quarta-feira, 13 de julho de 2011

BORN(ES) TO BE ALIVE!



Azibo - Serra de Bornes - Azibo
Domingo, 10 de Julho de 2011, dia de São Cristóvão (mártir)
76 kms.
2.700 m. de acumulado vertical


Photos by PR


Quando aqui vos dei conta de incursões anteriores e da dureza física que representaram, seja pela quilometragem, seja pela altimetria - ou pela conjugação de ambas - deveria, em abono da verdade, ter feito uma ressalva de que, como em tudo na vida, havia uma relatividade inerente a essas aferições.

No passado domingo, respondendo a um convite do JC por mim sucessivamente adiado, de uma incursão na área de Bragança (sua terra natal) e, após dos 76 mais difíceis quilómetros dos últimos tempos, dei por mim a cogitar sobre esta mesma relatividade.

As altimetrias das serras do Nordeste são do mais expressivo que se pode encontrar em Portugal Continental. Na zona de Bragança, um trio de serras justifica esta afirmação plenamente: Montesinho (1.486 m.), Nogueira (1.318 m.) e Bornes (1.200 m.).


Como, as duas primeiras, já haviam sido objecto de incursões anteriores em BTT, sobrava a "mais baixa", ou seja, a serra de Bornes, em Macedo de Cavaleiros que, apesar de altitude inferior, apresenta um dado curioso que são os seus 621 m. de proeminência topográfica e que a convertem numa das montanhas mais relevantes de Portugal apesar de não ser das mais altas, ou seja, a partir do "ponto de sela" (ou portela) é este o valor ascensional, em metros, que terá de ser vencido para se alcançar o topo. E subir uma montanha destas, tal como a Estrela, a Gardunha ou São Mamede, é "outra loiça" já que a resiliência física é testada aos limites.

Estabelecemos um plano de ataque que incluía a magnífica Praia do Azibo como local de partida e chegada, por motivos óbvios. Assim começámos por volta das 09:00 rolando ao longo da sua margem esquerda, tranquilamente a princípio mas, em virtude do relevo, o empenho teve de ser reforçado para levar de vencida um par de rampas por volta da povoação de Santa Combinha.


Até alcançarmos o paredão da barragem realce para a passagem de um par de locais paradisíacos desta bem aventurada "paisagem protegida" com o bosque de sobro junto ao plano de água a fazer as delícias dos sentidos. Após a travessia do muro da barragem seguimos junto ao canal de irrigação que abandonamos, pouco depois, descendo em direção a Vale da Porca, berço do emigrante português mais bem sucedido (se excecionarmos os pontapeadores de esférico), i.e. Roberto Leal.

Descida para a antiga estação ferroviária do Azibo da antiga Linha do Tua e visão do habitual cenário de desolação associado às ferrovias abandonadas. De imediato a recordação do trabalho inter-municipal no Dão, reportado aqui na semana anterior: se já não serve para comboios, que sirva paras as gentes e o seu lazer. E que bela ecopista daria de Mirandela a Bragança.


Seguimos o curso do rio Azibo (a jusante da barragem) e começamos a ascender para o santuário de Santo Ambrósio e daí seguimos para a abordagem às altitudes da serra. Se, até aqui, as dificuldades eram apenas normais, entravamos agora no reino da extrema dureza. Efetivamente, em dez quilómetros, fomos dos 530 aos 1150 metros por um estradão de tout-venant de serventia ao parque eólico sem que a pendente desse outra trégua que não fosse uma inclinação constante. Confesso que já estava desabituado deste tipo de ascensão e o truque habitual de manter o pulso controlado debaixo de um ritmo constante aqui não surtiu um efeito permanente pelo que nos vimos na contingência de efetuar um par de paragens técnicas para recuperar o fôlego e retomar a ascensão.


Tinha sido possível evitar as pausas mas isso seria conseguido à custa de uma carga anaeróbica constante que cobraria a sua fatura adiante e na posterior recuperação. Julgo termos optado pela melhor solução já que se alcançou o falso topo sem pagar um preço demasiado elevado. O problema é que, neste plateau estávamos já a 50 metros do cume (1.200 m.) e quando seria lícito esperar que apenas restassem 50 m. eis que se nos deparam mais sete quilómetros de um ondulado em que a descidas vertiginosas se seguiam subidas a condizer num "rompe pernas" de alta montanha a acrescentar um tipo de dureza diferente.

Não admira pois que o cume tenha sido alcançado com um misto de enfado, cansaço e glória. Mas aquela vista, meu Deus, merece todos os sacrifícios deste mundo. E, de novo, aquela sensação de compaixão pelos sedentários deste mundo que jamais desfrutarão deste aparentemente contraditório prazer em que o estoicismo antecede e valoriza o epicurismo.


A curta descida até à aldeia de Bornes foi outro momento de antologia. Foi efectuada por um estradão serpenteante onde, bem vistas as coisas, teria sido de todo impossível de ascender, seja pela pendente, seja pelo estado do piso. Esta é uma daquelas incursões que não admitem ver o sentido da sua marcha invertido e em que uma descida entusiasmante teria dado uma subida impossível. Valeu assim a descida ainda que, à semelhança da ascensão anterior houve que parar um par de vezes para descansar, neste caso, os braços e as pernas, em virtude da tensão muscular necessária para ter tudo debaixo de controlo.

Daí que a detente, no café da Aldeia tenha sido novo momento de glória a convidar a uma fresquísisma imperial na ausência de champagne. Como são mágicos estes momentos.


O melhor estava ainda para vir - vencido o viaduto sobre o novíssimo troço do IP2 seguiu-se um longo, inolvidável e quase ininterrupto downhill até Cernadela. A pendente fraca a proporcionar uma velocidade relativamente elevada ma non troppo por forma a tudo estar debaixo de controlo e se desfrutar da alegria que só um trilho daqueles, encaixado entre-muros em paisagem mediterrânica (nem faltavam as oliveiras), pode proporcionar. Receio, todavia, não conseguir descrever minimamente aquilo que só a estimulante vivência pode proporcionar.

Naturalmente recordo de ter dito que, tamanho bónus, teria um preço caro a pagar. A experiência ensina-nos que a uma descida equivale uma subida, para mais uma descida de antologia teria um reverso da medalha adequado e  que, após Cortiços, não se fez esperar obrigando a desmontar algumas vezes num conjunto de rampas curtas indispensáveis para vencer uma portela dura de roer.


Felizmente não demorou muito tempo para se alcançar o canal de irrigação e, preguiçosamente, junto a ele se rolar até Macedo de Cavaleiros que rapidamente se cruzou. Havia que chegar à praia do Azibo embora ainda tendo de se ascender mais um pouco após Vale de Prados.

O gran finale ficou reservado para percorrer tranquilamente a margem direita da albufeira que, ao contrário da oposta, é planíssima como convém após tão intensa quilometragem. Mas o melhor mesmo foi o banho no imenso lago do Azibo na praia fluvial que exibe orgulhosamente, há anos sucessivos, uma bandeira azul atestadora de uma qualidade que, de resto, só quem for cego não vê.



Alguém batizou um dia, uma incursão semelhante: Bornes to be Alive ou, acrescentaria eu, como passar um dia em cheio no nordeste transmontano!







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