A constância das incursões permite que eu possa alinhar as minha peregrinações de bicicleta a Fátima com os anos do século. Assim a 2017 correspondeu a consequente 17ª ida ao santuário.
Apesar disso nunca se poderá falar em rotina já que as coisas se operaram sempre de modo distinto. Assim a conjugação do traçado (e de pequenas variantes), condições climatéricas, companhia, ponto de partida ou duração sempre se associaram para que, cada uma destas peregrinações, fosse diferente.
As fórmulas foram diversas e houve de tudo, chuva, calor intenso, vento favorável, vento desfavorável e acompanhantes que lograram chegar ao fim e outros que ficaram pelo caminho.
A originalidade da versão de 2017 foi a de ter sido "a solo". Nunca antes o havia tentado e ontem, o simples facto de não ter companhia, não me inibiu de tentar e cumprir mais uma peregrinação. A rotina foi idêntica: sair cedo para aproveitar a luz solar, pedalar muito, dobrar quilómetros e terras. Outra singularidade (cada vez menos) é a da quantidade de peregrinos pedestres a caminho de Fátima e de Santiago de Compostela, contei vinte. Está a ficar "de moda" e ainda bem.
Voltei a usar o troço do Trancão uma vez que tinha escutado que já por aí se circulava em condições. De facto assim é. O troço foi reparado e alargado e apenas se lamenta o facto de não ter sido consolidado com uma camada de "tout venant" que permitiria que se mantivesse capaz por mais tempo. Ainda assim com o piso seco circula-se muito bem e rápido por ali.
A solo o importante é manter-se um ritmo adequado com o rendimento e estribado na zona sustentável do esforço, isto é, nem a mais, nem a menos. A meteorologia, no entanto e tal como se previa, condicionou a incursão: tal como em anos anteriores muito calor, sobretudo após Santarém em zona montanhosa. A juntar a tudo isto um vento constante de NE a soprar com intensidade e a exigir um maior esforço para menor rendimento na zona do Tejo. Ainda assim a primeira paragem efetuou-se apenas na Valada, 75 kms. após a saída, embora com duas barras energéticas a serem ingeridas em movimento. para tentar manter as energias nos níveis adequados.
Antes disso uma nova opção de caminho (seguindo uma proposta alternativa) que foi a de ligar a zona da central do Carregado a Azambuja utilizando o caminho a nascente da ferrovia. Trata-se de um estradão rápido junto aos arrozais. O problema, para além de alguns portões que se transpõem facilmente, é a zona de passagem pelos rios paralelos (Ota e Alenquer) e que inviabilizam esta opção. Não há ponte exceto a do caminho de ferro e que conta com a vedação derrubada mas com um grau de perigo potencial extremo já que os comboios circulam aí a velocidades muito elevadas. A solução adequada será a de tomar esse caminho mais adiante na estação de Vila Nova da Rainha e daí até Azambuja evitando a inóspita berma da N3.
A vantagem da 17.ª vez é a de já se conhecerem todas as subidas do percurso, a sua localização e a sua duração. Ainda assim o calor após Santarém, mais do que o vento que apenas condicionou até esta cidade, não deu tréguas. O primeiro teste é o da ascensão a Vale Figueira a temperatura e o brilho extremos foram uma dura prova que ainda fiz com relativa tranquilidade. A segunda é o do cabeço dos moinhos após as Milhariças que em função da inclinação e do mau piso era resolvida habitualmente apeada na sua zona mais crítica. Ontem com um piso renovado continuou a ser feita de modo apeado pois o cansaço já se fazia sentir e havia que poupar energias. Terceiro teste a forte subida após os Olhos de Água resolvida com uma breve paragem a meio para retomar o pulso e, após Monsanto, a ascensão até à Serra de Santo António efetuada com elevada penosidade e a muito custo.
Foi tempo de descansar e de descer fortemente até Minde. Aí a pressão da última subida levou-me a uma breve sesta de 15 minutos que foi providencial para ajudar a vencer o derradeiro declive e descer os quilómetros finais até Fátima com a já habitual contagem de 152 kms.
Abordar uma incursão destas a solo tem vantagens e desvantagens. Permite-nos uma melhor gestão do esforço mas, paradoxalmente, torna-a mais entediante e contribui para o impulso de desistência por acrescentar maior dificuldade mental. Esta 17ª, tendo em consideração o estado de forma, deveria ter sido uma daquelas onde o comboio até Azambuja teria sido a opção racional. Todavia, apesar de uma penosidade muito elevada (das mais elevadas de todas) nunca a desistência foi levada em linha de conta. Uma parte importante do esforço físico tem uma componente psicológica e essa dimensão é determinante para a vida.
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