quarta-feira, 20 de julho de 2011

ARRÁBIDA’S WILL - TRAVESSIA DO PNA


Domingo, 17 de Julho de 2011
115 kms.
2812 m. de vertical acumulado

Melhora o condicionamento, aumentam de interesse, quilometragem e dificuldades as nossas incursões.


Foi tempo de retornar à Arrábida, território tantas vezes percorrido e explorado que foi objeto de um esquecimento virtuoso durante anos. É que, este retorno, teve o condão de a um tempo ser um deja vue e uma redescoberta. É, se quisermos, uma adaptação do velho ditado: "nunca voltes a um lugar onde já foste feliz", mutatis mutantis por um "volta apenas, anos volvidos, a um lugar onde já foste feliz".


E, porém, a Arrábida é estonteante nas suas paisagens, nos seus vales, nas suas matizes e, acima de tudo, nos contrastes que estabelece com o Atlântico, num jogo feliz entre o verde e o azul que empresta toda uma cenografia, bem asada aos nossos olhos e às objetivas fotográficas. Recordo-me de ter dito que são únicas estas paisagens em Portugal e muitos concordarão comigo. Basta chegar ao cimo de um monte, num dia solarengo, olhar “lá para baixo” e ter um mínimo de sensibilidade.

Mas vamos à incursão.

A ideia foi cruzar o Parque Natural da Arrábida (PNA) de lés a lés e retornar procurando, ainda, alcançar o alto das suas três fortalezas (Palmela, Setúbal e Sesimbra) bem como o santuário de Nossa Senhora do Cabo Espichel no extremo poente do PNA. A previsão inicial era ousada: perto de 120 kms. e quase 3.000 m. de acumulado, números que a contagem final não desmentiu.


O início, por uma questão de comodidade, deu-se em Palmela, porém lá bem no topo junto ao seu castelo de forma a não existir possibilidade de escusa final. Para o bem e para o mal haveria de se ter de subir a vila até àquela fortaleza que, curiosamente, alberga a sede da Ordem de Santiago em Portugal e, só deste modo, estaria completa a incursão. Depois da descida pelo parque e após a vila pela saída clássica da Serra do Louro deu para (re) constatar que, a área do PNA é, cada vez mais, uma zona predileta para o BTT, rivalizando na densidade de bicicletas com a Serra de Sintra num domingo de manhã.

Percorrida a serra do Louro a descida da portela deu-se por um simpático e ancestral single-track até ao Vale dos Barris e daí, de novo, “lá para cima” para o sopé da Serra de São Luís que foi contornada por SW descendo e cruzando, logo após, a N10 por uma subida da calçada romana até ao bairro do Viso já nos limites da cidade de Setúbal. Esta ida a Setúbal constitui praticamente uma inversão de marcha para mais quando tiveram, desde logo, de ser vencidos dois vales, o primeiro dos quais a exigir forte empenho. No forte / pousada de S. Filipe, uma pausa contemplativa para vislumbrar, do alto, a cidade e a incrível baía.


De imediato seguimos para poente pelo topo antes da descida, forte, para a foz da Comenda e daí pelos altos da Rasca. Esta foi uma opção que não vingou já que, na prática, se trocou a clássica e sempre agradável subida da ribeira da Comenda até Picheleiros por um sobe e desce muito difícil num piso de difícil aderência, obrigando a desmontar com frequência nas subidas e sem que a paisagem constituísse sequer uma mais valia, nem mesmo o seu single-track final, por muitos apelidado de “maravilha” mas que, na prática, se encontra em más condições obrigando a um desmontar permanente.

Após o cruzamento dos Picheleiros abandonamos a estrada para uma breve incursão, encosta acima, pelo estradão das quintas num conjunto extenuante mas muito interessante pelos locais que visita: são as quintas dos Picheleiros no seu melhor bem enquadradas pelo monte Formosinho (topo da Arrábida). Pausa na cafetaria do Parque de Campismo já com algum desgaste e lá seguimos em direção a Casais da Serra contornando todo o sopé da serra num percurso muito rápido e lindíssimo.

No lugarejo, a compra de uma garrafa de água num restaurante repleto de clientes e com o cheiro a sardinha assada omnipresente em plena hora de almoço, a criar um sentimento de revolta. É que perante tão aromático repasto, o contraste era gritante com as barras de muesli que povoavam o bolso da minha jersey.


Rapidamente seguimos desta vez em direção a Sesimbra primeiro pelo estradão e depois pelo caminho das pedreiras e, muito rapidamente, estamos em Santana perante a íngreme rampa de acesso ao castelo que alcançamos e cujo interior percorremos saindo pela sua porta NE e mimetizando a PR que desce a encosta num single-track de antologia (este propriamente “maravilha”) pelo meio de um túnel de arvoredo onde, a espaços, se vislumbra o mar com a piscatória (e turística) Sesimbra lá bem embaixo. O trilho está muito bem conservado e é todo ciclável (à exceção de um pequeno salto) e revelou-se como o verdadeiro landmark da jornada.


O problema é que, como em tudo na vida, há sempre uma contra-reação, neste caso baixamos de cota de tal modo que, para retomar uma altitude semelhante à que foi perdida foi necessário efectuar a temível subida do Sentrão, provavelmente a mais dura e longa da jornada, por um estradão de tout-venant. Recordo-me de, por mim, passar uma viatura (também subindo com alguma dificuldade) e de o ocupante me ter gritado "isso é que é vontade". Fiquei a meditar naquela frase e de facto acho que, a mesma, traduz perfeitamente o espírito - foi penosamente, metro após metro, que chegámos até ao Zambujal de Cima e à N379 que percorremos para poente durante cerca de um quilómetro à falta de alternativa.


Rapidamente nos desembaraçamos da mesma e cruzamos os rápidos estradões paralelos que cruzam a Aldeia Nova da Azóia, primeiro, e a Serra de Azóia, depois. Nesta terra paramos um pouco na cafeteria do clube desportivo local para restaurar algumas energias perante alguns olhares curiosos. Seguimos então, após o fim do estradão que aqui termina cruzando os quilómetros finais que nos separam do Cabo Espichel perante uma ventania inclemente que aqui parece vir dos quatro quadrantes em simultâneo.

No incrível santuário as obras de restauro tardam a chegar mas, no entanto, há algumas novidades que sem custarem dinheiro melhoraram a qualidade de visitante de quem ali demanda: a colocação de uns simples pilaretes metálicos impede agora os carros de alcançarem quer o adro da igreja e das antigas celas dos romeiros, quer o próprio cabo. As vezes gestos simples são os suficientes para resolver situações aberrantes.


Em virtude da fortíssima nortada optámos por um plano B relativamente à travessia das terras a norte do Cabo até ao Meco. De facto, procurámos um trajecto um pouco mais interior e direto à praia da Foz já que, com tamanhas rajadas não era muito conveniente pedalar em zona de falésia. Estas terras do Meco são uma paisagem à parte e diferente de tudo aquilo a que estamos habituados e onde guiarmo-nos por um aparelho de GPS é quase condição sine qua non.

O resto do percurso pouca história tem de contar já que, após Aiana de Cima e até Aldeia de Irmãos e Vila Nogueira de Azeitão, se limita a cruzar pinhais infindáveis. De novo nas terras do PNA a passagem pelas ruas reconditas de Azeitão a mostrarem o esplendor das quintas e o ambiente bucólico que caracteriza um das terras mais tradicionais da região e do país.


Rapidamente vencemos os metros até à Igreja das Necessidades onde cruzámos a N10 e começamos a descer de modo rapido o estradão de tout-venant até ao vale dos Barris. Aí chegados uma opção tática de gestão do esforço levou-nos a subir o caminho da portela da Serra do Louro em detrimento de continuar pelo Vale dos Barris: preferiu-se vencer os cerca de 300 penosos metros da subida da portela de uma só vez do que o vale continuamente em direção a Palmela. A escolha coincidiu com a vantagem de tornarmos a repetir o sempre incrível troço dos moinhos do Louro desta vez no sentido descendente o que, convenhamos, é sempre bem mais gratificante.

Alcançada Palmela faltava ainda a subida final ao Castelo. A vontade e as forças já não abundavam mas "tinha de ser", e lá fomos no quilómetro derradeiro, subindo, vila acima até ao castelo, ao final da incursão e ao descanso.

Para trás ficou a incursão mais dura da época, bem mais do que o clássico "Fátima" (apesar dos seus 165 kms.). Mas o grau de satisfação é equivalente à dureza da mesma a que não são alheias das paisagens mais impressionantes que se podem encontrar em Portugal e que, tal como Torga relativamente ao Douro, Sebastião da Gama, o poeta de Azeitão, tão bem nos cantou aquela a que chamou a Serra Mãe.

Este seu poema mais conhecido traduz, afinal, a essência do BTT:

Pelo Sonho é que vamos, comovidos e mudos. Chegamos? Não chegamos? Haja ou não haja frutos, pelo sonho é que vamos. Basta a fé no que temos, Basta a esperança naquilo que talvez não teremos. Basta que a alma demos, com a mesma alegria, ao que desconhecemos e do que é do dia-a-dia. Chegamos? Não chegamos? - Partimos. Vamos. Somos.

Sebastião da Gama, Pelo Sonho é que Vamos

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