terça-feira, 12 de dezembro de 2006

MARÃO - O PASSEIO PERFEITO

Quem anda nisto (leia-se no BTT) há já algum tempo tem intensas memórias de passeios, quase todos num passado mais ou menos distante, com traçados inesquecíveis cruzando locais incríveis. Porém, nos anos que levo da modalidade com muitas milhas palmilhadas em todos os distritos e regiões autónomas do luso rectângulo este gélido domingo, dia 10 de Dezembro do ano da Graça de 2006, constituiu-se, sem dúvida, como o “Passeio Perfeito”.

O FSM (*) nem queria acreditar quando lhe apareci à porta de casa em Lousada no sábado à noite. O destino tem destas coisas e ele ditou, precisamente, que ficasse hospedado em casa de amigos a menos de uma centena de metros da sua casa.

Naturalmente que ficou logo, sem a mínima hesitação, agendado para as 08:30 do dia seguinte uma incursão aos altos do Marão e Alvão que se apresentavam intensamente brancos em virtude do nevão dos dias anteriores. A neve estava ainda bem cem conservada a partir dos 1000 metros com as baixas temperaturas que se faziam sentir.

Está fácil de entender porque foi este o “Passeio Perfeito”: tudo, mas mesmo tudo, correu da melhor forma, não há um único senão ou algo menos correcto como se tudo resultasse a uma programação cuidada e como se aquela actividade física, apesar do frio agreste, fosse para nós, algo de tão natural como respirar e viver.

Após o Buondi da praxe, ainda em Lousada, rumámos pela A11 / A4 e IP4 e, poucos quilómetros volvidos após Amarante, deixámos o carro no vale no início da subida do IP4 para o Alto de Espinho na cota dos 260 metros literalmente na “Rua” (nome da localidade). À sombra, o gelo abundava ainda e iniciamos a subida por asfalto pela estrada 574. Ambos levámos configurações de Cross-Country pois as ascensões eram de respeito em termos de quilometragem.

Nunca estamos verdadeiramente preparados para um frio tão intenso, na verdade planeava apenas efectuar um simples passeio e tinha roupa para o Inverno embora não o suficiente para manter pés e mãos razoavelmente quentes. O problema são mesmo os dedos das mãos e dos pés (sobretudo estes últimos) que, à falta de uma protecção exterior do sapato, permanecem sem sensibilidade, sobretudo à medida que ascendemos e que a neve a derreter implica inevitavelmente molhar as meias.

Após a difícil habituação inicial ao frio uma primeira paragem quase na Portela do Lameiro Longo junto a uma das inúmeras quedas de água para continuarmos e abandonarmos o asfalto na Portela dos Trigais. Estamos agora na cota dos 676 metros que percorremos com o Covelo do Monte lá embaixo e continuamos para os 800 metros com o vento e o frio a aumentarem a sua intensidade mas com as paisagens cada vez mais deslumbrantes.

Percorremos a cota dos 1000 metros, cruzando o Alto de Espinho, paralelos ao IP4 com a Pousada de São Gonçalo lá embaixo e a Senhora da Serra, alva e altiva, do outro lado. É aqui que começamos a pedalar na companhia da neve que não mais nos abandonará enquanto não descermos de cota.

Mas o pedaço mais interessante começava apenas agora: o caminho do Alvão trazia a neve intensa e as paisagem alpinas dos verdes e profundos vales, como se de aguarelas se tratassem. Trata-se da região da Campeã, magnífico postal a deslumbrar-nos profundamente.

Cruzamos a 304 não sem antes atingirmos o miradouro com visão para norte. Daqui a vista é fantástica: desde o inconfundível Monte Farinha, “já ali embaixo” ao Gerês e ao Larouco com os cumes intensamente gelados a visão delicia e faz-nos esquecer, por instantes, os dedos enregelados em virtude da comunhão com a Natureza.

Continuamos em direcção ao Alvão por um estradão que serve o parque eólico e que passa na cota superior a Vila Cova e ao santuário de Nossa Senhora de la Sallete em terras de antigos mineiros. E aqui ascende-se, e de que maneira, até aos 1200 metros (topo da nossa incursão). São caminhos já percorridos pelo autor destas linhas, por duas vezes, de modo pedestre há tempos (embora sempre no Verão).

Quando viramos para leste está tudo nevado junto aos moinhos. Revela-se-nos a típica visão do cimo desta encosta do Alvão com Vila Real bem lá embaixo e durante quilómetros pedalamos em cima de neve até atingirmos a Barragem Cimeira completamente enregelados. Tempo de lenta descongelação junto ao borralho da salamandra da “Cabana” saboreando uma alheira na brasa e broa durante muito tempo, por forma a recuperar o tacto nas mãos e nos pés.

Fizémo-nos de novo ao caminho de regresso pela mesma via até à 304. Curioso como o mesmo percurso na neve, desta vez a subir, tem consequências térmicas diferentes. No entanto dos 1200 metros até à estrada 304 aproveitamos o largo estradão, agora descendente, para rolar rápido e ganhar tempo.

Depois da estrada o percurso de regresso é diferente. Após uma subida inicial eis que se abrevia a descida por trialeiras medonhas até reencontramos de novo a já conhecida 574 que descemos em velocidade estonteante até recuperarmos a viatura automóvel.

No final cerca de seis horas a pedalar para uma distância de mais de 71 kms., a saída com o gelo a derreter, por volta das 09:30 com o regresso no limite da razoabilidade da luz solar, i.e. pelas 16:45. O track GPS, tendo ficado interrompido pelos 32 kms. mostrava já 1500 metros de acumulado. As Kcal consumidas não foram compensadas, , por certo, pela singela mas saborosa alheira e o banho quente e o jantar souberam como poucas coisas na vida anteriormente.

Foi assim o “Passeio Perfeito”. Para mais tarde recordar.

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(*) – Para quem ainda é novo nestas andanças FSM são as iniciais de Francisco Soares Moura, um dos gurus do BTT. A velha máxima “Gosto é Disto!” foi agora substituída por “Isto (o BTT) dá-nos anos de vida!” e tal como a anterior, constitui uma incontornável verdade.

1 comentário:

Anónimo disse...

São relatos como este que obrigam os níveis de adrenalina a subir mesmo sentados à secretária do computador. Parabéns por ter conseguido deixar-me a sonhar...

Cumprimentos

JORGE