TEXTO PUBLICADO NA REVISTA ONBIKE DE OUTUBRO DE 2005
Qual é o seu tipo de BTT?
Há vários modos de encarar o BTT, todos diferentes, todos iguais. Desde aquele que se efectiva numa rotineira manhã de domingo, sempre no mesmo local e, invariavelmente, às mesmas horas repetindo, porventura, os mesmos gestos, até ao que, seja por sofisticação, disponibilidade ou gosto, aposta em variar os locais e entende este desporto como uma forma de evasão que permita não só conhecer locais diferentes, como de igual modo, diversos graus de dificuldade e desafios variados.
Pessoalmente, situamo-nos mais perto do segundo tipo aqui referido. Temos pena de não possuirmos a disponibilidade para pedalar em todos os locais e/ou com a frequência que gostaríamos, mas vamos fazendo pela vida pois, se pedalássemos sempre de forma rotineira, ou já tínhamos desistido, ou ficávamos pelos sensaborões rolos domésticos.
Faz falta a variedade. Esta é uma verdade incontornável! Temos pois que usar da imaginação e nem sequer é necessário ir muito longe. Portugal tem locais de sobra e de eleição para a prática.
A nós, aquilo que mais nos agrada, é juntarmos ao desporto uma boa temática histórico-cultural. Os Caminhos de Santiago podem ser apontados como o exemplo acabado disso. É, se quiserem, uma forma de se esquecerem as dificuldades geradas pela altitude e quilometragem acumuladas. Nem só do pedal vive o Homem!
O Reconhecimento das Lendárias “Linhas de Torres Vedras”
Foi com este intuito que começámos a esboçar o projecto do reconhecimento das lendárias “Linhas de Torres Vedras". É certo que existem por aí alguns passeios organizados intitulados de “Linhas de Torres”. No entanto são apenas pequenas abordagens às “Linhas” visitando este ou aquele reduto mais bem conservado e com uma quilometragem limitada.
Por outro lado, importa atentar no seguinte: não obstante as “Linhas” se chamarem de “Torres Vedras” elas correm paralelas, em vastas zonas do Norte de Lisboa e apenas numa pequena parte são efectivamente de Torres Vedras, embora seja na área desse município que iremos encontrar a maior densidade de vestígios.
Aquilo que nos propusemos fazer foi efectuar o levantamento do maior número de redutos e baterias e, na medida do possível, conseguir percorrê-los a todos em BTT, do Tejo até ao mar, com elevadas quilometragem e altitude positiva acumulada.
Paralelamente percorrer-se-ão algumas das estradas militares construídas nessa época para ligação entre os redutos, os quartéis-generais na zona de Pêro Negro, o monumento evocativo da construção, simbolizado numa estátua de Hércules na Serra de Alhandra e, ainda, os locais dos postos de sinais.
Enquadramento Histórico das “Linhas de Torres”
Trata-se de um conjunto vasto de fortificações militares defensivas do início do século XIX que permitiram suster as tropas napoleónicas impedindo a invasão de Lisboa e proporcionando as condições para o contra-ataque vitorioso.
Após o final da segunda invasão francesa, o duque de Wellington (comandante do exército anglo-português) decide defender Lisboa, para permitir uma eventual retirada marítima do exército britânico no caso de uma nova invasão. Assim, manda edificar em 1809 aquele que é considerado o mais eficiente sistema de fortificações de campo da História militar. Este sistema defensivo consistia numa dupla linha de redutos em cantaria, alvenaria ou simples terra, que reforçavam os inúmeros obstáculos naturais do terreno, formando uma barreira defensiva inexpugnável entre o Tejo e o Atlântico.
A primeira linha tinha uma extensão de 46 kms. ligando Alhandra, concelho de Vila Franca de Xira, à foz do Sizandro em Torres Vedras.
A segunda linha, mais recuada, construída a cerca de 13 kms. a sul da primeira, tinha uma extensão de 39 kms. e ligava o Forte da Casa (atente-se neste nome), em Alverca, concelho de Vila Franca de Xira a Ribamar, concelho de Mafra.
A eficiência deste incrível sistema defensivo baseou-se em cinco pressupostos essenciais:
- Nas duas linhas de redutos munidos de peças de artilharia, que dominavam, a fogo de flanco, todas as estradas e desfiladeiros de passagem, isto é, todos os passos naturais de entrada em Lisboa, de Norte para Sul, estavam ao alcance do tiro cruzado das baterias.
- Na construção de estradas militares que ligavam as fortificações entre si, possibilitando uma rápida deslocação das tropas no interior das Linhas, conferindo uma enorme flexibilidade ao sistema.
- Pela introdução de um sistema de comunicações telegráficas, adaptado do existente na Marinha, que permitia transmitir rapidamente mensagens entre as duas “Linhas” e entre os extremos de cada uma delas.
- Na construção das fortificações em segredo absoluto, um dos aspectos mais impressionantes do projecto e que permitiu que os franceses fossem apanhados de surpresa, complementado com uma política de “terra queimada” que impediu qualquer ousadia de cerco devido à míngua de mantimentos.
A construção das Linhas empregou cerca de 150.000 pessoas, recrutadas nas zonas rurais em torno das “Linhas”. Os trabalhos, sob o comando do Tenente-Coronel Fletcher (homenageado no monumento de Alhandra) foram dirigidos por oficiais e sargentos britânicos. O custo total da obra rondou as 100.000 libras, constituindo, paradoxalmente, um dos investimentos mais baratos de toda a História Militar, sobretudo se tivermos em consideração a eficácia demonstrada.
Assim, as “Linhas de Torres” estendiam-se por mais de 80 kms. e eram constituídas por 152 fortificações, guarnecidas com 600 peças de artilharia. As fortificações foram iniciadas no Outono de 1809, tendo a sua construção demorado apenas um ano. O tamanho dos redutos era variável: uns só podiam receber 50 homens e 2 peças, enquanto outros podiam conter 500 homens e 6 peças.
Os primeiros redutos foram construídos em forma de estrela, segundo a boa prática militar da época, de forma a cobrir diversos ângulos defensivos. Os abundantes moinhos de vento, de planta circular, instalados em cabeços propícios ao estabelecimento de postos militares, foram igualmente transformados em fortificações, tendo, posteriormente, alguns redutos sido construídos com a mesma planta circular. Todas as fortificações eram complementadas com trincheiras, minas, paliçadas, fossos e barricadas.
Na Primavera de 1810, Massena, o melhor dos generais de Bonaparte, inicia a terceira invasão francesa e entra com as suas tropas pela fronteira da Beira e, no Buçaco, enfrenta o exército anglo-português. Apesar de derrotado consegue flanquear e progredir para Sul.
O exército anglo-português recua então para a Estremadura, refugiando-se atrás das “Linhas de Torres”. Massena chega pouco depois e consegue ainda tomar a vila do Sobral de Monte Agraço. Para além das fortificações, o Inverno particularmente chuvoso transbordara as margens do Sizandro, transformando-o num obstáculo intransponível. Sem conseguir avançar e enfrentando a rebelião dos seus homens, a fome e as intempéries, Massena opta pela retirada, um mês depois, coberto pelo nevoeiro e deixando bonecos de palha no lugar dos soldados, enganando o inimigo e atrasando a sua reacção.
A derrota de Massena nas “Linhas de Torres Vedras” salvou Lisboa de nova invasão e, acima de tudo, marca o início da viragem da carreira vitoriosa de Napoleão Bonaparte na Europa.
O que resta das “Linhas de Torres Vedras”
No terreno existem ainda, actualmente, muitos vestígios com diferentes tamanhos e estados de conservação, do bom ao muito mau, mas com uma particularidade em comum: todos se encontram em sítios ermos e altos pelo que ao interesse cultural se junta exercício físico garantido.
Naturalmente que nem todos os redutos serão visitáveis, embora a maioria o seja. Tal deve-se ao facto de alguns terem sido impossíveis de reconhecer por terem pura e simplesmente desaparecido e outros se encontrarem em propriedade particular. No entanto a maioria conheceu a nossa visita.
Refira-se que, ao contrário daquilo que é a crença generalizada, esta zona a Norte de Lisboa é extremamente montanhosa, se bem que as altimetrias possam indiciar o contrário.
Do ponto de vista estratégico é ideal para uma postura defensiva como era o intuito das Linhas de Torres Vedras. Do ponto de vista do BTT é dificuldade garantida já que, invariavelmente, a distâncias de cerca de 60 kms. corresponderão cerca de 1750 m. de altitude positiva acumulada em média, a exigirem espírito de aventura, boa forma física e, acima de tudo, capacidade de sacrifício.
Dividimos assim em cinco etapas circulares esta nossa incursão, sempre de nascente para poente:
1. (2.ª. linha, 1.ª parte) - de Forte da Casa, em Alverca, concelho de Xira (Vila Franca de), até à Venda do Pinheiro, junto à A8, no concelho de Mafra e o respectivo regresso, abrangendo os concelhos de Xira, Loures e Mafra;
2. (2.ª linha, 2.ª parte) - de Venda do Pinheiro a Ribamar e o respectivo regresso, sempre no concelho de Mafra;
3. (1.ª linha, 1.ª parte) - de Alhandra, concelho de Xira e o Reduto do Céu, no concelho de Arruda dos Vinhos e o respectivo regresso, abrangendo os concelhos de Xira e Arruda;
4. (1.ª linha, 2.ª parte) - de Sobral de Monte Agraço a Torres Vedras, abrangendo os concelhos de Sobral, Torres Vedras e Mafra e o respectivo regresso;
5. (1.ª linha, 3.ª parte) - na zona de Torres Vedras, ligando à Foz do Sizandro, onde os vestígios são em maior número.
Assim, nas próximas edições serão publicadas cada uma destas etapas para que cada um dos leitores, se se sentir em boas condições físicas e estiver motivado para isso possa na sua bicicleta e in loco, sentir a história do maior conflito armado que decorreu em território nacional.
1 comentário:
Como não poderia deixar de ser
"muito bom"
Pedro Duarte
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