sábado, 13 de setembro de 2003

Estrela na Estrela 2003, balanço final

O maior desafio do ciclismo amador em Portugal foi, desta vez, cumprido!

Este ano não houve aquela chuva que estragou os planos aos participantes
que, no ano passado, como eu, foram surpreendidos por ela acompanhada de
nevoeiro e de um vento que tornou impossível a quem, como eu, alinharam de
simples jersey manga curta.

Pelo contrário, num dos dias mais quentes do ano, o problema foi antes a
elevada temperatura que, embora mais facilmente superável, constituiu
todavia um agravante à natural dureza de uma prova com estas
características.

Desta vez creio que não eramos tantos à partida, pelo menos fiquei com essa
sensação no tradicional alinhamento junto aos paços do concelho da Covilhã.
Muitas caras conhecidas de que destaco, entre outras:

. alguns, tal como eu (Cannondale), de bicleta de estrada nomedamente o Rui
Sousa (Trek), o Cláudio Nogueira (BH), o João Pimpão (Cube) ou o José Luís
Carvalho (Trek).

. outros de BTT adaptada, para além do guru António Malvar (mais de hibrida
do que de BTT), o José Luís Nunes (Atlas), o Nuno Gomes (Commençal), o Mário
Silva (Atlas), o Jorge Silva (GT), o Pedro Basso (Kona) estes três últimos
não foram além da grande barreira psicológica que é a Torre, têm de voltar
para o ano, toca a treinar ;-)

Se o calor prometia havia que tomar medidas: levei a bolsa de água e ainda
um bidon com o isotónico. Lá começamos a subir em direcção às Penhas da
Saúde e fiz questão de ser o último a arrancar. Estava na hora de testar se
a escolha da bicicleta de estrada tinha sido acertada! Tinha trocado a
cassete com a BTT embora o desviador Dura-Ace não permita colocar a 32
ficando, assim, limitado a 8 velocidades: 28, 24 ... até 11 dentes. A
questão é que dispomos de apenas dois pratos um com 39 outro com 52 dentes
pelo que tem de ser uma opção bem poderada, há que estar em boa forma,
inevitavelmente.

Fiz o primeiro quilómetro em ritmo lento e em último para avaliar como a
coisa estava. A saída da cidade é das zonas de maior inclinação, como me
senti bem passei logo para a 24 e fui alternando com o 22 e começo a
ultrapassar os mais atrasados utilizando a táctica de me aproximar, rolar um
pouco na traseira para recuperar o pulso e passar mantendo o ritmo até
alcançar o seguinte. Este primeira subida tem mais de 10% de inclinação e é
complicada até à zona da torre de vigia que fica por detrás do antigo
sanatório onde a pendente suaviza. Nos ganchos apertados aproveita-se para
se pedalar de pé e de vez em quando retoma-se a 28 para recuperar o pulso
que deve, a todo o custo, conter-se abaixo do limiar anaeróbico ou não o
dexando ir muito acima disso. É que ainda haviam muitos quilómetros pela
frente e todo o entusismo tinha de ser contido.

Chgando ao Centro de Limpeza de Neve e ultrapassadas as Penhas da Saúde é
tempo de descer para Manteigas muito velozmente que a estrada se presta a
isso, sem movimento e com a visibilidade para se poder cortar as curvas.
Após o viveiro das trutas começo a deparar com os primeiros já a subir. O
atraso não era muito para eles e sentia-me bem. Resolvi apertar um pouco o
ritmo na subida que é, das três, a mais fácil, ou melhor, a menos difícil,
só que comecei a acusar o esforço e, a meio, na fonte Paulo Martins (a da
água Glaciar) resolvi reabastecer, diluir mais isotónico, comer umas barras,
e relaxar um pouco e, só então continuar. Foi milagroso recuperei e já subi
melhor e a bom ritmo a partir da curva na zona onde começa o caminho
pedestre para o Covão da Ametade a até à Torre, este último troço, a partir
de Piornos, é bem duro, de resto é a zona clássica da Volta a Portugal, onde
abundam as pinturas incitando os ciclistas, de resto, é só substituir o nome
do Gâmito ou do Vidal Fitas pelo nosso e acusar o estímulo.

Após uns quantos ganchos lá estamos no cruzamento da Torre onde paramos para
comer algo. Aqui chegados é altura de fazer o balanço. Apesar do desgaste
ainda estamos bem e, por comparação com o ano transacto (foi aqui que
desistimos por causa da intempérie) sentimo-nos bem melhor, não sei se por
causa da bicicleta de estrada se por causa de estar em melhor forma. Este é,
de resto, o último local onde se pode desistir pois, a partir daqui, é
sempre a descer (e ninguém, em condições normais desiste a descer) e só
paramos em Seia, onde para desistirmos só se nos resgatarem de automóvel.

Mas não perco muito tempo a reflectir e começo a descer. A princípio estamos
numa zona planáltica correspondente à área das pistas de ski e alternam as
descidas e as subidas que podem ser feitas aproveitando o balanço. A partir
de dada altura a pendente inclina fortemente e ultrapassa-se o paredão da
barragem da Lagoa Comprida e daí até ao Sabugueiro sempre em forte
inclinação, situação essa que se prolonga após a subida da "Aldeia mais Alta
de Portugal" (fortemente descaracterizada) até Seia. Ao todo são 30
quilómetros que, a descer já são intermináveis, mas que se tornam
absolutamente infernais a subir.

Após o Sabugueiro cruzo-me com os primeiros ciclistas e, após a Aldeia da
Serra, quase a chegar a Seia cruzo-me com outras caras conhecidas.

Após uma forte pendente chego a Seia onde como uma sandes cujas míseras
calorias foram imediatamente alocadas, mas foi tempo de meter muita energia
pois tinha, quisesse ou não, tinha de voltar lá acima! Ainda assim descansei
um pouco. O pior é que o calor apertava e a pendente era muito forte até,
pelo menos, a Aldeia da Serra.

Mas as paragens são milagrosas e fazem-nos restabelecer as forças, aí vou eu
por ali acima a sentir-me muito bem faço os ganchos sem dificuldade de maior
alternando o pedalar de pé e sentado, dei-me ao luxo de ultrapassar vários
ciclistas e quando me começo a sentir fatigado já tinha o Sabugueiro à
vista.

Como a partir daqui a pendente torna a endurecer é tempo de parar na fonte,
restabelecer as forças, diluir mais isotónico, comer mais um pouco e relaxar
um pouco. Passam vários ciclistas mas que vou ultrapassar de novo em plena
ascensão, interminável, diga-se, até à Lagoa Comprida onde já me sinto nas
lonas, completamente. Um pouco antes deste ponto está uma viatura parada a
recolher um dos ciclistas que tinha desistido e que me fazem uma proposta
desoneste: tinham um lugar livre na viatura. Agradeci mas recusei, se
tivesse aceite nunca mais me perdoava e era obrigado a alinhar em 2004 para
cumprir o desafio na integralidade, coisa absolutamente impensável naquela
altura em que se pensa que aquele sofrimento, que tão estoicamente
suportamos, não é mesmo para repetir.

Da Lagoa Comprida para a Torre ainda é preciso subir bastante e é aí que a
BTT deixou saudades, as forças estavam no limite, já não conseguia subir a
pulsação até ao limiar anaeróbico essencial para manter a cadência de
pedalada pelo que me vejo na contingência de ter de pedalar de pé mais tempo
do que gostaria, vou procurando distrair-me olhando para a sombra e para a
paisagem tentando-me abstrair do esforço. Quando dou por mim já só falta uma
rampa até ao planalto do ski, mais um derradeiro esforço e, já está, depois
são umas subidas alternando com descidas onde aproveito para alcançar a
máxima velocidade possivel e, como que por milagre, estou no cruzamento da
Torre, faltando o mísero quilómetro até ao delta e às típicas estruturas da
Força Aérea. Pois este foi o que me custou mais e estava a ver-me a morrer
na praia e a ter de empurrar a bicicleta durante 100 metros, mas não podia
ser, uma pedalada vigorosa vinda do âmago levou-me ao delta, estava
cumprido: a partir daí seria sempre a descer exceptuando os 200 metros
ascendentes até ao Centro de Limpeza de Neve.

Havia pois que descansar um pouco e repor energias para que a descida fosse
feita com a concentração necessária. Tudo havia corrido bem até então e não
iria borrar a pintura no final. Mas descer tão rapidamente é uma recompensa
magnífica após tão sofrido esforço. A visão do Hotel após 130 quilómetros é
indescritível, tanto como a água do banho final! No final muitas
desistências a mostrar que, caso não nos sintamos em condições mais vale não
tentar...

Quanto ao dilema da bicicleta direi o seguinte: há vantagens e desvantagens
em alinhar numa bicicleta de estrada, se por um lado, ela é mais leve, mais
responsiva e rígida permitindo cobrir uma maior distância com um menor
esforço, nestes terrenos, porém, ela não perdoa formas físicas menos
apuradas. A partir de dada altura, se o esforço é elevado e a forma e o
desgaste é elevado não há relações de transmissão que a consigam mover. Ao
contrário, na BTT, temos sempre o 32x32 e como último recurso a trialeira 22
pelo que nunca ficaremos apeados. Sem embargo há que saber resistir à
tentação de andar com relações demasiado leves já que elas não permitem
rolar rápido aumentando o esforço por via de maior tempo a pedalar. De resto
havia de tudo, bicicletas de estrada com uma cassete "normal" (só para
atletas em grande forma), cassetes enxertadas a 28 e cassetes de BTT
adaptadas, embora limitadas a 28 dentes.

Outra desvantagem da máquina de estrada é a posição de condução, com a minha
falta de hábito (ando nela sobretudo de Inverno) e a rigidez começam a
surgir algumas dores de postura a nível das costas que obrigam a endireitar
e esticar esses músculos nas paragens, bem como as dores de pescoço de estar
30 quilómetros sucessivos a descer, pior que isso só aquela sensação de se
saber que essa mesma distância terá de ser coberta a subir!

No final a satisfação de ter cumprido, embora penosamente, o desafio. Para o
ano há mais, provavelmente irei de BTT para também conseguir fazê-lo nessa
bicicleta, já só me falta isso!

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