, a nascente, a incrível serra de Espinhaço de Cão.

A seguir à Bordeira seguimos para a Carrapateira onde divergimos
para poente para os estradões que seguem já junto à costa. Parámos
numa falésia junto ao mar num dos raros momentos de sol da jornada
numa zona de incrível beleza: a costa vicentina no seu máximo
esplendor!

Alcançada a Praia do Amado aproveitámos para reabastecer as nossas
energias. A ideia era seguir, "à mão" pela praia. Numa breve análise
calculei que fosse possível pedalar pela praia já que estava baixa-
mar. Aproveitei a descida e consegui pôr-me junto à linha de água,
onde a areia é mais firme e por ali seguimos naquele que foi um dos
mais interessantes momentos da travessia.

Tarefa difícil foi a de transpor a duna e subir a falésia, que
embora fosse ciclável, tinha uma pendente incrível e um piso
terrivelmente solto. Foi um daqueles momentos mágicos do BTT em que
se olha para trás e se constata que, em cerca de 2000 metros se
ascendem dos 4 aos quase 300 metros! A vista era, por seu turno,
deslumbrante.

Retomamos a estrada para, por ela nos, deslocarmos velozmente até
Vila do Bispo. O sabor a final já estava no ar. Tomámos uns
estradões por uma espécie de estepe e debaixo de um autêntico
dilúvio, até ao Cabo de São Vicente que alcançámos após 67
quilómetros e pelas 14:00.

Era o final da travessia, 292 duros quilómetros após abandonarmos
Alcoutim! O sabor a vitória e a dever cumprido pairava no ar aliada
à enorme sensação de alívio.

EPÍLOGO
Nunca duvidei que conseguisse mas foi mais duro do que pensei
inicialmente. Por manifesta falta de tempo, não efectuei nenhuma
preparação específica para esta travessia.

Por causa da luz do dia disponível nesta altura do ano o ritmo
imposto foi forte e o grau de exigência física foi elevado. Por
outro lado os perfis de tipo "sobe e desce" são terríveis para
manter um ritmo constante. Pessoalmente prefiro ascensões
inequívocas e demoradas são mais facilmente geríveis em termos
físicos.

De resto as duas baixas aliadas a alguns recursos ao jipe de apoio
por parte de alguns elementos na segunda, mas sobretudo na primeira
etapa estão aí para o provarem. O final do primeiro dia foi mesmo o
pior de todos, sobretudo se tivermos em conta que ainda restavam
mais dois pela frente.

Felicito todos os que, comigo, partilharam aqueles, afinal, breves
momentos de eternidade!