sábado, 7 de janeiro de 2012

A LOGÍSTICA AFECTIVA DO BTT



ADVERTÊNCIA PRÉVIA

Convenhamos: apesar da evolução operada nos últimos anos no panorama do BTT nacional, esta ainda continua a ser uma modalidade iminentemente varonil. De facto e apesar de agradáveis laivos crescentes de tonalidade feminina, o panorama nos trilhos deste país prossegue malgré tout masculino. Assim, perdoar-me-ão que esta prosa seja dirigida a esta espécie maioritária se bem que, no caso excepcional da inversão de género envolvido no BTT, ela possa ser lida cambiando, de igual modo, o género dos conjugues envolvidos.

O tema deste post é assim o modo como a vossa cara-metade entende este voluntário ofício pedalante e as suas insidiosas consequências no quotidiano familiar, isto é: como se gere este intenso e autêntico triângulo amoroso e os seus três vértices – betetista, bicicleta e cônjuge, gerador de paixões por vezes incontroláveis e de consequências imprevisíveis.


O QUADRADO - SÍMBOLO DA PERFEIÇÃO

Numa perspectiva tipológica começaríamos por aqueles casais em que o triângulo se converte, virtuosamente, num quadrado, ou seja, em que se acrescenta uma segunda máquina reflectindo desse modo a distribuição da paixão velocipédica por ambos os conjugues em doses mais ou menos iguais.

Muitas vezes, este estado de Nirvana, é o corolário de um esforço notável e bem sucedido do betetista no sentido do contágio do elemento feminino tendente à comunhão familiar na paixão pela bicicleta.

O ciúme aqui não tem lugar e, pode afirmar-se sem receio, que viverão os quatro felizes para sempre. Sem embargo há que ter a noção plena de estarmos no reino feérico da excepção - a regra tipifica-se, porém, de modos distintos.


O TRIÂNGULO INFERNAL DO CIÚME

A segunda situação, também excepcional, é a oposta - isto é, a máquina é entendida pela cônjuge como uma rival na disputa pela atenção do betetista / ser amado. Este sentimento tem como base o facto daquele pedaço de metal com rodas merecer, por parte do betetista, um empenhamento temporal considerado inusitado e furtado, no entender feminino, ao convívio familiar.

A bicicleta é considerada como “a outra” e motiva amiúde uma reacção virulenta que, em alguns casos, pode culminar em ultimatos infames conducentes a malas de viagem trasladadas para a porta da habitação comum antecedidos de prosaicos “ou ela, ou eu” - opção, aliás, bem dolorosa, se me é permitido.


A TEMPERANÇA É A MÃE DA CONCÓRDIA

Entre o zen conjugal do casal betetista e o ciume feminino avassalador há um mainstream de situações que, geridas de modo inteligente, podem permitir que o triângulo se perpetue prevenindo indesejáveis situações de ruptura.

O vértice velocipédico do triângulo tende, assim, ser encarado, pelo lado feminino, com bonomia e até alguma cumplicidade. Amiúde se escutarão frases do tipo - “pelo menos, enquanto estiver com ela, não estará com outra” ou um sempre tranquilizante “é ridículo sentir ciúmes de um pedaço de metal”.

Na impossibilidade prática de recrutamento feminino voluntário para as aventuras épicas pelos trilhos, a manutenção deste estado de equilíbrio do triângulo é fulcral para que os momentos ex ante e ex post aos actos de pedalar não se convertam no inferno na Terra.

Assim, as atitudes irreflectidas, derivadas de excessos de testosterona, são más conselheiras pelo que, a gestão cuidada e rigorosa, a nível estratégico e táctico, deste dossier é fundamental. Como, por vezes, os fins justificam os meios, são vantajosos estados de ignorância induzida sobre os custos financeiros da máquina bastando, para tal, numa qualquer grande superfície do rectângulo nacional, demonstrar que afinal uma bicicleta lustrosa não ultrapassa umas míseras 150 unidades de conta europeias. Nem debaixo de tortura, revelem o valor real do vosso quadro de carbono de última geração, ou das rodas ultra-light que vos potenciam a pedalada – no news, good news!

A arte diplomática deve ser cultivada a outrance procurando demonstrar que, apesar da satisfação obtida pelas milhas efectuadas e pela panorâmica do alto da serra respirando o ar puro e sentido-se o “rei do mundo”, o vértice feminino do triângulo é insubstituível tornando a máquina meramente instrumental no reacender permanente da chama amorosa permitindo até mesmo ganhos fisiológicos de saúde potenciadores da relação.

Sobretudo tenham em consideração que, dissolver o triângulo será a médio prazo uma pesada cruz difícil de carregar – se abdicarem da bicicleta tenderão a pressionar a escala da balança, a saúde, o bem estar e, a breve trecho, poderão comprometer a relação familiar e outrotanto acontecerá se optarem, de modo egoísta, pelo aparato metálico em detrimento da criatura feminina já que entrarão num estado de letargia anímica que vos impedirá de concretizar o intenso esforço que requer subir aquela montanha, percorrer a tal centena de quilómetros e desfrutar em pleno da incursão.


EM SUMA

Não esquecer então - a menos que a vossa companheira vos iguale e, quiçá, vos supere no entusiasmo pelo pedal e os grandes espaços – a temperança é a virtude que deverão cultivar intensamente, sob pena de, no balanço final vos quedardes solitário - sem bicicleta nem companhia feminina.

1 comentário:

100anos disse...

Durante anos vivi um triângulo agridoce: era eu, ela e a viola.
(Já chego à bicicleta).
Como a viola acaba por ser também um instrumento do bem estar social, foi sendo tolerada em doses limitadas - numa ocasião fomos a casa de uns amigos e a certa altura ele pergunta-me "então e a tua querida, não veio ?" (a "querida" era a viola...), o que deixou a minha legítima algo abespinhada mas a educação levou a melhor e ela segurou-se, mas mais tarde em casa não deixou de me dizer que essa história da “querida” era altamente dispensável, o que me obrigou a posteriores exercícios de ginástica que agora não vêm a propósito.
“A viola” cá em casa é um conceito, não é um objecto, pois tenho sete violas e toco com elas todas.
Nos longos serões alentejanos em que pego na viola e me aborrece o barulho da televisão, inventei um modus vivendi jeitoso: toco numa das violas eléctricas ou numa semi-acústica ligada a um ampli e tenho a saída de som do ampli para uns auscultadores – toco à vontade sem chatear ninguém e sem que ninguém me incomode.
A este triângulo, em que um dos vértices tem sete arestas bicudas, veio há coisa de 2 anos juntar-se a bicicleta – sempre adorei bicicletas e quando a situação económica então favorável combinou com a necessidade de fazer algum desporto comprei a minha bicla Claud Butler, inglesa, muito bem acabada, com uma geometria invejável e um desempenho bastante bom e comecei a sair com ela por períodos cada vez mais prolongados – pois a minha excelentíssima não só apoiou como se dispõe agora a dar umas voltas comigo mas como tem um problema de falta de equilíbrio, optou por uma tricicleta (enfim, optei eu, que ainda lha vou oferecer) e tem uma atitude bastante benévola para com a amiga de 2 rodas, preparando-se para as 3 rodas – claro que protesta que a casa é um repositório de violas e de bicicletas mas já compreendeu que elas são instrumentos essenciais da nossa qualidade de vida e os protestos mantêm-se moderados.
Por exemplo no Alentejo com porta directa para a rua, é simples e rápido ir comprar alguma coisa de bicicleta, a vantagem é tão evidente que ninguém põe em dúvida, dentro de uma aldeia/vila a bicicleta é a melhor opção de mobilidade – de longe.
In casu o quadrilátero está composto com variantes e funciona bastante bem.
Abraço e boas pedaladas,
Francisco