Publicado na revista "Motor Clássico" de outubro de 2015
O verão é a época das grandes voltas. O seu expoente máximo, para além do Giro italiano e da Vuelta espanhola e, já agora, da “nossa” Volta, é sem qualquer margem para dúvida o Tour francês que, no corrente ano, decorreu nas estradas gaulesas – com incursões na Holanda e Bélgica - entre os dias 4 e 26 de julho.
Podemos questionar porque é que o Tour tem esta capacidade irresistível de mover multidões e de nos prender a atenção durante o seu decurso, ano após ano. Mesmo que não sejamos ciclistas ou que não saibamos sequer equilibrar-nos em cima de uma bicicleta podemos ser contaminados pela mística e o encanto da Volta à França.
Avancemos com algumas sugestões de resposta. Sendo certo que não existe uma fórmula que sirva a todos e a tese proposta tenha mais em linha de conta a experiência subjetiva do que um mínimo divisor comum relativamente ao assunto. O Tour encanta-nos por ser tão violento e inacessível como que desenhado para semi-deuses que, no entanto, partilham a mesma massa do comum dos mortais. Somos assim levados contraditoriamente a pensar que é algo de impossível mas que não deixa de estar ao nosso alcance. Tal como nas nossas próprias aventuras velocipedicas o estoicismo atrai-nos como a forma suprema de alcançar o epicurismo, ou seja, a dureza física e psicológica extrema usada instrumentalmente para lograr a felicidade. Nisso reside a superação.
O Tour encanta-nos ainda pelo modo como se constitui numa espécie de símile vital, no qual o quotidiano se revela inesperado, exigindo a cada um uma capacidade de improvisação e de adaptação com vista à sobrevivência, primeiro, e ao sucesso, por último. Efetivamente, a leitura da estrada e dificuldades do relevo, da temperatura, do vento, da postura dos adversários (que mais não são que “compagnons de route”), da escolha da mudança adequada e de mil e uma condicionantes.
O modo como a nossa dinâmica se adapta a estas são, na sua essência, a repetição da própria vida e do dia a dia de cada um de nós.
O ciclismo constitui-se na metáfora da nossa existência e, quiçá, seja essa a razão da sua popularidade e sucesso.
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