quarta-feira, 5 de novembro de 2008

VII CONGRESSO IBÉRICO “A BICICLETA E A CIDADE” EM PROL DA EMANCIPAÇÃO DA BICICLETA


Realizou-se em Vilamoura, nos passados dias 1 e 2 de Novembro, a Sétima Edição do Congresso Ibérico “A Bicicleta e a Cidade”.

Foi a vez de Portugal e do Algarve receberem este evento e a primeira nota é, precisamente, para destacar a hospitalidade com que o município de Loulé e a freguesia de Quarteira, em particular, souberam receber os participantes portugueses e espanhóis.

Estes congressos são organizados bienalmente, alternadamente num e noutro lado da fronteira, procurando trocar experiências, apontar boas práticas e definir estratégias comuns para a promoção da bicicleta numa perspectiva de promoção deste meio de mobilidade suave em ambos os estados ibéricos.

Na verdade passaram quase uma quinzena de anos desde a realização do primeiro Congresso Ibérico dedicado ao tema da Bicicleta e a Cidade e que teve lugar em Lisboa em 1996, promovido pela Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta (FPCUB) e pela Coordinadora en Defensa de la Bici (ConBici). Ambas as instituições agem, nos respectivos países, como lobbistas da causa velocipédica.

A primeira constatação, ao jeito de conclusão, é que se reconhece uma evolução da situação da bicicleta em ambos os países, com maior ênfase em Espanha e que a bicicleta voltou a ocupar o seu lugar nas políticas e nas cidades embora, realisticamente se entenda que ainda há muito para fazer. Contudo existem, já hoje, muitos e bons exemplos de criação de infraestruturas propiciadoras da utilização da bicicleta, soluções de parqueamento, de transporte de velocípedes nos transportes colectivos de passageiros, etc.

Das intervenções produzidas, todas elas de enorme interesse, gostaríamos de salientar algumas.

O DIREITO À ACESSIBILIDADE


José Limão que referiu que o direito à acessibilidade deve ser reconhecido, em cada país, através das formas mais adequadas sugerindo mesmo a sua inscrição no texto constitucional como um direito dos cidadãos a par com a educação, a saúde ou a justiça já que o direito de acessibilidade se revela, hoje, tão vital à liberdade individual e colectiva, como os já constitucionalmente consagrados.

As formas de mobilidade suave, como é o caso da deslocação em bicicleta, fazem parte deste novo paradigma e devem ser integradas nas políticas e sistemas de transportes tal como já acontece hoje em alguns países do norte da Europa onde é encarada como um veículo imprescindível à mobilidade.

NECESSIDADE DE ALTERAÇÃO DO CÓDIGO DA ESTRADA PORTUGUÊS


As intervenções de Pedro Roque da FPCUB (também autor destas linhas) e de Mário Alves, engenheiro especialista em transportes, coincidiram na necessidade gritante de alteração do Código da Estrada (CE) português com o intuito de que o mesmo, no que aos modos suaves de mobilidade, em geral, e à bicicleta, em particular diz respeito possa ser convergente com as legislações congéneres dos outros estados-membro da UE. Apontou-se até, o caso do CE espanhol, país com o qual as afinidades culturais são mais que óbvias, como um exemplo a seguir nesse caminho urgente de revisão, tendo sido anunciado a iniciativa de promoção de uma petição à Assembleia da República nesse sentido, promovida pela FPCUB.

É entendido que o CE deve seguir novo paradigma que aponte no sentido da legislação hierarquizar a protecção dos utentes da via pública de acordo com o seu grau de fragilidade: peões, bicicletas, motociclos, automóveis ligeiros e pesados.

Apontou-se, também, para a necessidade de promoção da mobilidade em bicicleta, por parte dos poderes públicos, assegurando as condições legais e infraestruturais para esse desiderato de mobilidade garantindo a segurança daqueles que optarem pelas formas de mobilidade suave. São exemplos de boas práticas internacionais a serem implementadas em Portugal a redução da velocidade do automóveis pela aplicação de diversas medidas de acalmia de tráfego como sejam a fiscalização da obrigatoriedade do cumprimento rigoroso dos limites de velocidade, a criação de zonas 30 nos centros urbanos e de zonas de partilha de circulação.

BALANÇO DOS CONGRESSOS IBÉRICOS E REALIDADE ACTUAL DO CICLISMO URBANO EM ESPANHA

Joaquín Vilas, em representação da associação La Coruña en Bici, efectuou um paralelo entre as diferentes edições do Congresso Ibérico e a evolução do ciclismo urbano em Espanha. Apontou como soluções que conduzam à evolução da mobilidade em bicicleta, seja em Espanha, seja em Portugal, os sistemas de bicicletas de utilização pública situados em pontos estratégicos das cidades (interfaces de transportes, junto a parques de estacionamento dissuasores, por exemplo) com os objectivos do uso eficiente do espaço público e como forma de intermodalidade e economia de tempo, de espaço e de custos. Apontou como exemplos a seguir os sistemas de Gijón, Barcelona, Sevilha, Vitória, ou Barcelona.

A acalmia de tráfego deve ser prioritária evitando-se, sempre que possível a segregação dos utilizadores de bicicleta. Estes devem circular em faixas cicláveis e em zonas 30 onde deve haver lugar à circulação partilhada. A implementação de ciclovias (segregação) deve ser feita apenas onde não for possível reduzir a velocidade de circulação dos veículos. É mais fácil e mais barato reduzir a velocidade dos veículos em circulação até níveis em que a partilha com as bicicletas seja segura do que investir em ciclovias.

Referiu que, em Espanha, há mais de 1700 km de antigos traçados ferroviários convertidos em Vias Verdes, para peões e ciclistas que serão acrescentados em mais quilómetros (Ecovias da REFER, em Portugal). Além disso existem os Caminhos de Santiago com 2.000 km de vias percorridas por peregrinos a pé e ciclo-peregrinos, sem tráfego automóvel. Ainda não adaptados existem também os chamados caminhos da transumância, bem como os caminhos de sirga dos canais fluviais uns e outros que também se pensam adaptar para ciclistas.

No referente à relação entre a bicicleta e o transporte colectivo reconhecem-se nas duas nações ibéricas claros avanços em relação ao transporte das bicicletas no metropolitano, tram-train e comboios, especialmente nos subúrbios das cidades. No entanto há problemas nos comboios de longa distância pelo que se exige que também a esse nível passe a ser autorizado e facilitado o transporte da bicicleta.

É urgente resolver as falhas na sinalização em rotas frequentadas por ciclistas, sobretudo aos fins de semana, avisando os automobilistas de que se podem encontrar com um grupo de ciclistas em circulação.

Os utilizadores de bicicleta estão preocupados com as repercussões da tendência em toda a Europa de obrigatoriedade da iluminação de veículos automóveis durante todas as horas do dia. Os ciclistas sairão prejudicados porque acabam por ficar mais desprotegidos dado que mesmo que circulem com luzes acesas nas bicicletas a sua intensidade é menor e ficarão menos visíveis no meio do trânsito.

Os municípios deveriam instituir, por norma, que sempre que haja uma obra devem aproveitar para deixar espaço ou fazer alterações que beneficiem a utilização da bicicleta ou que pelo menos não a compliquem, como a questão da colocação de sarjetas, colocação de postes de iluminação e sinalização vertical que roubam espaço e visibilidade à circulação, etc.

Em relação ao estacionamento a questão continua a ser a mesma. Escolhem-se, por vezes, modelos inúteis e inseguros (que prendem a bicicleta apenas por uma roda e viabilizam o seu roubo) simplesmente porque quem projecta e implementa não tem a visão do utilizador de bicicleta nem da realidade.

Idealmente, as bicicletas devem poder passar a pernoitar na rua a exemplo dos automóveis, mas para isso é necessário garantir a sua segurança.




















MURTOSA E SINES - DUAS REALIDADES NACIONAIS


A experiência Murtosa Ciclável contou com a apresentação do presidente da edilidade na primeira pessoa. É gratificante observar quando um autarca assume a liderança de um processo exemplar de implementação, à escala do território municipal, de uma rede ciclável. A existência de um plano geral para uma rede ciclável é um bom exemplo cuja iniciativa vem directamente dos responsáveis autárquicos, ao mais alto nível. Foi com interesse que escutámos o presidente Santos Sousa falar, com entusiasmo, da experiência do seu município que aproveita as condições que à partida poderiam configurar dificuldade (zonas rurais/BioRia) transformando-as, com empenho e boa vontade, em mais-valia ciclística.

Duarte Sobral, do CESUR / IST falou da experiência de revisão do PDM de Sines que procura traduzir as novas abordagens aos modos suaves, e à bicicleta em particular, como elementos importantes na acessibilidade de um espaço urbano humanizado. As estruturas implementadas, no presente, mostram não servir os utilizadores de bicicleta. Foram feitos investimentos, mas as reais necessidades dos utentes não têm resposta já que as infraestruturas existentes começam e acabam em lado nenhum, dificultando a utilização da bicicleta ao invés de a promover ou potenciar. O orador coordena um estudo para a implementação de uma estrutura em rede que pretende resolver também falhas e lacunas e que deve estar concluída em 4 anos.

LISBOA E SEVILHA – REALIDADES DISTINTAS EM GRANDES CIDADES IBÉRICAS

Ricardo Sobral, antropólogo, referiu a realidade de Lisboa em que, não obstante a inexistência de condições, há cada vez mais bicicletas a circular. Referiu que existe vontade política e que se diversificaram discursos e os agentes pró bicicleta – FPCUB, massa crítica, blogues, técnicos, pessoas.

Carlos Gaivoto, engenheiro e especialista em transportes refere o plano que elaborou, em colaboração com a FPCUB e que esta instituição apresentou à autarquia da capital e que espera ver aprovado em breve e concretizado em pouco tempo. Igual modo referiu que, sendo a velocidade dos automóveis e o seu número as maiores dificuldades encontradas pelos utilizadores de bicicleta importará intervir neste estado de coisas em Lisboa

A realidade em Sevilha é já bem diferente, Francisco Farrán, de A Contramano, começou por revisitar a cronologia da evolução que levou a que, em 20 anos, aquela cidade andaluza, conhecesse uma alteração drástica ao nível da mobilidade ciclável, e que resulta em 80 kms. de vias estruturantes acrescida de 40 complementares e ainda 30 de lazer. Um exemplo de uma grande cidade a merecer ser seguido.

MULHERES E BICICLETAS – UMA PERSPECTIVA DE GÉNERO

Ana Dorado Rodicio, da Ciclope, chamou a atenção que, do ponto de vista da Mulher, a mobilidade apresenta um modelo poligonal (trabalho, escola dos filhos, compras, centro saúde, etc) ao invés da mobilidade masculina que é mais linear (casa – trabalho - casa). Para este tipo de deslocações poligonais a bicicleta é ainda uma maior vantagem faltando que se ofereçam condições para a sua utilização.


ECOVIA DO ALGARVE – TEORIA E PRÁTICA

Os participantes no Congresso tiveram ocasião de pedalar na famosa Ecovia do Algarve (Projecto REVER-Med), no seu troço Quarteira – Vilamoura, a seguir ao almoço de sábado. Após este agradável exercício houve ocasião de escutar três intervenções em torno deste tema.

De referir que a Ecovia do Algarve é um projecto, envolvendo 12 municípios, que cruza longitudinalmente, a região algarvia pelo litoral e que, quando concluído, terá uma extensão total de 214 kms.

Foram apontados problemas técnicos de implementação em algumas zonas do traçado do projecto como sejam as falhas de sinalização e identificação da sua passagem, a sua não complementaridade com troços de vias já existentes, o investimento em grandes ligações quando o que faz falta é tornar acessível a bicicleta no centro das cidades e as faltas de continuidade. Não existe ainda ligação entre Faro e Olhão que seria o mais importante pelo número de pessoas que circulam entre os dois pólos diariamente. Para que se torne um sucesso a Ecovia tem de trazer pessoas para o centro da cidade, humanizando-o, uma vez que a utilização da bicicleta permite a ligação à circulação pedonal e ainda garante a igualdade entre as pessoas.


ESCOLA E BICICLETA

Interessantes as duas comunicações que ligavam a bicicleta com a escola.

A primeira dizia respeito a uma experiência de sucesso na cidade de Málaga, apresentada por Alonso Ruiz, que consiste em ir e vir para escola em bicicleta (Paseando al Cole). Trata-se de um grupo de alunos, enquadrado por adultos por uma rota segura, e que é muito importante pois faz com que o hábito da utilização da bicicleta comece muito cedo.

De igual modo, apoiou-se a subscrição de um projecto para uma via verde em Málaga onde se pretende facilitar as pessoas que vão para o trabalho em bicicleta. É necessária a abertura de caminhos ciclistas da cidade para os parques industriais que se situam nas periferias para que as pessoas se desloquem para o trabalho em bicicleta.

A segunda diz respeito ao BTT como desporto escolar na Escola Básica Integrada Anibal Cavaco Silva, em Boliqueime, em que o professor responsável pelo projecto e um grupo de três alunos, apresentaram o trabalho realizado e os projectos em curso.

EM JEITO DE CONCLUSÃO

Os assistentes felicitaram a FPCUB e demais organizadores e apoiantes deste Congresso pela boa realização do mesmo, e reconheceram que grande número dos avanços conseguidos tanto em Portugal como na Espanha a favor dos ciclistas urbanos e cicloturistas se devem à repercussão que tiveram os temas tratados e as conclusões dos anteriores congressos.

Ainda sem certezas apontou-se para daqui a dois anos a realização do próximo congresso ibérico em Sevilha e para daqui a quatro no município da Murtosa.

Links de Interesse:

FPCUB - http://www.fpcub.pt/
ConBici - http://www.conbici.org/joomla/
Magazine “Transportes em Revista” - http://www.transportesemrevista.com/
Blogue Velocipedia - http://velocipedia.blogspot.com/
Murtosa Ciclável - http://murtosaciclavel.blogspot.com/
A Contramano Sevilla - http://www.acontramano.org/
Blogue a Bicicleta na Cidade - http://bicicletanacidade.blogspot.com/
Ecovia do Algarve - http://www.ecoviasalgarve.org/

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