quinta-feira, 26 de novembro de 2009

THE SCHIST EPIC WET RIDING



A intuição é algo de que me orgulho. Nunca fui um profundo estudioso das matérias mas, de algum modo, esse meu lado intuitivo, sempre me levou longe.

Ora, quando o Pedro Cravo lançou a ordem de batalha para se percorrer uma réplica da 1ª etapa do GeoRide da Lousã no sábado passado, tudo fiz para poder estar presente mesmo que, para isso, me tenha empenhado ao máximo. A minha intuição dizia-me que seria algo de que não me arrependeria.

De facto, desde a passada quarta-feira estive em Dublin, Irlanda (onde tive mesmo o privilégio de assistir à parte “manual” no final do France-Ireland em pleno Temple Bar, algo que nunca esquecerei). O regresso à Pátria fez-se já em plena noite de sexta-feira com a saída de Lisboa e a chegada a Coimbra a produzir-se já após a primeira hora da madrugada de sábado. Claro que, na manhã de sábado, ainda hesitei, até porque, a previsão meteorológica era peremptória quanto à possibilidade de chover. Aí o lado racional impôs-se pois se tinha feito tão grande sacrifício para estar presente não tinha lógica falhar, no final, a convocatória.

Cheguei à Lousã à hora combinada e lá fomos todos saudados pelo vento que soprava em rajada forte a indiciar que, pelo menos do ponto de vista atmosférico, não iríamos ter vida facilitada. Para além de mim mais sete ciclistas alinharam à partida.

Havia que ascender da Lousã até quase aos 1000 metros e percorrer a serra em direcção a SE. A opção recaiu pela estrada que, de Cacilhas, ascende até às Aldeias de Xisto passando pela Casa do Guarda, pelo meio de uma neblina fantasmagórica, por vezes cerrada, mas sem sinal de chuva. Destaque para os soutos de castanheiros que, nesta altura do ano e em altitude, caducaram já a sua folhagem cobrindo o solo de um manto ocre de rara beleza. As indicações das aldeias de antanho, por mim já anteriormente visitadas, foram-se sucedendo: Casal Novo, Talasnal, Chiqueiro, Vaqueirinho e Catarredor – locais mágicos do xisto - vivendo em simbiose com a serra e como que paradas no tempo.

Assim fomos, encosta acima, até reencontramos, quinze quilómetros volvidos, o traçado correspondente ao trajecto vermelho (n.º15) do Centro de BTT das Aldeias de Xisto que se inicia em Ferraria de São João (outra “dessas aldeias”) mas que integrámos aqui, nas proximidades da Lousã. Para além do tracklog GPS tínhamos as setas de trajecto BTT que seriam úteis em algumas situações até porque, devido ao tecto de nuvens, o sinal emitido dos céus era, muitas vezes, impreciso.

Após esta intersecção ainda subimos mais cerca de uma centena de metros até sucederem duas coisas distintas: o início de uma chuva impiedosa e uma descida alucinante pelos estradões muito rápidos dos parques eólicos. A precipitação far-nos-ia companhia, ininterruptamente, desde as 10:00 até às 18:00. Por seu turno, a descida iria acelerar, e de que maneira, a nossa progressão.

Todos sabemos que, estes estradões descendentes em tout-venant, podem ser muito perigosos. Sábado, no mesmo local, e por duas vezes, o perigo espreitou. Um desses incidentes passou-se comigo: uma descida muito rápida com uma curva à direita, um breve momento de distracção a motivar uma trajectória mais larga do que o recomendável e o despiste iminente. Foi um daqueles momentos em que desligamos o consciente e actuamos em piloto-automático esperando genuinamente que, naqueles brevíssimos instantes, a destreza, a experiência, a sorte e São Miguel Arcanjo se conjuguem para um final feliz.

Tudo correu bem e actuei de acordo com os “manuais”: coloquei a perna direita esticada no chão para equilibrar e contrabalançar a tendência da força centrífuga, travei moderadamente, aliviando a pressão perante os sinais de derrapagem na gravilha e, quando a velocidade e a estabilidade o permitiram, apliquei os travões de modo forte e, finalmente, respirei fundo - o BTT pode ser uma actividade perigosa. Passados breves instantes, no mesmo local, o Pedro Cravo passou por calafrio semelhante do qual se desembaraçou de modo idêntico - la experiencia es la madre de todas las cosas!

Continuámos a nossa incursão agora com descidas mais suaves que iam alternando com zonas mais técnicas mas a zona mais a sul da nossa incursão foi percorrida, de modo rápido e estávamos agora parados abrigados da chuva numa passagem inferior do IC8 perto de Figueiró dos Vinhos. A chuva continuava ininterrupta pelo que, metade do grupo, resolveu regressar por asfalto enquanto que o remanescente, no qual me incluía, resolveu percorrer o track integral, quiçá na ilusão de que a chuva cessaria em breve. Ainda assim recordo-me de ter dito que poderíamos estar na iminência de uma incursão épica. A minha intuição, mais uma vez, não me enganaria.

Assim fomos passando por Ervideira e Aldeia de Ana Avis. O traçado agora era diferente, mais técnico, com mais ascensões e mais belo em termos paisagísticos mas a chuva não largava e começava a causar alguns problemas técnicos na forma de um sempre desconcertante “chain-suck” na bicicleta do Paulo Leitão mas que, à custa de lubrificante, lá se foi superando.

Chegados à Ribeira de Alge (Alvaiázere), o ponto mais meridional da incursão foi tempo de retemperar energias num estupendo restaurante homónimo onde fomos servidos de modo estupendo e que nos permitiu secar um pouco as roupas junto à lareira. Quando saímos a chuva, longe de acalmar, reforçou a sua intensidade. Ainda assim tivemos de continuar curiosamente naquela que é, provavelmente, a parte mais bonita da incursão. Seguimos o curso da Ribeira para montante tendo, inclusivamente de cruzá-la, num pontão de madeira escorregadio e semi-destruído ali bem perto das famosas Fragas de São Simão.

Foi tempo de subir até ao Casal de São Simão (outra das Aldeias de Xisto) e daí retomar a direcção norte cruzando, de novo, o IC8 de modo duro descendo e subindo vigorosamente, e internando nos eucaliptais tentando rolar o mais rápido possível já que a visibilidade se reduziam cada vez mais. Assim cruzámos o Cercal e começamos a subir gradualmente em altitude. Foi então tempo de se alcançar o Centro de BTT da Ferraria de São João onde reagrupámos, restaurámos e montámos a configuração nocturna, abrigados da chuva que, de modo inclemente e constante se precipitava.

Quando abandonámos o centro a alteração do tom predominante no display do aparelho de GPS demonstrava que o pôr-do-sol tinha chegado. Da Ferraria para norte é uma subida contínua até ao topo da serra e aos estradões das eólicas. A temperatura baixou até aos cerca de 8 graus centígrados mas, em contrapartida, a chuva desapareceu.

Rolar à noite pelos caminhos das eólicas é uma experiência inesquecível. As luzes vermelhas e os flashes brancos, aliados às silhuetas das torres e ao ruído das pás a cortar o ar conferem uma ambiência surreal comparável a uma imensa discoteca ao ar livre. Parece que estamos noutro planeta.

Apesar das contrariedades sob a forma de um frio (embora ligeiro), da noite que complicava a navegação (impedindo mesmo que se avistasse a balizagem BTT) a situação estava sobre controlo. Dois problemas com o material vieram complicar um pouco mais as coisas: um furo no pneu traseiro do Sérgio Duarte, prontamente resolvido com um daqueles sprays anti-furo e o cabo das minhas mudanças que, pura e simplesmente, gripou, bloqueando a cassete no carreto 32. Limitada a minha progressão conseguia, todavia, progredir, sem problemas de maior jogando com as cremalheiras dos cranks.

Assim seguimos abandonando agora o largo e seguro estradão para um indecoroso trail de down-hill até Gondramaz iluminando as trevas com um par de tímidos leds, com o credo na boca e o pé amíude no chão de modo a contrariar a gravidade. Assim chagámos áquela que considero a mais preservada de todas as aldeias de Xisto (das que conheço, bem entendido) – Gondramaz. De imediato nos aboletámos no acolhedor restaurante Pátio de Xisto onde a simpática proprietária nos acolheu com um quarteto de sobremesas e galões quentes ao mesmo tempo que nos apelidava de insanos (*).

Resolvemos então que, devido ao adiantado da hora, voltar a subir aos 900 metros para daí descer para a Lousã não compensaria. Numa distância idêntica, descemos a estrada de ligação até Espinho e daí ligámos, via EM555, até à Lousã que alcançámos exactamente 100 quilómetros após a havermos deixado 13 horas antes. No final, igualmente, dois distritos - Coimbra e Leiria e seis concelhos percorridos - Lousã, Castanheira de Pêra, Figueiró dos Vinhos, Alvaiázere, Penela e Miranda do Corvo.

Quem me conhece sabe que já percorri muitas milhas pelas serras e montanhas deste país e que passei por dificuldades muito elevadas. Todavia não tenho qualquer dúvida em afirmar que esta foi, em virtude da conjuntura em que tudo se passou, uma das incursões mais épicas que efectuei e que dificilmente esquecerei. A minha intuição estava certa e os sacrifícios que passei antes, para poder estar presente e durante a incursão, foram perfeitamente justificados perante a intensa jornada vivida.

(*) Fiz questão no dia seguinte, domingo, de voltar a Gondramaz para almoçar. Naturalmente não fui reconhecido vestido "à civil". A senhora, quando lhe disse quem era, nem queria acreditar.

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My intuition is something that I am proud of. I've never been a brilliant student but, somehow, my intuitive side always make me go forward.

However, when Pedro Cravo released the "ordem de batalha" to replicate the 1st stage of the Lousã GeoRide on the last Saturday, I've did my best to be present, even for that, I had to work hard. My intuition told me it would be something that I will not regret.

In fact, since last wednesday I was in Dublin (where I had the privilege of watching the "handy saga" at the end of the France-Ireland right in the middle of Temple Bar, something I'll never forget). The return to the motherland was at friday's evening with the departure and arrival from Lisbon to Coimbra occur after the first hour of Saturday morning. Of course, on Saturday morning, I still hesitated, because the weather forecast was accurate about the possibility of rain fall. Then the rational side imposed because I had made such a big sacrifice to be present that it seemed illogic to fail now.

So, I arrived at the appointed time in Lousã. The wind was blowing strongly indicates that we would not have a easy riding. Apart from me seven other cyclists lined up at the start.

We had to ascend Lousa's sierra to get almost at 1000 meters and then to go towards SE. We choose the road that, from Cacilhas, ascends to the Schist Villages through the Casa do Guarda and through the middle of a ghostly fog but with no signs of rain. Remarkable the chestnut trees that at this time of year and in altitude, leaves their foliage on the ground with a layer of rare beauty as well as the road signs of the old villages, which I have previously visited, in succession: Casal Novo, Talasnal, Chiqueiro, Vaqueirinho and Catarredor - magical places in schist - living in symbiosis with the sierra almost frozen in time.

So we went, uphill until we find, fifteen kilometres later, the curve of the red route (Centre of MTB, Schist Villages, No. 15) beginning in Ferraria de São João (another one of "those villages"). Apart from the GPS tracklog we had the arrows from the MTB trail that would be useful in some situations because, due to the cloud layer, the GPS signal sent from heaven was often inaccurate.

After this intersection, we climbed more than one hundred meters until two different things happened: the beginning of a heavy rain and a breathtaking descent by the large dirt roads of the windmills. The rain did not leave us from 10 a.m. until 6 p.m.. Also, the fast descend would accelerate our progression.

We all know that these dirt roads descendants can be very dangerous. Saturday, at the same place, and twice, the danger came. The first incident happened to me: a fast descent with a right turn, a brief moment of distraction motivate a wider trajectory and the imminent possibility of getting out of the path at high speed. It was one of those moments in which we turn off the conscious and act on autopilot configuration genuinely hoping that, in those briefest moments, the skills, the experience, the luck and the Archangel Michael can work together to a happy ending.

I acted in accordance with the "best practices" - stretched my right leg out on the floor to balance and counteract the tendency of centrifugal force, moderated the break pressure, relieved the pressure on the first signs of slippage in the gravel, and when speed and stability permitted, I applied the brakes strongly and finally, took a deep breath - mountain bike can be a dangerous activity. A few moments after in the same spot, Pedro Cravo went through a similar situation, which he deal in the same way - "la experiencia es la madre de todas las cosas!"

We continued our raid now with softer declines than alternating with more technical sections. The  far southern part of our raid was covered quickly until we tock shelter from the rain beneath the IC8 near Figueiró dos Vinhos. Rain continued uninterrupted so that half the group decided to return by asphalt while the remain half, which included myself, decided to remain faithful to the original track, hoping that the rain would stop soon. Yet I remember to said that we could be facing an epic raid. My intuition, again, do not fool me.

So we went through Ervideira and Aldeia de Ana Avis. The trail was now different, more technical, with more rises and beautiful landscapes but the rain did not let us and even began to cause some technical problems with a stressful chain-suck on the Paulo Leitão's bike mitigated with oil.

At Ribeira de Alge (Alvaiázere) - the southernmost point of the raid - was time to recharge our batteries in a stupendous restaurant where we were well served and that allowed us to dry the clothes by the fireplace. When we left the rain, far from calm down, increased its intensity. Yet curiously we continue in what is, probably, the most beautiful part of the raid. We followed the course of the ribeira upstream and we had to cross it, in a wooden slippery and semi-destroyed bridge near the famous Fragas de São Simão (St. Simon Cliffs).

It was time to climb to the Casal de São Simão (another of the Schist Villages) and then resume a northerly direction crossing again, the IC8 this time on a hard up and down, and interning in eucalyptus kingdom trying to roll as fast as possible before the visibility is reduced even more. So we crossed Cercal and began to rise gradually in altitude. Finally we reached the MTB Center in  Ferraria de São João where we reassembled, restored and mounted our night sets, sheltered from the rain, so harsh and constant rushed.

When we abandoned the MTB center the change of the colour of the back layer in the display of the GPS device showed that the dusk had come. From Ferraria to north is a continuous rise to the top of the mountain to get the dirt roads of the windmills. The temperature dropped up to about 8 degrees Celsius, but on the other hand, the rain disappeared.

Riding in the windmills paths by night is an unforgettable experience. Red lights and white flashes, along with the white silhouettes of the windmill towers and the sound of blades cutting the air give a surreal ambience comparable to a huge open air discotheque. We seem to be on another planet.

Despite the problems in the form of a chill wind (slight nevertheless), the night makes the navigation harder, but the situation was always under control. Two problems with the equipment threatened our progression: a flat tire in the rear wheel of Sergio Duarte's bike, readily solved with one of those miraculous sprays and the my rear gear cable blocked, stopping the cassette on the 32 teeth sprocket limited my momentum however, without compromising the progress.

Thus we left the large and secure dirt road for a trail down-hill until Gondramaz lightning the darkness with a pair of timid LEDs, with the foot often on the ground to counter gravity. So we arrived to the best preserved of all the sSchist Villages (in my view, at least)- Gondramaz and straight to the cozy restaurant Patio do Xisto where the friendly lady owner welcomed us with a quartet of desserts and warm
"galões" while nicknamed us as "insanes" (*).

We decided then that due the hour, to go up again to 900 meters and then downhill to Lousã would not compensate. We choose to go down through the road to Espinho and then, via EM555, link to Lousã, achieved exactly 100 kilometres after we left it, 13 hours before. We travelled trough two districts - Coimbra and Leiria and six municipalities - Coimbra, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Alvaiázere, Penela and Miranda do Corvo.

Anyone who knows me well also know that I already travelled many miles through the hills and mountains of this beautiful country and went through many difficulties. However I have no doubt in saying that this raid, because of the environment in which everything happened, was one of the most epic, and hard to be forgot. My intuition was right and the sacrifices that went through before, in order to be present, were fully justified.

(*) Sunday i returned to Gondramaz for lunch. The lady owner of "Pátio do Xisto", of course, did not  recognized me dressed "civilian way". When I told her who I was, she could not believe me.

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