terça-feira, 26 de junho de 2007

A "GARMIN TRANSPORTUGAL 2007" VISTA POR JORGE MANSO


Texto e foto de Jorge Manso
Mais Fotos aqui

Como amante das longas horas a pedalar, há já alguns anos e do nosso "Portugal
profundo", desde a infância, ao ver surgir a SuperTravessia fiquei logo com o
"bichinho" de participar.

Enquanto que, primeiramente, não me via fisicamente capaz de participar, depois
passei a não me ver com disponibilidade para participar, até que, em 2006, tomei a
decisão de arranjar esse tempo que não tinha. Infelizmente em Janeiro tive um
acidente viário que impossibilitou a minha conveniente preparação.

Sendo assim, em finais de 2006, a ideia estava ainda mais forte e logo no final de
Dezembro decido marcar uma data de inicio, neste caso o clássico Tróia-Sagres
como data oficial e partir da qual me auto-responsabilizaria por estar em
condições de aguentar a aventura de Junho.

A ideia de fazer 1000km em 8 dias sempre me pareceu algo assustadora, como tal
tive de alterar bastante a minha vida pessoal e profissional para possibilitar
um aumento de kms. brutal, digo-vos só que, nos seis meses de preparação para a "Super",
fiz o dobro dos kms. do ano de 2006 inteiro...

Como não sou rapaz de fazer exercicio em espaços fechados e em virtude de alguma
variabilidade no meu horário laboral, a minha preocupação central foi andar muito de
bicicleta e tentar andar, ora muitas horas, ora menos horas, mas a um ritmo mais
forçado. A possibilidade de ir a maratonas aumentar o ritmo foi reduzida pela
dita variabiliadade de horário, apesar de ainda ter conseguido ir a 2 (Alvalade
e Mafra), mas já muito perto da "hora H".

Felizmente tive também a oportunidade de participar no magnifico evento da
FPCUB, o Tróia-Algarve, num fim de semana que serviu ao mesmo tempo para tirar
conclusões do progresso do treino (andei sempre a fundo) e para aproveitar 2
dias de excelente convivio. E partilhar alguns treinos com o Luis Gomes e
Ricardo Melo, que muitas e boas dicas me deram.

E assim de Janeiro até Maio o tempo voou. Agora quando Junho chegou, o caso
mudou de figura e os dias começaram a passar bem devagar. A ânsia de que
chegasse o dia aumentava exponencialmente...

Dia 0 - a chegada

Chegado finalmente o grande dia, 9 de Junho, é hora de rumar ao norte. Uma
viagem bem longa e que foi feita já com a ideia nos dias seguintes, com o
assunto comum a ser o que nos aguardava.

Chagada a Bragança e após algumas buscas lá encontramos o hotel, a grande
maioria dos participantes já por lá andavam, estando na altura em grande azáfama
na retirada das bicicletas das caixas e montagem das ditas. Dá-se uma vista de
olhos às montadas dos participantes e algumas saltam à vista, a pequena e bela
FRM da Sónia Lopes, uma FS laranja de tamanho XXL de um americano e acima destas
a SS "kitada" para 3S (trpile speed) do americano Tom Letsinger.

Quando interpelado acerca da estranheza da sua máquina, admite que a criou
propositadamente para este evento, um quadro de carbono e aço nas uniões, com o
manipulo das mudanças na escora traseira, bem perto do selim, desviador "Campy"
Record, discos accionados por cabo e forqueta rigida de carbono. Diz que o
manipulo está ali por simplicidade (menos cabo e bicha) e para não ser usado
muitas vezes. Uns dias mais tarde diz que prefere as forquetas rigidas por achar
que lhe permitem por a roda exactamente onde quer, sem variações de geometria
causadas pela absorção das irregularidades (e sim, ele experimentou suspensões).
Muitos dos portugueses comentavam que no dia seguinte é ele se iria ver grego e
que dificilmente chegaria ao fim.

Tempo de recolher o dorsal, carregar o GPS e um briefing inicial para explicar a
filosofia do evento, bem como toda a equipa de apoio. Depois jantar e caminha,
que amanhã temos de nos levantar cedo.

Dia 1 - Bragança a Freixo de Espada à Cinta (a apreensão)

Desde cedo pintado no site e pelo briefing do dia anterior como o dia mais duro
da TransPortugal, a decisão foi de atacar o dia com muita tranquilidade, de modo
a não sofrer as consequências nos dias seguintes. Seria uma etapa sem grande
subidas mas com muitas subidas...

A azáfama começa logo no pequeno almoço, com muita gente presente, pois além de
toda a comitiva do TransPortugal, estavam também várias equipas de futebol de
escalões jovens, era o ver se te havias, com as cadeiras desaparecerem
frequentemente e a comida a desparecer rapidamente. Felizmente que a reposição
existia e acabou por não ficar ninguém com fome.

À partida estava já em acção o sistema de handicaps, com os primeiros atletas já
bem adiantados na etapa há hora da mimha partida, por falta de prática de alguns,
houve vários que se atasaram um pouco no seu arranque... Felizmente eu e o
Cláudio nunca tivemos esse problema, pois não tinhamos handicap, significando
que arrancariamos sempre no último grupo, à hora certa.

Neste dia acabamos por ususfruir bastante da companhia do Tom, a revelar que
sabia bem aproveitar as potencialidades da sua montada, deixando-nos com
frequência para trás nas descidas.

Oportunidade também para ajudar o Luis Gomes, assolado pelos furos em todo o
evento e sendo neste dia o seu 3º, já estava algo perturbado pelo facto, sendo
que eu forneci a câmara, o Cláudio a mão de obra e o Ricardo Lanceiro o CO2.

Após uma grande secção de rectas fui-me algo abaixo e fizemos uma pequena
paragem para comer um gel e repousar, que me fez maravilhas. Logo a seguir
subimos uma calçada cuja maioiria se fez a pé, mas foi o sinal de uma secção
mais divertida, apenas ensombrecida pelo inicio da chuva, que nos fez desanimar
um pouco, pois arrefecemos bastante... Pouco após o último CP fazemos uma curva
à direita e temos à nossa frente uma esplendorosa paisagem do Douro
Internacional, realmente de tirar o folêgo, caso ainda o tivessemos.

O lado bom é que já cheirava a Freixo... Com o Douro tão perto não podia faltar
muito, mas só nos últmos 800m é que se vislumbra a vila, sendo que os últimos
300 são feitos a subir pela calçada.

VITÓRIA, chegamos ao Freixo com 9h11m a pedalar, bem cansados mas satisfeitos.
Recebidos pela tenda do "repasto" que atacámos em grande e pelos vários colegas
pedalantes que ainda por lá se encontravam, alguns na massagem, outros a repor
os gastos do dia, outros a tentar perceber onde iriam ficar, pois neste dia
ficamos repartidos por 3 alojamentos.

Por nossa sorte eu e o Cláudio ficamos no Freixo, a repartir um quarto com o
Adriano Alves, um ciclista muito bem disposto. Um bom jantar e briefing feito
algo à pressa, pois o dia para a organização também foi dificil e ainda não
tinha acabado.

Dia 2 - Freixo a Alfaiates (agora é que vai ser)

Prevista que estava uma etapa mais fácil, com uma longa zona de subida inicial e
muito mais rápida a partir de Castelo Rodrigo achámos que hoje já podiamos andar
algo mais depressa e sem preocupações.

E assim foi, após uma pequena subida e descida chegamos à magnifica passagem da
ponte medieval antes de Barca d'Alva, em que raros foram os que desceram a sua
totalidade sem por os pés no chão. Ligação até Barca d'Alva por alcatrão e toca
a subir. Aqui marcamos um ritmo forte e acabamos por ir deixando gente para
trás, na zona final da subida chegamos mesmo a apanhar o Nuno Gomes, que
depressa desperta da sua letargia e em Castelo Rodrigo já está fora de vista,
reabasteceimento e entramos na zona dos roladores, várias dezenas de km em que
tenho de me proteger na roda do Cláudio e do Adriano, que encontramos mesmo em
Castelo Rodrigo. Mais à frente fica para trás o Adriano e ganhamos a companhia
do George (o único Sul-Africano presente) e do Martin (o dito da bicla XXL),
sempre a rolar a bom ritmo chegamos mesmo a passar a Carol e apanhar a Sónia
Lopes e a Hillary Harrison separadas por uma pequena distânica, após uma etapa
em que devem ter lutado até ao limite das suas
forças, a Sónia segue com o Cláudio e na confusão do grupo de 6 fico para trás
como os restantes, Hillary ainda tenta seguir com eles mas o cansaço é tal que
apresenta alguma descoordenação motora, facto que me impressiona bastante e me
leva a dizer para ter calma, pois ainda tem mais 6 dias para pedalar.

A chegada Alfaiates é feita nas traseiras do hotel, com o espaço de convivio a
ser bem aproveitado, com as massagens e tenda da comida bem perto, acabou por
ser o dia em que se conviveu mais (também ajudado pelo facto de termos acabado
relativamente cedo).

Neste dia fizemos uns magnificos 15º e 16º tempos, com 6h03m a pedalar. Na
classificação geral pouca alteração tivemos.


Dia 3 - Alfaiates a Ladoeiro (dia de serrar os dentes)

Após o esforço do dia anterior esperava-nos um dia mais variado, com a
ondulante passagem na Serra da Malcata, seguida de uma zona de ligação rápida, 2
subidas (Serra do Ramiro e Monsanto) e novamente mais rápido no final.

Desde cedo neste dia que as coisas começaram a ficar feias, com o Cláudio a
ressentir-se bastante do nosso esforço da anterior etapa, nomeadamente com
fortes dores ao nível dos joelhos que o impediam de andar mais rápido e muitas
vezes o fizeram duvidar se conseguiria acabar a TransPortugal.

Pela minha parte desfrutei da zona da Serra da Malcata, com um piso muito
pedregoso, ao meu gosto, mas que me começou a dar algumas dores nos pés,
resultado da minha fraca habituação aos meus novos sapatos.

Paragem para comer uma sandes trazida do hotel num dos miradouros de Monsanto e
o Cláudio recupera um pouco, mesmo a tempo de andar aos saltos pelas predas da
calçada de saida de Monsanto, que fez a ligação até Idanha-a-Velha.

Após Idanha-a-Velha em teoria seria percurso mais rolante, mas ainda nos
deparemos com alguma subidas, que começam já a fazer mossa nos meus joelhos,
para além dos do Cláudio, cruzamo-nos com o Cal (facto que nos deixa muito
surpresos) que está a passar um mau dia, mas diz-nos não precisar de nada.

Ao cruzar o último CP numa zona relativamente plana o Luis diz-nos que a Sónia
Lopes havia acabado de cair mesmo ali em frente. Ia na roda de outro
participante e numa pequena variação de ritmo tocou nesta, acabando por ser
projectada. Nesta altura já estava na sombra com apoio e eu e o Cláudio apenas
no restringimos ao apoio moral e um limpeza nas feridas, a Sónia com uma
expressão de dor óbvia, mas ao que parece ainda havia tentado montar-se na
bicicleta, sem sucesso. Após a rápida chegada do António Malvar fica a ser
assistida por este enquanto espera pela ambulância e nós os 3 tratamos de acabar
a etapa. No entretanto já havia passado o Cal e alguns estrangeiros.

Até à chegada ao Ladoeiro etapa sem história, no hotel de chegada novamente uma
bela zona de meta a favorecer o bom ambiente e o convivio entre todos. O Cláudio
ataca desde cedo cedo no gelo para ver se o joelho se compõe. Ao fim do dia foi
anti-inflamatório no joelho para ambos (obrigado Luis e João).

Viemos a saber mais tarde que a Sónia tinha o pulso partido e a clavicula
rachada (que grande queda), mas só no dia seguinte retomaria a caravana pois
teria de ficar em observação durante a noite.

Dia 4 - Ladoeiro a Castelo de Vide (o tira-teimas)

Neste dia esperava-nos mais um dos dias "curtos" com apenas 108km para
percorrer. Com medo que se repetisse o dia anterior adoptamos uma toada sem
excessos, particularmente por causa de uma comprida zona rolante inicial até à
saída da margem do rio Pônsul, a partir da qual o relevo se alteraria.
Alguns dos outros participantes já tinham algumas mazelas da viagem, com o
Jaime a ter de fazer uma pausa para dar algum repouso ao seu ,já muito
maltratado, e outro participante a ter de fazer várias paragens para reforçar a
camada de creme protector (a certo ponto já nem punha as alças do calção) ao
longo da etapa.

Cedo ganhamos a companhia do George, que também ia num dia mais descontraido,
dizia que não conseguia entrar no seu ritmo. Paragem num café para o 1º
abastecimento e entramos no ritmo da aldeia, nada de pressas e para fazer uma
sandes para a George foi no minimo uns 15min. Mas nada de stress, que para isso
já chega o emprego... Muitos passaram entretanto, todos dando um ar sua graça.

Sempre num ligeiro sobe e desce seguimos até às portas do Tejo, local onde
nunca me lembro de passar, mas que o George aproveitou para a fotozinha da
praxe. Eu e o Cláudio segiumos nas calmas a aproveitar o trilho paralelo ao
Tejo, em breve o George tornaria a apanhar-nos.

Seguindo em sobe e desce somos apanhados por vários "monstros" do ciclismo
numa subida de alcatrão. Ainda os encorajamos um pouco com as habituais "a tope,
a tope" que tanto se houvem nas grandes voltas. E por algum tempo lá vamos em
amena cavaqueira.

Chegados a uma zona de eucaliptal onde o António Malvar nos tinha avisado no
anterior briefing de um cruzamento à esquerda, pouco visivel, mas bem sinalizado
no GPS e não é que acabamos por nos enganar de qualquer modo... Chamo pelo
George e volto para trás enquanto que ele decide atalhar pelo meio dos
eucaliptos.

Nesta parte surge para mim um dos eventos curiosos da TransPortugal. Numa
secção em que haviam alguns regos resultantes do trânsito de jipes (também tinha
sido avisado no dia anterior) vejo uma lebre e com a distracção acabo por "tirar
o brevet". Resultado um toráx maltratado e um braço arranhado, o que mais me
doía era o queixo, mas aí nada de visivel... O facto curioso foi que ao começar
a levantar-me dou conta de uma pala de capacete e uma barra energética no chão.
Alguém havia caido exactamente no mesmo sitio que eu. No final da etapa soubemos
que tinha sido a Filomena, mas que naquele eucaliptal também havia caido o
Adriano. Aquela lebre andava a fazer das suas...

Percurso ondulante até Castelo de Vide e damos de caras com os primeiros
portões, em jeito de aquecimento para o dia seguinte. E a cereja em cima bolo
foi a subida em calçada até ao centro de Castelo de Vide, com alguma técnica à
mistura, mas nada de transcendente, acabamos por fazê-la toda em cima das nossas
montadas.

Dia de 6h37 a pedalar, sem mexidas na geral.

Dia 5 - Castelo de Vide a Monsaraz (o dia dos duros)

Este dia desde logo se esperava como longo, mas de acordo com o briefing do
dia anterior, a partir do km 30 seria bastante rolante e rápido, isto é, se o
tempo não fizesse das suas.

Este tornou-se para mim o dia mais duro da TransPortugal. Um dia de autêntico
inverno com chuva forte e muito vento deixou-nos a todos muito apreensivos
quanto à etapa e com o ânimo algo em baixo. A partida era feita da porta do
hotel, pelo que o hall de entrada estava cheio de atletas à espera da sua hora
de partida, de modo a arrancar o mais seco possivel (não é que durasse muito mas
lá nos iamos convencendo). Alguns atletas optaram mesmo por nem arrancar, tal o
cenário com que se depararam.

Logo ao arranque os tipicos problemas do mau tempo, o GPS não queria captar
sinal... Após alguns minutos a passo de caracol com o vassourinha já na minha
cola ele começa a receber e atacamos logo uma bela calçada a subir, bem
escorregadia. Pé no chão e toca de empurrar por ali acima. Depois da subida veio
uma bela descida também em calçada, só era pena estar "barrada" com muita
manteiga. Cuidados redobrados pela minha parte e uns sustos para o Cláudio,
cujos travões não estavam a colaborar nada. O Adriano volta a cair e já com
algumas costelas a dar sinal da queda do dia anterior, agora foi a vez da
hemiface esquerda.

Toda a secção da serra de São Mamede é feita sob metereologia inclemente, com
chuva e vento forte, um ritmo muito lento e vários concorrentes com os GPS's a
dar de si. O Ricardo Lanceiro acaba por aproveitar a nossa companhia pois foi um
dos afectados com água dentro do aparelho.

À saída de Alegrete há algumas melhorias de tempo com chuva (em vez de chuva
forte) e menos vento, finalmente deixei de sentir frio. O terreno também se
tornou menos acidentado, mas tinhamos lama q.b. para dificultar a coisa.

Acabamos por ir num ritmo calmo mas certo e com a chegada dos portões vai-se
formando um grupo que chega a ter 7 elementos (eu, Cláudio, João Mesquita, Luis
Baptista, Ricardo Lanceiro, Filomena, Sven), perdeu 3 (Filomena, João e Luis)
elementos ao subirmos de ritmo mas acabamos por apanhar outros 2, Hillary e
Oscar, a primeira com problemas no seu travão traseiro (também eu os sentia mas
já tinha pura e simplesmente deixado de usá-lo). Começava também a sentir alguma
imprecisão nas mudanças.

Com alguns km de alcatrão (nunca me souberam tão bem) e a companhia do João
Pedro Pina melhora o ânimo e o ritmo e damos por nós bem lançados, altura também
do Agnelo nos apanhar numas belas fotos de grupo.

Na secção final de "portuguese flat" ainda temos direito a uma empinadas mas
curtas rampas para estragar o que já vai mal e a Hillary farta-se do ritmo e
vai-se embora ao fazermos uma paragem para regar as oliveiras e pôr óleo nas
correntes.

Estradão final de pedra solta com Monsaraz à vista, felizmente que aqui já
tinhamos algum Sol. Com tanta pedra lá há uma que me fura o pneu traseiro,
tentativa de repor pressão e aproveitar o Magic Seal sem sucesso e lá tenho de
recorrer à câmara. Nesta altura é o Sven que não pára e ficamos os 4 tugas. Até
à subida de calçada para Monsaraz vamos em grupo, com avistamento do Mário e do
Roque ao chegar ao convento da Orada, que estão novamente à nossa espera na
capela em Monsaraz, ao finalizar a subida.

Foi um dia bem duro, particularmente a nível psicológico, para as mecânicas (o
José Carlos só se deitou cerca das 2h30) e para os GPS's, com muitos a terem
problemas com eles. Fruto da dureza do dia vários decidem abandonar a etapa e
nós subimos alguns lugares ao resistir a essa tentação. Foi um total de 10h05m a
pedalar (o dia mais longo). Mais o trabalho de casa, em forma de trocar pneu
traseiro e pôr nhanha, mudar pastilhas de travão e mudar o cabo das mudanças
traseiras. Neste dia não houveram alongamentos, nem banho de água fria nem nada.
Foi chegar, duchar, comer, reparar, dormir...

Dia 6 - Monsaraz a Albernoa (dia rolante, dizem eles)

Esta etapa afigurava-se como uma da mais fáceis da TransPortugal. Um dia com
138km de trilhos rolantes à moda portuguesa, ou seja, ondulantes. Logo a iniciar
com 20 em alcatrão.

Este dia deixava-me algo apreensivo. Leve como sou nestas rectas geralmente
ressinto-me muito e acabo por apenas conseguir ir na roda de alguém (neste caso
do Cláudio) e mesmo assim com algum sofrimento à mistura. Estava na esperança
que com isto em vista se juntasse um grupo grande na secção inicial de alcatrão,
mas o sistema de partidas com handicap e a vontade de andar depressa de muitos
fez com que à frente se formasse um grupo razoável, mas os restantes de nós se
juntassem apenas em pequenos grupos, no nosso caso de 4 elementos (Cláudio e eu
mais 2 ingleses), que se desfez à saida do primeiro troço de terra, ao pararmos
para tentar ajudar o João Marinho no seu 1º furo do dia (haveria de se revelar
um dia negro para ele).

Apanhamos alguns portões, por sinal bem menos do que no dia anterior e desde
cedo que as mudanças traseiras voltam ao mesmo do dia anterior, teimosas que nem
umas mulas. Com umas chuvadas pelo meio apanhamos o António e o Óscar e seguimos
em grupo até a 30km do final onde deixo pura e simplesmente de ter mudanças
traseiras, a porcaria na bicha era tal que o cabo nem corria. Resultado, tive de
optar por uma mudança polivalente (no meu caso a 4º) e mudar apenas as
pedaleiras. Foi o triple speed (3S) á moda do Jorge Manso. O Óscar e o António
seguiram a sua viagem e o Cláudio ficou agarrado comigo. Tempo ainda de ao
chegar perto de Albernoa, onde a organização nos faz atalhar por alcatrão até ao
hotel, de modo a evitar uma zona de barro, de apanhar o George, que com o
Cláudio me arrastam pela recta sem passar dos 25km/h, a velocidade máxima a que
conseguia chegar com a minha combinação "talega"x4. Não sem algum esforço
perceptivel pela foto da nossa chegada.

Hoje lá teria novamente trabalho, mas desta vez seria para fazer tudo como
deve ser com mudança de bichas e cabo. Felizmente que hoje foram "apenas"
7h38m a pedalar. Fruto dos azares mecânicos fazemos uma classificação abaixo da
média, mas sem reflexo na geral.

Dia 7 - Albernoa a Monchique (passagem ao reino do Al-Garb)

Neste dia a etapa seria bastante variada, com opções para todos os gostos. Uma
secção inicial de 50km de "portuguese flat" terminada com 2 subidas
consecutivas, uma zona de terreno acidentado, os contrafortes da serrania
algarvia e a cereja em cima do bolo, as subidas na serrania algarvia
propriamente dita. Logo no briefing somos largamente avisados da primeira das
subidas em serra, à Portela da Brejeira, a única a ser feita em terra.

O dia começa na hora do costume para as etapas "fáceis", 10h. O inicio terá de
nos levar por uma zona onde há possiblidade de barro, mas acabou por não ser
assim e ainda bem. Hoje já tinha as mudanças todas a funcionar, seria só mesmo
questão de pernas.

Com a dita zona bastante rolante e ao partirmos no grupo de atletas mais
numeroso (o grupo sem handicap) acabamos por imprimir um ritmo rápido e vamos
alcançado atletas que haviam arrancado antes de nós indo estes engrossando o
grupo, a certa altura penso que teremos sido perto de 20. O ritmo é alto mas o
grupo algo desorganizado nas secções de BTT, a certa altura passamos o Dominic
furado, hoje seria o seu dia dos azares, tendo perdido muito tempo nessa
reparação. Vários dos estranjeiros do grupo abrandam para tentar ajudar e o
grupo reduz-se a cerca da dezena, maioriariamente portugas, mais a Carol e o
Sven que apanhamos pouco à frente nos primeiros portões.

Logo no primeiro portão ainda apanhamos um susto com o João Oliveira a quase
fazer uma pega às avessas ao enfiar o "corno" da sua montada na perna do Cláudio
pois ia distraido e não esperava uma paragem tão súbita (ao que parece ainda fez
uma bela égua agarrado aos travões). Felizmente não houve consequências para o
Cláudio com excepção da forte dor no momento. Viemos a saber mais tarde pela
Hillary que ao seguir o grupo da frente, também de cerca de 10 elementos perto
de um destes portões ela súbitamente e sem razão aparente dá-se conta de várias
pernas pelo ar e uma paragem repentina. Tinha sido o Ricardo Melo e outro
companheiro que tinham atingido um portão em cheio, usando o arame à moda de
rede de travagem (tal não é a velocidade a que estes meninos andam). Por acaso
passámos por um portão bem frouxo, mas se foi esse o atingido nunca virei a
saber...

Ao chegar à aldeia das Amoreiras parte do grupo decide parar para reabastecer e
seguimos eu, Cláudio, Óscar, Paulo, Carol e Sven. Na primeira e menos inclinada
(mas bem mais longa) subida descolam a Carol e o Sven e por fim o Óscar. Na 2º
subida, nesta tendo de se recorrer à "talega pequenina" passa por nós um foguete
belga. Era o Dominic que subia a um passo infernal tentando recuperar algum do
tempo perdido no inicio do dia.

Chegados a Corte Brique paramos na primeira tasca à vista para a nossa
tradicional sandes, servida num fresquinho pão alentejano, de chorar por mais, e
uma coca-cola. Aproveitando também para reabastecer o "camelo". O Paulo só
reabastece de água, retomando a sua etapa rapidamente.

Apanhados que somos pela Carol e o Sven que também tinham aproveitado para
reencher da água seguimos um pouco com eles. Pouco mais à frente apanhamos
novamente o George, que como de costume se junta a nós, que andar muito tempo
sozinho deve tornar-se maçador. A Carol já havia feito uma paragem e o Sven no
primeiro declive passa a seguir no seu passo, um pouco mais lento.

Cruzamos Santa Clara e o rio e ao atravessarmos uma feira onde havia uma
tasquinha havia no ar um cheiro fenomenal. Se calhar deviamos era ter parado
aqui comentámos entre nós. Ao chegarmos perto de Viradouro o George apercebesse
que já tem pouca água e fica para trás a tentar pedir água a alguns locais, mas
sem sucesso. Nós esperamos numa sombra mais à frente.

Em conversa com ele após o cruzamento de uma ribeira pela enézima vez
apercebemo-nos que ele afinal já está mesmo sem água, partilho um pouco da minha
e decidimos parar na primeira casa para pedir reabastecimento. Pouco mais à
frente apanhamos um senhor a descascar batatas na porta da sua casa e
pedimos-lhe um pouco de água. E ele na sua boa fé diz "Vou já buscar um copo."
Mas nós queremos mais do que isso, ele generosamente cede a sua torneira
enchendo nós os cantis. Em conversa com o senhor lá lhe dizemos que não
conhecemos os caminhos mas temos uns aparelhos que nos orientam por satélite,
não parece muito convencido...

Finalmente ao km 106 aparece a famigerada subida à Portela da Brejeira,
considerada como a subida mais dura do TransPortugal. Algo apreensivos quanto à
sua dureza vamos à espera do monento em que teremos de por o pé no chão, quando
chegamos ao final sempre a pedalar estamos satisfeitos e acima de tudo
aliviados. Afinal o monstro era só um monstrinho. Descida por terra bem rápida
ainda com direito a alguns sustos pelo meio e entramos em alcatrão. Segundo o
briefing de ontem estes últimos 20km seriam em alcatrão, mais fácil pensávamos
nós.

A realidade é que este alcatrão levou a que o Cláudio, finalmente sentindo-se
bem, optasse por apertar o ritmo, o que veio a tornar esta secção a mais dura
para mim em toda a etapa. As subidas de alcatrão sucediam-se e sempre bem
inclinadas, mas um piso tão bom só pedia era um pouco mais de esforço para
chegar só até ali à frente, onde a subida terminaria. O problema é que as
subidas estavam a começar a parecer que não iriam acabar. A tal ponto subimos
que de um dia ameno e nublado passamos a andar entre as nuvens, em más condições
de visibilidade e com o GPS a trabalhar ao ralenti. De repente numa zona plana
damos conta que não estamos no track... Mas não era sempre em alcatrão? Ruela
para aqui, ruela para ali e afinal ainda havia algum BTT para fazer, mas
finalmente estavamos a descer, só podia ser bom sinal.

Com a navegação algo dificultada pela má recepção dos aparelhos e má
visibilidade ainda nos enganamos algumas vezes mas conseguimos chegar a bom
porto. Ainda bem que iamos os 2.

Reusltado 19º e 20º lugares, classificações que nada alteram à geral, mas um dia
em que acabamos satisfeitos pois a zona final foi feita sempre a abrir, facto
que nos saiu do pêlo, mas deu muito gozo (ambos gostamos de subir). O George
havia ficado no inicio da subida de alcatrão pois os seus joelhos não estavam em
condição de nos acompanhar. E acabamos por ganhar 38min ao 21º classificado,
ficando a 1h deste, bem como a 1h13 do Ricardo Lanceiro, o 18º classificado. A
próxima etapa não nos traria qualquer stress.


Dia 8 - Monchique a Sagres (a festa)

Neste dia esperavam-nos apenas 95km, mas como tal a hora de fecho do controlo de
chegada seria mais cedo. A etapa tinha 2 fases uma primeira de acesso entre a
serra e a costa que se revelou mais rápida e a segunda sempre ao longo da costa
com alguma passagens bem técnicas e várias rampas inclinadas de saída das
praias. Com algumas posições seguras apenas por margens de minutos muitos sairam
neste dia a querer defender ou atacar a classificação, o que levou a que não se
formassem grandes grupos.

Na primeira metade depressa perdemos o João Oliveira e o Ricardo Lanceiro, num
dia de ataque, e acabariamos por apanhar o Óscar que tentava defender-se de um
"ataque" do 22º classificado que teria de recuperar nada menos que 20min. A
etapa acabou então por ser feita com um ritmo vivo, na tentativa de apanhar o
Sven, facto que ocorreria ao apanharmos também o mar, na Carrapateira.

Mudando então o percurso radicalmente e adaptando-se melhor às nossas
caracteristicas o Sven acaba por ficar para trás às primeiras subidas, não sem
entretanto ter uma queda sem consequências numa descida bem inclinada, feita com
o pneu traseiro bem colado aos calções. Até ao final temos ainda direito a um
singletrack com uma paisagem esplendorosa mas mal aproveitada por nós na praia
da Cordama, desta vez o contemplado com o susto foi o Óscar e ao acabarmos essa
subida avista-se Sagres, bem lá ao fundo.

Zona maioritariamente plana até Sagres, rola-se em grupo até ao final a bom
ritmo. A vista da meta dá-me novo alento. Ao chegarmos à vila de Sagres sinto-me
cansado mas extremamente feliz. Realizei o meu sonho, eu fiz a Supertravessia.

Chegamos à areia e somos recebidos em ambiente de festa, com a tenda do reforço
alimentar bem recheada, como de costume, mas desta vez até cervejas frescas
estavam disponíveis...

Fui tomar um banho ao mar e diga-se de passagem que até hoje nenhum me sou tão
bem. Soube a vitória. Mais tarde ainda tomo outro em conjunto com o Cláudio e
por fim o da consagração com todos os atletas em conjunto.

Depois de nós foi a vez de vários membros da organização, também eles no final
de 8 dias bem cansativos. E, graças ao Peter e ao Ricardo Lanceiro, pela
primeira vez em 5 anos, foi dia de o António Malvar ir ao banho. Penso que
apesar de ele dizer que não queria e ainda tentar a fuga, lá no fundo ele estava
mortinho por ir à água...


Conclusão

Como diria o Luis Silva (aka Ludos), ESPECTACULAR.

Foi uma semana muito intensa e cheia de grandes emoções, um convivio excelente,
paisagens maravilhosas e percursos à António Malvar (que é muito bom).

Uma semana que me deixou cheio de vontade de repetir algo do género (não sei se
a mesma ou se noutro lado) e que valeu muito mais que o dinheiro que gastei
nela, bem como os 6 meses de preparação.

No final só posso dizer. Obrigado Ciclonatur. A todos vós da organização, que
tanto de vós puseram nestes 8 dias os meus parabéns por fazerem deles o que
foram.

E parabéns a todos nós que acabamos a Transportugal com mais ou menos etapas, em
mais ou menos tempo, com mais ou menos sofrimento. Só espero que aqueles que não
as tenham terminado todas tenham ficado com o bichinho tal como eu, mas que
treinem mais para o ano, para as fazerem todas.

J Manso

1 comentário:

iMarbles disse...

Exelente report Jorge, e parabéns pelo feito.
Tenho planos para fazer algo semelhante, mas em autonomia este ano, vamos a ver como "rola" a logística e os treinos.

Abraços

David Santos