The MTB troika and the arrival @ Cabo de São Vicente |
I - INTRÓITO E PRÉVIAS CONSIDERAÇÕES
ABSTRACT - To cross the mythical GR 13 (Via Algarviana) is the dream of any self-respected mountain-biker. Yet, despite this irresistible appeal one should keep in mind that this is probably the hardest official MTB crossing in the mainland Portugal.
Cruzar a mítica Grande Rota 13 (GR 13 - Via Algarviana) é o sonho de um qualquer betetista que se preze deste nosso retângulo à beira mar plantado. Porém, apesar do appel irrésistible que encerra, convirá ter presente que esta será, provavelmente, a mais dura travessia BTT “oficial” em Portugal continental.
À partida, para além de um anúncio de altimetria muito elevado e de uma distância considerável, poderemos subestimar a dificuldade e sermos levianamente traídos pelo facto de encararmos com alguma bonomia as serranias do sul. Por uma questão de simplificação mental e de boa ordem na arrumação das ideias de muita gente, a montanha é a norte e a planície a sul de Portugal.
Todavia nada mais errado: nesta travessia verificamos, milha após milha, subida após subida, por que motivo o Algarve foi, ao longo dos tempos, um reino separado de Portugal já que a esta região corresponde uma fronteira montanhosa bem marcada, de difícil transposição, que age como um indelével separador físico a norte e a que só a moderna engenharia de construção estradal conseguiu responder com efetividade. Se é assim no sentido transversal, por maioria de razão o será no sentido longitudinal.
Ora, esta Via Algarviana, cruzando os inúmeros, intrincados e sinusoidais relevos das serranias de Mu (Caldeirão) e de Monchique, abordando en passant a Serra de Espinhaço de Cão, desde a parte inferior do Guadiana (Alcoutim) ao Cabo de São Vicente, percorrendo o interior montanhoso do Algarve e recreando o caminho tradicional da peregrinação a São Vicente Mártir, padroeiro de Lisboa - cuja nave, escoltada pela parelha de corvos, se converteu no brasão da capital portuguesa - revela-se como um desafio extremo e poderoso a exigir, a um tempo, capacidade de superação e sacrifício, empenhamento total e boas formas física e mental.
Trata-se de uma travessia épica, que percorre uma zona da região algarvia completamente distinta daquilo que é o roteiro turístico habitual de sol e praia e até do próprio barrocal (se bem que este seja percorrido em algumas passagens). Preparem-se para serem surpreendidos por um Algarve de baixa densidade, inóspito, através de uma travessia em que cada um dos inúmeros quilómetros são percorridos lenta e arduamente.
A maioria do seu traçado é típico de montanha, num sobe e desce constante que alterna os vales e travessia de ribeiras com as duras ascensões de montes, o que implica, quer um desgaste físico permanente, quer uma grande concentração nas vertiginosas descidas para que não haja surpresas desagradáveis.
Os números finais resultantes da epopeia são eloquentes: 318 quilómetros de extensão, 7840 metros de desnível positivo acumulado (Garmin Data), travessia de 9 concelhos (Alcoutim, Castro Marim, Tavira, São Brás de Alportel, Loulé, Silves, Monchique, Lagos e Vila do Bispo) e cerca de 21 freguesias. É essencialmente uma rota pedestre mas que tem as condições suficientes para ser percorrida de bicicleta de montanha ainda que, breves troços, necessitem de uma alternativa (facilmente descortinável no local) já que, está bem de ver, as rodas são bem menos versáteis do que as solas das botas de caminhada.
A travessia oficial anual de BTT, organizada pela associação Almargem (responsável pelo levantamento da GR13), decorre em 5 dias. Ainda assim entendi, num lírico acesso de wishful thinking típico de quem adora pedalar na natureza, que apenas 4 dessas rotações planetárias seriam suficientes para este nosso projeto. Em bom rigor foram 3 dias e meio já que os números da última jorna configuravam um excursionismo ligeiro em bicicleta (apenas 40 kms. e 549 m. de acumulado) se comparados com os três iniciais. Valeu a meteorologia de feição destes primeiros dias de Junho já que, seja o tempo chuvoso, seja o calor intenso, poderiam ter comprometido irremediavelmente a incursão.
A prática veio a demonstrar que é possível a travessia em 4 dias mas que não é lá muito recomendável já que, a mesma, se estriba num desgaste físico permanente, muito elevado e sem apelo, não deixando qualquer margem de manobra para os imponderáveis de que, apesar dos planeamentos rigorosos, o BTT é farto.
Para quem, apesar destes avisos se deseja aventurar saiba, de antemão que, o primeiro e principal problema a resolver é de natureza organizacional. De facto, a Via Algarviana constitui um enorme pesadelo logístico, seja no acesso à partida / chegada, seja nas questões comezinhas das dormidas / jantares ou, inclusive, nos sectores iniciais, onde atos tão banais como beber um simples café ou comer uma sanduíche levantam dificuldades inesperadas. Daí que tudo tenha de estar devidamente planeado sob pena de se ter de recorrer ao improviso e quiçá comprometer tudo.
Comparecemos três criaturas à partida (e à chegada): o autor destas linhas; também o Sérgio Duarte, com o seu ar tranquilo e com quem já havia viajado de Lisboa a Badajoz e o João Bronze, sujeito bastante extrovertido e espirituoso e que muito alegrou esta nossa travessia.
A configuração das três bicicletas, no modo de transportar os artefatos extra necessários ao bom sucesso da missão, era distinta: enquanto eu e o Sérgio optámos pelos fantásticos e ligeiros alforges da Topeak que, pelo facto de prenderem o tubo de selim, são de uma simplicidade incrível, livrando as costas de excessos de peso (a opção do reboque Extrawheel não era válida para tais relevos por motivos óbvios), o João, por seu turno, optou por levar tudo às costas e reforçar com uma bolsa de guiador. Ambas as opções se mostraram válidas embora eu ache que a mochila carregada sacrifica (ainda) mais a postura e as costas podendo contribuir para o surgimento precoce do cansaço. Mas, de um modo ou de outro, seguiu-se sem um acréscimo de peso significativo.
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2 comentários:
Excelente texto e ainda melhor aventura. Inveja ....
Muito bem, felicito-os. Um dia passarei pelo mesmo. (Link Picasa inop)
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