quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Relato do 1.º Geo-Ride Lousã - Rui Sousa



SOCORRO! NÃO QUERO IR!! TEM MUITAS SUBIDAS!


texto Rui Sousa
fotos Agnelo Quelhas

Soube da existência do Geo-Raid por um pouco antes da Transportugal (em Junho), num folheto que estava na Ciclonatur. A coisa prometia, muitos quilómetros, muitas subidas, em Outubro a probabilidade de haver chuva e lama já é elevada…tenho de arranjar maneira de me safar!

Como ia participar na organização da Transportugal, ofereci-me logo para também ajudar no Geo-Raid…infelizmente não deveria ser necessário, já havia apoio no local.

No e-mails trocados com amigos disse que não podia ir, que ia ter um baptizado nesse dia. Pelos vistos a treta pegou, ninguém me desafiou. Se não foi a treta a pegar, foi a minha grande barriga, ninguém ia querer constipar-se enquanto esperava por mim no topo das subidas!

Mas depois vieram as fotos dos reconhecimentos. Mais os relatos das dificuldades do percurso, transmitidas pessoalmente pelo Sr. António Malvar! E um estágio em Setembro, ao fazer algumas etapas da travessia das Montanhas, a dar apoio a um grupo de turistas ingleses, clientes da Ciclonatur. A barriga está pesada, mas as pernas não estão más…

Comecei a ver a lista de inscritos. Estava lá quase toda a gente com quem costumo pedalar por esses montes fora. Eu ia ficar em casa roído de inveja, a comer uns pastéis de nata… Assim de repente, só me lembro que faltavam à chamado o Cláudio Nogueira (tinha de trabalhar fora na sexta), o Pedro Roque (que agora tem a mania que é empenado) *, que talvez fizesse equipa com o Mário Silva, caso este encontrasse a roda que perdeu algures! Estranhamente a malta de Coimbra não se inscreveu, já deviam saber ao que iam!

A decisão final veio com um curso da minha namorada em Lisboa, durante o mês de Outubro, o que veio facilitar as coisas em termos logísticos. Lá tenho de ver se arranjo algum coxo para fazer equipa comigo.



Após algumas trocas de e-mails formei equipa com o João Baptista, presença habitual dos passeios da seita pela Serra da Estrela! Temos andamentos semelhantes e ainda direito a uma bonificação de 2%, pois o João já é um “senhor de idade”, com muitos cabelos brancos! Como também temos bicicletas de titânio, fomos baptizados pelo padrinho Fernando Carmo de “Cavaleiros do Titânio”, embora antes ele tivesse sugerido outros nomes para a equipa. Por exemplo, “Lesmas”, “Tartarugas” ou “Cake powered”

OS TREINOS DUROS

Desde que resolvi me inscrever no início de Outubro até ao Geo-Raid tinha menos de um mês para ganhar forma. Havia que fazer muitos quilómetros e perder algum peso!

E os treinos duros foram: a meia-maratona dos 5 Cumes de Barcelos (60 km); Fazer de guia num passeio (nível muito fácil) da Arrábida, onde fiz 23 km. Por fim, para apurar o cozinhado, 48 km de estrada no sábado anterior à prova! Pelo meio ainda mais 250 km, partidos em vários segmentos de 7 km, de casa para o trabalho!

Resultado: A forma estava exactamente na mesma e estou de relações cortadas com a balança!

1º Dia – De volta a 2003, juntamente com o Homem da Marreta!

Depois de um bom jantar na sexta-feira e de uma boa noite de sono, lá estavam os “Cavaleiros do Titânio” prontos para um grande empeno. Para mim, parecia que tinha voltado a Rio de Onor, em 2003, com toda a ansiedade de ir fazer uma etapa longa e dura.

Mal foi dada a partida, todo o grupo onde nós estávamos saiu a grande velocidade. A tentação de os seguir foi grande, mas convém arrefecer os ânimos e pensar nos quase 1500 metros de acumulado só até aos 25 km!

Após os primeiros metros urbanos, saímos para terra e começamos a subir num terreno familiar. Tinha sido por aquele caminho que passou o passeio da Velocipédi@ em 2001. Na altura ainda se ia de Lisboa à Lousã para fazer um passeio de 30 km!

Os primeiros quilómetros foram muito agitados. A principal preocupação era não ser atropelado por nenhum foguete! O concorrentes dos grupos que tinham menos bonificação parecia que iam fazer uma corrida de 5 km, ora passavam pela esquerda, ora pela direita. Um perigo! Mas para a próxima já sei, vou levar um elástico comigo!

O piso ao início era bastante bom, mas por volta do quilómetro 4 saímos do caminho principal e entrámos noutro mais estreito, mais inclinado e com alguma pedra. Verifiquei que não havia ninguém conhecido por perto e fiz algumas partes a pé. O João é que estava em boa forma, continuou a grande velocidade, comecei a pensar que devia ter treinado mais…

Após uma pequena e bonita descida no meio da floresta, chegamos ao CP1 e à aldeia de Gondramaz. E, apesar da “grande” velocidade com que passamos pela aldeia, deu para ver como estava bem recuperada. Espectacular o trilho ao início, uma varanda de pedra ao longo do monte, coberta de folhas secas!

Após a aldeia voltamos a subir bastante, até a um local chamado Relva de Tábua, repleto de geradores eólicos. A recompensa veio a seguir, com uma rápida descida em bom piso, permitindo melhorar a média, que era preciso ir controlando sempre, para não chegar ao fim com o controlo de meta fechado.

Na praia fluvial de Louçainha fizemos uma rápida paragem para comer umas sandes e recuperar energias para a fase seguinte, com muito sobe e desce, pisos variados e muitos cruzamentos, a exigir muita atenção ao GPS. O João continuava em grande forma e eu também me estava a sentir bem, mas temi que fosse Sol de pouca dura. Disse-lhe para irmos um pouco mais devagar, pois até estávamos com uma boa média.

Com os erros alheios de navegação, conseguimos ir ultrapassando muitas equipas que estavam a andar mais rápido que nós. Essas equipas passavam-nos para logo a seguir falharem um cruzamento, só nos voltando a ultrapassar algumas centenas de metros mais à frente. Por vezes devagar de vai ao longe!


A fase seguinte da etapa é feita a grande velocidade, quase sempre a descer, com passagens por várias aldeias de xisto, onde as ruas estreitas e os inúmeros cruzamentos obrigam ainda a ter mais em atenção o GPS e a conhecer bem o seu modo de funcionamento. O final desta fase acaba depois da aldeia de Casal de S. Simão, num single-track que liga a aldeia às fragas de S. Simão, onde passa a ribeira de Alge.

É um local muito bonito, mas estávamos num buraco onde no Inverno não se deve conseguir ver o Sol! Onde é que esconderam o elevador para sairmos daqui?

Comemos outra sandes e apanhamos o elevador, uma estrada de asfalto bem inclinada, que nos ia levar até à aldeia de Ana de Avis, onde iríamos passar pelo primeiro e ultimo café de toda a etapa!

Como estávamos bem abastecidos não parámos aí, seguindo rapidamente para a aldeia seguinte, Ervideira. A subida em asfalto fez-me alguma mossa, estava com a sensação de estar a pedalar a um ritmo elevado demais. Depois de Ervideira o terreno já era mais plano, mas muito duro, irregular e com pedra solta, não permitindo descansar nem a descer. Comecei a sentir as pernas ainda mais pesadas e os músculos a quererem prender.

Foi aí que o João me diz: “Estou com cãibras, vou só até ao próximo CP e amanhã já não devo ir à etapa”. Vi a coisa mal parada, afinal não era só eu que estava a empenar. Disse-lhe para pararmos um pouco, para ele beber muita água e comer, que o problema devia ser só falta de combustível.

O próximo CP não estava longe e felizmente já não havia grandes subidas. Fomos devagar, fazendo as subidas quase todas à mão e aproveitando as descidas e o plano para recuperar forças.

Quando chegámos ao CP, o João já estava melhor. Parámos um pouco, enquanto comemos e estudámos o resto do percurso, para ver se era melhor ficarmos por ali ou continuar até ao fim.

Ainda estávamos folgados no tempo, até porque os últimos 8 km eram sempre a descer. O percurso também não parecia difícil para quem estava empenado. Segundo a descrição da organização, era quase sempre estradão de parque eólico, no início tão a subir que se fazia bem à mão e depois mais plano.

Lá continuamos. O S. Pedro portou-se muito bem, pois num parque eólico a quase 1000 metros de altitude, já com o Sol a esconder-se, não corria ponta de vento! O esforço teria sido muito maior com o vento de deve ser normal naquele local.

A meio do parque eólico havia uma viragem à esquerda para entrarmos num trilho mais antigo, sempre num ligeiro sobe e desce e muitas curvas, umas vezes dentro da floresta, outras vezes em campo aberto. Apesar de já só pensar no lanche do final da etapa, foi divertido de se fazer. O João já estava recuperado e eu também me estava a sentir bem, pois com a nossa redução de ritmo, os sintomas de pré-empenanço desapareceram.

Foi assim que chegamos ao estradão, por onde iríamos descer mais de 700 metros em cerca de 10 quilómetros. Mas esta foi a parte mais difícil da etapa para mim. Juntei a minha falta de treino em BTT, com voltar a usar uns sapatos que tinha colocado de lado por estarem apertados, polvilhado com o uso de um pneu atrás estreito e com um pouco de pressão a mais. O resultado foi grande dor de pés, pernas e costas sempre que passava por um buraco ou pedra. Foi uma tortura que parecia que não acabava, eu não sabia se havia de ir mais devagar para levar menos pancada, ou se nunca travar para chegar mais depressa. Quem me dera uma subida pela meio, para descansar…

2º Dia – Sobe, sobe, desce, sobe, levanta voo, desce, desce. E amanhã, não há mais?

Depois da altimetria e da distância do 1º dia, esta etapa parecia um passeio no parque. Mas andava longe disso…

O início da etapa era muito parecido, ou seja, sempre a subir num estradão de terra, quase sempre dentro da floresta. Só que não havia praticamente patamares de descanso e o topo estava quase nos 1200 metros.

Era necessário gerir bem o esforço, não entrando em loucuras, nem em cautelas excessivas, que poderiam baixar muito a média e tornar difícil a recuperação no final da etapa.

Após a fase complicada da passagem dos foguetes, entrámos no nosso ritmo certo, vencendo a subida metro a metro. O S. Pedro voltou a acompanhar-nos, pois nem mesmo nos parque eólicos havia vento.

O primeiro pico do dia, no Trevim, foi vencido sem grande dificuldade. Eu tinha um furo lento na frente, fui fugindo algumas vezes do João para ter tempo de encher o pneu enquanto ele me alcançava. Ele vinha com algumas cautelas, depois do susto do dia anterior, mas estava totalmente recuperado.

Estando nós no Trevim, parecia fácil atingir o outro cume, Santo António das Neves. Estava já ali e nem parecia necessário descer muito. Puro engano. O que pareciam ser 5 km fáceis afinal foram 15 km num piso cheio de pedra solta, sempre a recuperar lentamente a altitude, depois de uma descida alucinante logo após o Trevim.

Para mim foi uma fase dura, pois o mau piso fez reaparecer as minhas dores de costas e pés da descida do dia anterior. Definitivamente pedalar em estrada é muito diferente de pedalar em BTT.

A paisagem de Santo António das Neves parecia-me familiar. Lembrei-me que foi aí que acabou um das etapas da Estafet@ da Velocipédi@, que tinha começado em Vila de Rei. Só que nesse dia estava frio, nevoeiro e vento, não um sol lindo, 20ºC de temperatura e sem correr uma aragem. Na Estafet@ nem me tinha apercebido que o asfalto era de um aeródromo!

Agora era quase sempre a descer até ao final da etapa. Não levantamos voo, mas quase. Foram alguns quilómetros muito rápidos, em estadões de bom piso e com muitas curvas. Fazia lembrar alguns locais da Serra da Estrela, que curiosamente nos apareceu na paisagem um pouco mais à frente, imponente como sempre.

Na aldeia de Aigra Velha tivemos o único ponto com água do dia, onde parámos um pouco para comer e encher o Camelbak. Nesse local estava o motard que dava apoio ao Geo-Raid, que nos disse que até à próxima aldeia era sempre a descer.

Isso pelo caminho que ele conhecia, porque havia outro com um topo bem duro pelo meio…mas compensado pela rápida descida seguinte pelo pinhal.

Após passarmos Aigra Velha temos uma das partes mais divertidas e técnicas deste Geo-Raid. Um trilho coberto de vegetação, com ganchos sucessivos, alguma pedra, raízes e terra solta a apimentar o desafio.

Para descontrair, seguem-se alguns quilómetros numa floresta de sobreiros, num caminho bom e ligeiramente a descer, permitindo fazer muitos quilómetros rapidamente, fazendo subir a média que ainda estava muito baixa.

Este troço acaba junto à Senhora da Candosa, onde se desce por um túnel de vegetação até ao rio Ceira. Este rio é talvez o ponto mais espectacular da etapa, ao nível da ribeira de Alge, que cruzámos no dia anterior. Tem duas enormes paredes de pedra, por onde o rio estreita e segue o seu caminho. No inverno deve ser espectacular ver o rio a correr neste ponto.

Infelizmente o tempo para o fecho da etapa já era curto, não nos podíamos dar ao luxo de ficar a apreciar a paisagem. Até ao final o terreno era plano, mas não sabíamos que surpresas poderíamos ter em termos de piso.

Felizmente as surpresas eram boas. Excluindo pequenos troços em trilhos mais fechados, todo o restante percurso era bastante rolante. O João, depois de se estar a poupar um pouco no início da etapa, estava cheio de força. Foi um final muito rápido, com a passagem de várias aldeias a obrigar a ler bem o GPS.

Conseguimos ainda chegar ao fim com 30 minutos de folga e passar por várias equipas que já estavam com algumas dificuldades físicas.

Conclusão: O quê, já acabou? Venha S. Pedro do Sul

Como conclusão, posso dizer que foram 2 dias espectaculares, que me vão ficar na memória por muito tempo.

Os trilhos foram muito bem escolhidos, a organização esteve impecável (como já seria de esperar), o S. Pedro foi nosso amigo e houve uma excelente camaradagem entre os participantes, sem nenhuma daquelas rivalidades mesquinhas que por vezes surgem nas competições.

A única coisa que tenho pena é de não ter tido mais tempo de parar e apreciar a paisagem. Mas os trilhos estão lá, prontos a serem repetidos com mais calma!

Que venha S. Pedro do Sul!

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* - Nota do Editor - Esta referência é absolutamente injuriosa e despropositada e será por mim respondida na barra do tribunal! :-)

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