quinta-feira, 11 de setembro de 2014

DE BRAGANÇA A SANTIAGO DE COMPOSTELA

Azulejo do Camiño Real que sobe o vale do Minho a partir de Ourense
O desafio era de relevo (literalmente) - ligar Bragança a Santiago de Compostela em BTT tomando o Camiño Sanabrense a partir de Verin / Laza (tido por alguns como o final da Via de la Plata).

Já em tempos tinha percorrido este caminho na epopeia de 13 etapas de Tavira a SdC nos idos de 2010. Fiquei impressionado com a dureza em terras da Galiza em parte pelo desnível, em parte pelos pisos de muitas imemoriais calçadas de antanho por onde o Camiño serpenteia. Daí que a abordagem entre Ourense e SdC tenha sido mais conservadora agora ao desdobrar-se em dois dias (um dia apenas em 2010).

1. Bragança - Verin (86,5 Km., 2770 m. A+)

A "mãe de todas as etapas" todavia foi esta primeira entre Bragança e Verin, via Vinhais. Todo o acumulado positivo foi efetuado em 70 dos 85 kms. já que o final foi descendente até à veiga do Tâmega onde se situa aquela cidade Galega.

A saída de Bragança faz-se a descer até ao rio Fervença que se cruza para se entrar em Castro de Avelãs que guarda uma preciosidade anterior à própria fundação de Portugal. Trata-se de um mosteiro beneditino, monumento nacional e exemplar único do estilo arquitetónico românico-moçárabe em Portugal, em que sobressai a traça com tijolo maciço herdada da vizinha região espanhola de Castela e Leão.

Como tínhamos muito quilómetros por diante a pausa foi breve e em pouco tempo começaram as ascensões em pleno Parque Natural de Montesinho que, num percurso paralelo à N103, nos haveria de conduzir até Vinhais pelo meio as passagens por aldeias impolutas como Lagomar, Portela ou Vila Verde entre outras mas também o cruzamento do primeiro de inúmeros vales. Tratava-se do rio Tuela que, apesar de não ser fácil, se revelou como um dos mais simples da jornada
.
Chegados a Vinhais, que visitei pela primeira vez, tempo de restaurar algumas energias e de marcar a impressão de uma terra encaixada entre montanhas.

Seguimos caminho em direção a NW para o grande desafio do dia: o cruzamento pela ponte medieval do vale do rio Rabaçal que marca a fronteira entre os concelhos de Vinhais e Chaves, o mesmo será dizer entre os distritos de Bragança e Vila Real. O traçado entre as aldeias do Candedo e do Edral a revelar-se um dos troços de BTT mais difíceis que percorri: trata-se de uma descida insana (e uma subida condizente) que serpenteia pelo xisto e que em pouco mais de 3 kms. nos fazem perder e reganhar umas centenas de metros de altitude e parte da subida tem mesmo de ser efetuada empurrando a bicicleta pelo que, a pausa no Edral para beber uma bebida refrescante a parecer uma espécie de recompensa divina.

Ainda assim haveria agora de transpor a fronteira com a Galiza pelas rotas do contrabando via Segirei cruzando o bonito vale do rio Mente no limite do PNM. A passagem da fronteira exigiu também um empenho forte já que, até Soutochao a subida foi permanente.

Atingimos a maior altitude do dia em Vilardevós para se iniciar a descida contínua e muito rápida até Verin via Trasigrexa e Devesa num traçado que utilizava em parte a OU-310 e percursos paralelos e troços desclassificados da antiga estrada.

Assim terminou o primeiro dia.

2. Verin - Ourense, (69 Km., 1386 m. A+)

Esta jornada afigurava-se como bem mais simples e, de facto, a contagem altimétrica revela-nos cerca de metade do valor do primeiro dia para uma quilometragem idêntica (relembro que os quinze kms. finais foram descendentes).

A primeira parte da etapa até se atingir Laza é muito agradável acompanhando a veiga do rio Tâmega e apresentando algumas variantes encantadoras à OU-110 pelo meio de bosques e aldeias típicas. Em Laza, terra do Carnaval, a pausa para uma bebida refrescante enquanto nos preparava-mos para "o que aí vinha", o mesmo seria dizer a transposição do vale do Tâmega para o vale do Lima. durante cerca de seis kms. e até Tamicelas houve tréguas para depois desta aldeia se subir de forma violenta o monte Requeixada que se deixa vencer ao cabo de 4 difíceis kms. Ainda assim, se descontarmos um troço de cerca de duzentos metros onde a conjugação da pendente e do piso o tornam impossível de pedalar todo o resto é vencido a golpe de pedal se bem com enorme empenho.

Entramos então em Albergueria onde se alcança o famoso "Rincón del Peregrino" de Luís Sande. Este é um dos momentos altos da peregrinação já que o ambiente aqui vivido, num recanto coberto de milhares de vieiras que confere uma ambiência única e mágica.

A partir daqui desce-se para o vale do Lima não sem antes cruzar um outro local emblemático: a cruz de madeira do Talariño e inicia-se a descida até Vale de Barrio, Boveda, Vilar de Gomareite e Bobadela seguindo durante muitos quilómetros por planos estradões que cruzam os extensos milharais.

É tempo de nova ascensão por caminhos seculares em bosques de carvalho e em pouco tempo entramos em Xunqueira de Ambia com o seu fantástico mosteiro de Santa Maria a Real. Daqui até aos arredores de Ourense onde se pernoitou foi relativamente rápido em percurso descendente.

3. Ourense - Silledas, 84 Km., 2089 m. A+

A primeira tarefa foi a de retomar o caminho original uma vez que nos havíamos desviado para pernoitar na zona de Sao Cribrao. No fundo efetuamos uma triangulação por forma a minimizar a quilometragem do desvio.

Após uma passagem pelo casco antigo de Seixalbo para depois descermos para Ourense aproveitando para alterar o caminho normal tomando o parque linear do rio Barbaña até quase este se entregar ao magno Miño. A dada altura fletimos para o centro da cidade para, em plena Praza Maior, se efetuar uma pausa para café e se seguir para a imponente ponte romana que cruza o Miño e daí para os três duros quilómetros da subida do Camiño Real que, colina acima, nos permite abandonar o vale.

Uma nota especial para a ponte medieval sobre o rio Barbantiño, no fundo de mais um dos inúmeros bosques de carvalho em que este caminho é rico. A pausa foi obrigatória para se desfrutar da beleza do local.

A partir daqui chegamos rapidamente a Cea onde abordamos a Praza Mayor com a sua torre de relógio e as bicas com abundante água corrente bem fresca e cristalina. Esta é a terra do bom pão feito em tradicionais fornos de lenha.

Após Cea havia que escolher entra duas alternativas: o caminho por Pinor, mais tranquilo em termos de piso e altimetria ou o do mosteiro de Oseira, mais acidentado mas quase obrigatório pela passagem indelével pelo histórico monumento de Santa María la Real de Oseira.

A beleza do local é diretamente proporcional à dificuldade de saída do mesmo. Assim, pelo meio de um belíssimo carvalhal, para além de uma enorme pendente, o piso de lageado a impossibilitar o pedalar e a revelar-se duríssimo vencer esta dificuldade.

Passamos pois à província de Pontevedra onde passamos, uma após outra as povoações de Castro Dozón, Laxe, Prado e Taboada. Todavia, a chegada a Silleda revelou-se muito difícil em função da passagem por uma calçada romana e da transposição de um rio por uma ponte do mesmo período.

4. Silleda-Santiago, 41 Km., 1000 m. A+

Este último dia seria mais simples em função da quilometragem relativamente reduzida a que se juntaram os bons pisos.

De Silleda a Bandeira o caminho prossegue por vales agrícolas que lhe características e matizes diferentes do que até aqui.

Segue-se a enorme descida pelo vale do rio Ulla até se transpor o mesmo em Ponte Ulla, entrando na província de A Coruña e começar a interminável subida que se revelaria como a penúltima.

Descido mais um vale, já com Santiago à vista, a passagem pela zona da tragédia do comboio Alvia a merecer uma pausa demorada. A derradeira subida é efetuada já dentro da cidade e a chegada à Praza do Obradoiro com o sabor especial por ser o culminar de quatro dias muito duros a pedal num total de 280 kms. e 7245 m. de altitude positiva acumulada.

Sem comentários: