domingo, 13 de outubro de 2002

Finalmente o relato do Camiño Português



Página do evento: http://www.geocities.com/caminhos_2001/caminoportugues.htm

Breve descrição da ciclo - peregrinação entre Barcelos e Santiago de Compostela que decorreu nos dias 21 e 22 de Setembro de 2002.

Nunca a diferença entre aquilo que é a nossa representação mental e a realidade esteve tão distante como ao percorrer este extenuante "CamiñoPortuguês" de Santiago.

Efectivamente foram cerca de 200 quilómetros árduos e penosos com peripécias, incidentes, altos e baixos (literalmente), água, pedra, momentos místicos, em suma a Peregrinação no seu expoente máximo. A companhia do Jorge Silva (JS) e do Rui Sousa (RS) foi de excelência, o entendimento perfeito.

Dificilmente poderia ter encontrado melhores companheiros de viagem, bem hajam!Hoje, não tenho dúvidas em afirmar: foi uma experiência inesquecível a todos os níveis:

  • religioso, em primeiro lugar, porque, queiramos ou não, este é, acima d etudo, um acto de Fé;
  • desportivo, porque a dureza física e a inclemência dos elementos constituem um desafio enorme;· paisagístico, artístico e cultural, porque o "camiño" é riquíssimo, seja em Portugal, seja na Galiza (muito mais daquilo que se poderia imaginar), pena foi que o tempo disponível tenha sido apenas o indispensável.
Mas vamos então rever alguns episódios do "Camiño":


UMA BOUTIQUE DO OUTRO MUNDO

A passagem pela "boutique da Maia" (loja MaiaCycles) é sempre um "must". Mal entrámos (eu e RS) fomos logos presenteados com um afável "olha os mouros!", logo nós que iríamos em romaria a São Tiago, o "mata mouros". Lá fomos atendidos, três horas depois, apenas para substituir um cabo, magnífica produtividade a deste garagista :-D


A HOSPITALIDADE FAMALICENSE


Foi excelente e permitiu-nos, para além de um lauto jantar de "francesinhas", No Forever, bem entendido, abrigo para a noite em São Miguel de Seide,onde viveu o grande Camilo Castello Branco.


SAÍDA TEMPESTUOSA


Confesso que estava preparado para peregrinar à chuva. A análise da previsão, ao longo da semana, configurava uma temperatura amena e a possibilidade de aguaceiros. O pré-despertar, às 06:00, em grande parte motivado pelo ruído característico produzido pela inclemência da precipitação viria a arruinar as expectativas: a chuva estava para durar e os aguaceiros que, como sabemos significam, que o tempo estará normalmente seco e que chove de vez em quando, transfigurou-se, precisamente, no inverso. Neste primeiro dia, até cruzarmos o Minho em Valença, esteve a chover e, de vez em quando, esteve seco.


AS SETAS AMARELAS


Serão, porventura, a memória mais viva do "Camiño". Em Portugal elas são o único guia que dispomos e, na Galiza, perdendo esse monopólio em função do advento do azulejo azul com a Vieira amarela, ainda assim não deixam de ser indispensáveis uma vez que a azulejaria peca por defeito e, muitas vezes,não fora a seta amarela e estaríamos com o rumo desorientado, é que ir de bicicleta é bem diferente de ir a pé onde a velocidade é mais baixa e apostura menos rígida.


AS SETAS AZUIS E A GR 11


Em paralelo existem muitas setas azuis, em sentido contrário, indicando a direcção de Fátima. Este Caminho espontâneo é uma forma expedita de conseguirmos ligar Lisboa a Santiago. Pena que o projecto dos "Caminhos de Fátima" do Centro Nacional de Cultura continuem a marcar passo e o próprio e meritório primeiro "Caminho do Tejo" não tenha a divulgação necessária para que se torne um percurso vivo, como estes "Camiños" galegos.
Também a GR11por ali se cruza, em muitos locais, seja deste lado, seja do outro lado da fronteira ou seja, não existindo um caminho formal como o existente entre Tui e Santiago, é todavia possível o "Camiño" ser percorrido mesmo a partir de Lisboa, pese embora a inexistência de albergues.

ÁGUA E VERDE

Foi a constante deste lado da fronteira, recordo sobretudo a estupenda entrada em Ponte de Lima,: um largo, ao lado da estrada, com uma capela, uma latada repleta de videiras e, como que por milagre, surge o Lima, o jardim e a Marginal. De igual forma é notável a semelhança entre o Minho e a Galiza,uma espécie de continuidade geográfica, paisagística, cultural e até linguística.


AVANÇANDO APESAR DAS CONTRARIEDADES


A nossa determinação de avançar era grande, sem embargo as contrariedades eram inúmeras: desde logo a chuva constante e impiedosa, o terreno,naturalmente ficou, em muitos pontos, impraticável e noutros, sobretudo a descer, todo o cuidado era pouco pelo que a média, reflectiu-se baixando relativamente ao previsto. Assim, haviam três hipóteses de pernoita: a má,que era ficarmos por Tui, a boa seria em Redondela e a óptima, em Pontevedra. Ora, como o óptimo é inimigo do bom e tendo em conta as condicionantes à progressão referidas, conseguimos, com grande esforço e empenho chegar a horas a Redondela e aboletarmo-nos no estupendo albergue de peregrinos aí existente: moderno e acolhedor a um tempo.
No segundo dia estive a um passo de ficar por Pontevedra e aí esperar que os companheiros de viagem completassem o "Camiño". Efectivamente ao entrar em Pontevedra, numa lisa estrada em asfalto o pneu traseiro esvaziou completamente e num único fôlego. A parede lateral havia rompido,deficiência clara do material porque, paradoxalmente, o piso estava praticamente novo. Fiquei algo desesperado até porque era domingo e todo o comércio estava fechado. Já me estava a ver a "morrer na praia" e enquanto se congeminava uma solução expedita que não me agradava uma vez que estávamos ainda a 60 kms. de Santiago de Compostela e com maus pisos por diante apareceu um companheiro galego em bicicleta que por ali passou e que, com aquela solidariedade que só os ciclistas conhecem me arranjou um velho pneu e que permitiu concluir a jornada, 62 quilómetros adiante.

Foi como se o anjo da guarda nos tivesse valido.

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