It was a very old idea: to spin in the turns of the formers railways of Vouga and Dão...
A ideia já tinha uns anos: pedalar pelas curvas e contracurvas das
linhas desactivadas do Vouga e do Dão. As expectativas eram baixas.
As duas linhas desactivadas há já alguns anos e com passagem pelo
meio de tantas localidades já deveriam estar obstruídas, ora por
construções, ora pela vegetação. Mesmo assim, se não fosse possível
pedalar pela linha, certamente que aquela zona do país não nos
desapontaria em termos de beleza natural.
Este ano, munidos de um simples mapa de estradas e de um GPS, o
projecto foi finalmente avante.
10/07/2005
Leiria – Carvoeiro (algures na margem do Vouga)
Pouco passava das 8:00 da manhã quando saí de casa. Rapidamente
desci os 6 quilómetros que separam a minha aldeia da cidade de
Leiria, que por ser domingo, estava deserta. Fiz a subida do dia até
chegar a casa do Nuno, o meu companheiro de jornada. Lá estava ele
ansioso e pronto para seguir. Agora já éramos dois e a nossa
aventura começava.
Sempre por alcatrão, descemos até atravessar a tristemente famosa
Ribeira dos Milagres. Voltámos a subir suavemente para a Bidoeira e
mais à frente encostámos à Ribeira de Carnide que nos havia
de "levar" até ao Mondego. Começaram a aparecer os primeiros
arrozais. No início, timidamente num vale ainda estreito mas depois
numa área muito maior e a perder de vista. Procurando o melhor
caminho, pedalámos cruzando o vale, embalados pelo "ta-ta-ta..." das
motobombas e pelos pios das aves de rapina que por ali voavam.
Espectáculo! Rodeados de arrozais e a pedalar em terra, o dia estava
a começar bem, até o caminho parecer querer acabar, logo ali com os
carros a passar numa estrada alcatroada mesmo à nossa frente. Não
calhava nada ter de voltar atrás e procurar outro caminho. E não foi
preciso porque havia uma pequena comporta para regularização do
nível das águas e com algum equilíbrio conseguimos passar
para "terra firme".
Depois das Termas da Azenha (local conquistado, recuperado e
invadido por holandeses) chegámos finalmente ao Mondego. Já tínhamos
visto uma placa a indicar "Mata Mourisca" e agora chegávamos
a "Moinho do Almoxarife". Como se isso não bastasse, o simpático
dono do café local era um homem bem moreno e de bigode. Um autêntico
muçulmano. Definitivamente estávamos ainda em território mouro".
Talvez o Mondego fosse a fronteira, mas como pudemos verificar bem
mais a Norte, ainda haveríamos de passar por Mourisca do Vouga.
Aproveitámos a paragem para tomar um segundo pequeno-almoço e
arrancámos de novo debaixo de forte calor. O Mondego e os seus
canais acompanharam-nos durante vários quilómetros, primeiro até
Montemor-o-Velho e depois até ao Choupal em Coimbra. Aqui, chegados
a uma rotunda, rapidamente avistámos as primeiras setas amarelas que
apontam para Santiago de Compostela. Aquelas longas rectas planas
pelos campos do Mondego, já me estavam a fazer mossa e foi com
alguma boa vontade que me deixei convencer pelo Nuno a pedalar até
Santa Luzia onde um belo restaurante nos haveria de saciar a fome e
a sede. Até lá seguimos as setas amarelas atravessando pequenas
aldeias nos arredores de Coimbra.
Finalmente o restaurante. E ainda por cima com ar-condicionado.
Sopa, sandes de leitão, melão e café, foi quanto bastou para
voltarmos à estrada. Até à Mealhada o Caminho de Santiago entra
verdadeiramente em terra. Pedalámos por vinhas, hortas e pinhais. O
percurso está bem marcado e até tem setas pregadas em árvores:
amarelas para Santiago e azuis em sentido contrário para Fátima.
Antes de chegar à Anadia ainda nos perdemos, pois no meio de um
pinhal estavam duas setas amarelas e cada uma indicava um caminho
diferente. Devemos ter escolhido mal porque só encontrámos mais uma
seta. O que nos valeu é que apareceu mais um café e fizemos uma nova
paragem para refrescar.
Mais à frente reencontrámos o Caminho, que voltámos a perder à saída
de Águeda. Estes desencontros foram sempre oportunidades para
conhecer novos trilhos e apimentar a jornada com a incerteza de
estar a tomar a opção certa. Costuma dizer-se que "A sorte protege
os audazes" e é verdade. Pelo menos connosco bateu sempre tudo
certo, avançando para norte sem percalços.
Nova paragem. Desta vez, ao atravessarmos uma aldeia por uma rua
estreita, fomos "barrados" por uma procissão que avançava em nossa
direcção. Foi um bom pretexto para descansar um pouco. Tirámos os
capacetes, encostámos à berma e aproveitámos para fotografar o
desfile, com mordomos, andores, banda filarmónica e criancinhas
vestidas de anjinhos e Nossas Senhoras. Só mesmo nós é que
destoávamos no meio de tanta gente com o "fato de domingo".
Entretanto íamo-nos aproximando do rio Vouga e em Macinhata do Vouga
tivemos o primeiro contacto com o ramal de Aveiro, onde ainda passam
comboios. Foi com grande espanto que ao chegar a Sernada, deparámos
com uma ponte onde carros e comboio partilham o tabuleiro, um de
cada vez, claro! Nesta localidade bem pitoresca, jantámos no bar da
estação. Deviam ser quase 20:00 e havia que enganar o estômago.
Aproveitámos também para comprar alguma coisa para tomar ao pequeno-
almoço.
A estação de Sernada estava cheia de velhas carruagens,
completamente "decoradas" com graffitis e com poucos vidros
inteiros. Já meio ocultos pela noite que começava a cair, pedalámos
pelo meio dessas composições e à saída da estação entrámos numa
estrada de alcatrão que só se dá conta que já foi uma linha de
comboio, porque, mais à frente, tem uma ponte metálica bastante
estreita. Debaixo do IP5 a linha desapareceu completamente mas foi
possível encontrá-la de novo e fazer mais algumas centenas de metros
em terra.
Surgiu a primeira contrariedade. Depois de atravessar o alcatrão a
linha estava cheia de mato e era impossível progredir. Por esta
altura já era noite cerrada mas como tínhamos luzes, coletes e
reflectores, decidimos seguir por estrada e tentar retomar a linha
mais à frente. Um pouco mais à frente o Nuno saiu de repente para a
esquerda e eu segui-o meio atrapalhado, conseguindo a proeza de
entalar a corrente entre os dois pratos mais pequenos. Poucos metros
à frente a linha voltava a estar cheia de mato e aquele pequeno
troço apenas servia duas garagens de umas casas que havia por ali.
Ali ficámos a resolver a avaria enquanto os cães ladravam e um pouco
mais acima, uma voz de mulher meio assustada chamava pelo Carlos
(?). Respondemos que não éramos o Carlos e já na estrada com a
avaria resolvida ainda ouvimos a senhora a chamar-nos " – Seus
malandros!" e que já tinha chamado a GNR.
A senhora não deve ter ganho para o susto e eu, confesso, não fiquei
muito satisfeito com a ideia de ter a Guarda à perna, embora não
tendo feito nada de mal. Concluímos que não adiantava continuar e no
primeiro corte que descobrimos para o rio, descemos para pernoitar.
Numa zona onde o vale é bastante estreito, tínhamos descoberto uma
praia de seixo e umas acácias a fazer de telhado. Um verdadeiro
hotel de mil estrelas com vista rio e águas correntes. Um luxo! O
pior foi ter de adormecer transpirado dentro de um saco cama, por
causa dos mosquitos e das melgas. É que apesar de nos termos
besuntado com repelente a bicharada não deu tréguas. Até um cão
vadio por ali apareceu (ou seria o Nuno a ter visões?). Para
completar o quadro, os eucaliptos não pararam de fazer barulho toda
a noite sacudidos por forte vendaval. Só faltou chover.
11/07/2005
Carvoeiro (algures na margem do Vouga) - Viseu
Ainda não eram 7:00 e já estávamos novamente à beira do alcatrão.
Aproveitámos o facto de haver ali um pequeno estacionamento com uma
grande mesa em pedra, para tomar o pequeno-almoço e acondicionar
decentemente toda a tralha desarrumada à pressa na véspera. Depois
da experiência da noite anterior, decidimos que nesta zona não
valeria a pena insistir em pedalar pela linha. Até porque ela estava
ali, mesmo encostada à estrada, mas uns metros mais alta. Iniciámos
então o nosso dia pedalando por alcatrão, até que um pouco à frente
avistámos um grande viaduto em alvenaria, que atravessava o vale
para o outro lado. Só podia ser a linha. Na primeira oportunidade
saímos da estrada e subindo um pouco lá a apanhámos, mesmo à entrada
do tal viaduto. Apesar de ser bem alto, foi atravessado em segurança
porque, tirando algumas travessas que ainda resistem ao tempo,
parece uma normal ponte rodoviária com o piso em terra. Foi o
momento para tirar umas fotos e apreciar a paisagem. Mas o melhor
ainda estava para vir.
A partir daqui o eucalipto começou a dar algum espaço a outras
espécies bem mais frescas, o piso em terra mantinha-se perfeitamente
ciclável e apareceram os primeiros túneis (curtos a não ser
necessário utilizar luzes). O vale tornava-se mais largo e
começávamos a passar pelo meio de algumas aldeias com campos
cultivados. Um regalo para a vista! A partir daqui e até Viseu cerca
de 90% do percurso é ciclável.
Com o Sol a apertar, encontrámos uma mercearia onde comprámos fruta.
Enquanto comíamos, fomos contemplando à nossa frente uma imponente
fábrica de massas alimentares em ruínas, que recebia energia de uma
mini-hídrica construída um pouco mais abaixo, no Vouga. Um
verdadeiro monumento à nossa indústria, a merecer melhor destino. Lá
estavam os enormes silos de cereais junto à estação a deixar
adivinhar a importância que a Linha do Vouga teve, no transporte de
pessoas e mercadorias.
De vez em quando o mato invadia o percurso e o piso tornava-se muito
duro. Tudo em pequenos troços que não dava para nos desanimar.
Quando nos aparecia um obstáculo saíamos da linha e poucas centenas
de metros mais à frente era possível retomá-la. Encontrámos de tudo
a impedir-nos a passagem: casas novas, prédios, aviários, uma Ford
Transit ferrugenta, blocos de pedra, campo de futebol, etc.
Numa das várias aldeias que íamos atravessando, encontrámos mais uma
mercearia e nova oportunidade para nos refrescarmos, desta vez com
um melão. Antes de chegar a Vouzela fizemos a parte mais dura do
dia. Tinham andado a cortar as árvores e o percurso estava cheio de
ramos. Tivemos de progredir com a bicicleta à mão, debaixo de um Sol
abrasador. Mal apanhámos o alcatrão ali ao lado, esquecemos a linha
e descemos para o almoço.
Já a pedalar à dois dias, debaixo de muito calor e sem tomar banho,
resolvemos almoçar na pequena esplanada de um restaurante, para não
estragar o ambiente no interior. O nosso mau aspecto era tal que a
senhora que nos atendeu perguntou-nos se não queríamos tomar um
duche para ficarmos "mais frescos". Agradecemos a simpatia mas a
hora era de comer e não de nos preocuparmos com "coisas menores".
Definitivamente estávamos num "país diferente": a dose era a preço
de "Mouro" mas enfartava dois "Galegos". Depois da "vitelinha de
Lafões" ainda nos fomos deitar no jardim, por baixo do viaduto
ferroviário, mas a visão de tão imponente construção que haveríamos
de transpor e o ataque das formigas, rapidamente nos fez pôr de novo
em marcha .
Abastecemos de água numa fonte muito antiga e atravessámos a parte
antiga de Vouzela, subindo uma rua bastante inclinada até encontrar
novamente a linha. Durante estes quatro dias quase nunca comprámos
água. Apesar da seca, fomos sempre aproveitando a água das fontes
sem que tenhamos sentido qualquer problema de saúde.
De Vouzela para as Termas de S. Pedro do Sul, a distância é curta
mas o desnível é acentuado. Como é que isto se fazia de comboio?
Simples! Depois de atravessar o viaduto, cruzámos a antiga estação,
agora recuperada e transformada em terminal rodoviário. Ali ao lado
uma antiga locomotiva a vapor em exposição lembra outros tempos.
Depois a linha descreve uma espécie de "oito" num carreiro cheio de
pedras que teve de ser feito sempre a travar (?). Uma delícia!
Nas Termas fizemos mais uma paragem para comer um gelado e retomámos
o percurso para descer o que faltava até S. Pedro do Sul. A partir
daqui até cerca de quatro quilómetros de Viseu, a linha é quase
sempre a subir. Primeiro flecte para Sul durante um bocado, para dar
meia volta e seguir para Norte, numa direcção paralela mas em cota
mais elevada. Curvas e contra-curvas foi coisa que não faltou ao
longo deste dia. Nesta zona o percurso é quase sempre em estradão
sem vegetação a complicar (à excepção de um pequeno troço onde havia
um fogo, antes de chegar a Moçamedes).
Em S. Miguel do Mato passámos ao lado de uma igreja muito antiga
(seria um convento?), junto a um cemitério abandonado com vista para
um vale profundo, encimado por alguns penhascos. Tudo aquilo ali no
meio do nada fez-me lembrar algumas paisagens do Gerês. Mais à
frente com a aproximação à cidade de Viseu, a linha começou a deixar
de se perceber e satisfeitos com o que já tínhamos feito, pedalámos
por alcatrão até à cidade.
Ainda antes de atingir a cidade, após alguma teimosia, dei-me por
vencido e resolvi trocar uma câmara que perdia ar. Ainda com dois
dias para pedalar era um desperdício deitar fora o líquido selante
da câmara rota, ainda por cima porque não o tinha na câmara nova.
Nada que não se resolvesse! Cortámos a parte de cima de uma
carrapeta e ficámos assim com um pequeno "tubo roscado", onde
apertámos as válvulas das duas câmaras-de-ar, uma de cada lado. Com
as câmaras unidas pelas válvulas, foi só espremer o "sumo" da velha
para dentro da nova e recuperámos assim grande parte do líquido
selante. Tirando um pequeno contratempo no primeiro dia, também com
uma câmara (que até nem foi preciso trocar) e o episódio nocturno da
corrente encravada, não houve mais problemas técnicos.
Chegámos finalmente a Viseu onde desta vez dormimos numa residencial
com direito a banho, lavagem da roupa suja e garagem para as
bicicletas. Nessa noite deu para dormir bem e recuperar as forças
para o dia seguinte.
12/07/2005
Viseu – Pomares (sopé da Serra do Açor)
Depois de tomado o pequeno-almoço estávamos como novos, bem dormidos
e entusiasmados com a jornada do dia anterior que tinha superado as
nossas melhores expectativas. A Linha do Vouga tinha sido percorrida
quase na sua totalidade, dando-nos a conhecer a bela região de
Lafões. Agora faltava descobrir o que a Linha do Dão tinha para nos
oferecer.
Descemos a cidade em direcção à rotunda onde dantes existia a
estação. Andámos por ali um pouco perdidos até que encontrámos o
armazém das mercadorias, que ainda resiste, ao serviço de uma
empresa de distribuição de encomendas. Imediatamente ao lado do
barracão seguimos o antigo traçado da linha que seguia pelo meio das
casas, atravessando os subúrbios da cidade, sempre num piso liso e
rápido. Nem queríamos acreditar: Tínhamos saído de Viseu logo pela
linha e ali continuava ela sem dar sinais de querer desaparecer.
Pedalámos forte até aparecer aquilo que iria dar o mote deste dia:
Uma pequena ponte sobre uma ribeira, com um vão de pouco mais de
cinco metros, apresentava como "tabuleiro" duas vigas de ferro
afastadas cerca de um metro uma da outra. Tivemos de passar em
equilíbrio, com a bicicleta em cima de uma viga e nós a segurar em
cima da outra. Fácil! Do outro lado o caminho continuava em bom piso
a convidar a pedalar forte.
Atravessámos uma vinha, evitámos um silvado, contornámos o desaterro
feito para a construção de duas vivendas e chegámos a uma ponte, ali
para os lados de Torredeita. A Ponte metálica tinha um vão e uma
altura consideráveis e como "tabuleiro" tinha de um dos lados uns
quadrados em cimento de aspecto muito duvidoso e que se moviam
quando os pisávamos. Avançámos pé-ante-pé, sempre a contar que uma
daquelas placas se partisse. Quando verifiquei, numa que estava
partida, que tinham uma malha interior de ferro, fiquei um pouco
menos tenso e o meu nível de confiança aumentou. Mesmo assim, só
quando ambos nos encontrámos já do outro lado é que respirámos fundo.
Logo mais à frente o mato começou a invadir a linha e para piorar as
coisas, neste troço ainda permaneciam os carris e as travessas.
Tivemos de avançar lentamente com as bicicletas à mão até sermos
barrados pelas obras de construção de uma nova estrada. O alcatrão
estava perto e foi por aí que seguimos até voltar a encontrar a
linha em Farminhão. Daqui até Tondela foram poucos os desvios que
tivemos de fazer, sendo mesmo o maior, a deslocação ao centro da
cidade, onde almoçámos numa magnífica esplanada em frente aos
Bombeiros.
Depois do almoço e de novo à procura da linha, logo fomos
presenteados por uma segunda ponte metálica. Desta vez só tinha
mesmo as duas vigas principais. Pelo menos o ferro das vigas era
forte e não abanava. Lá fomos devagarinho, com uma mão no avanço da
bicicleta e outra no corrimão, um de um lado e outro do outro.
Quando estava quase a chegar ao outro lado verifiquei que faltavam
cerca de três metros de corrimão. Voltar para trás era impensável e
por isso tive de me encher de coragem e avançar em verdadeiro
equilíbrio até voltar a ter onde me agarrar.
Daqui para a frente a pedra começou a fazer-se sentir. No início
ainda pedalámos em bom piso mas depois as aldeias começam a ficar
mais distantes, há menos terrenos de cultivo e a linha parece que só
serve mesmo para que alguns malucos como nós por ali passem. Foram
alguns quilómetros bem duros, sempre a chocalhar e a rezar para que
nada se partisse. Numa das paragens que fizemos, aproveitámos para
nos refrescarmos com a água que saía de uma mina e que corria por um
rego até umas manilhas, donde depois se regava uma horta. Se era
própria para consumo? Não sabemos. Mas que soube bem, soube!
O rio Dão fazia a sua aparição, largo, açudado pela Barragem da
Agueira alguns quilómetros mais abaixo. No ar várias aves de rapina
voavam e piavam ao sabor da brisa quente. O Nuno ainda sugeriu uma
banhoca mas ao aproximarmo-nos da água, rapidamente desistimos.
Entretanto faltava pouco para chegar ao fim da linha em Santa Comba
Dão e como era cedo tínhamos de decidir o que fazer. Até porque, ao
chegarmos à ponte que atravessa o Dão, verificámos que era
completamente impossível a travessia. A ponte é muito comprida e só
tem as vigas. Seria de loucos tentar fosse o que fosse.
O desejo da banhoca deu o mote. Em Pomares existe uma bela praia
fluvial com um parque de campismo do melhor que conheço. O Nuno "deu
corda" ao GPS e poucos segundos depois ficámos a saber que quarenta
quilómetros de estrada nos separavam dessa aldeia no sopé da Serra
do Açor. Vendo que tínhamos tempo para lá chegar demos por
terminada, ali à entrada da ponte, a nossa viagem de "comboio". A
pequena distância que nos separava de Santa Comba foi percorrida
primeiro por um caminho de terra que parecia não parar de subir e
depois por alcatrão, novamente pela margem do Dão.
Atravessado o Dão, subimos, para voltar a descer à mesma cota, mas
desta vez para atravessar o Mondego. Nova subida até Tábua e depois,
embora mais suave, sempre a subir até à EN 17. Pedalámos um pouco
nesta via até que virámos à direita e sempre a descer alcançámos o
rio Alva na localidade de Avô. Cerca de quatro quilómetros, pelo
vale da Ribeira de Pomares nos separavam do nosso destino.
Mal chegámos, parámos no café para encomendar o jantar e fomos ao
parque de campismo para fazer a inscrição. Tudo muito rápido porque
a água da ribeira esperava por nós. Finalmente um mergulho e umas
braçadas por baixo da ponte romana. Não fora a água estar gelada e
se calhar ainda lá estaríamos. Sem dúvida um local a visitar. Nessa
noite dormimos sob a copa das tílias do parque, sem mosquitos nem
formigas. Antes de adormecer, disse ao Nuno: "- Amanhã estamos em
Leiria". Ele resmungou qualquer coisa que me recuso traduzir e ainda
tive tempo de ouvir uns campistas a dizer. "- Aqueles tipos vão
dormir ao relento!". E que bem que dormimos!
13/07/2005
Pomares – Leiria
Havia que tomar uma decisão. Ou seguíamos pelo vale do Alva, ou
subíamos a serra e pedalávamos pela cumeada até Gois. Ainda não
sabíamos qual o destino a atingir neste dia, apenas que pedalaríamos
em direcção a Leiria. Até porque o meu companheiro estava com
uma "impressão" no joelho. Enquanto tomávamos o pequeno-almoço,
decidimos que a volta pela serra seria mais interessante. Comprámos
alguma coisa para o almoço, carregámos com água (da fonte) e
seguimos serra acima. Pelo caminho íamo-nos distraindo com a beleza
das aldeias e suas casas em xisto e com o flagelo dos incêndios que
deixam grandes manchas a preto e branco. Chegados à estrada que liga
Coja ao Piodão, pudemos verificar que a Mata da Margaraça ainda não
tinha ardido, embora o fogo tenha andado perto.
Atingido o ponto mais alto desta estrada, virámos para Oeste e demos
início a um sobe e desce pela cumeada da serra. Passámos junto a um
posto de vigia, cruzamo-nos com vigilantes do ICN num carvalhal e
almoçámos num parque de merendas, junto a um local onde se
concentravam meios de vigilância da área protegida da Serra do Açor.
Da parte da tarde a coisa complicou-se. Logo a seguir à paragem do
almoço fizemos uma subida em terra como ainda não tínhamos feito
nestes dias. O Sol a pino e a ausência de sombra aumentavam a
dificuldade e ainda por cima a neblina não deixava alargar a vista
pelo horizonte. Já por aqui tinha passado (vindo de Linhares da
Beira, aquando dos primeiros reconhecimentos para a elaboração da
Rota das Aldeias Históricas) e a paisagem que se avista num dia
limpo é indescritível. Basta lembrar que estamos na cumeada de um
conjunto de serras que "cortam" o país ao meio: o sistema Montejunto-
Estrela. Lá se fez a subida, seguida de uma descida muito comprida e
depois de passar um tanque de água apareceu uma nova "parede" maior
que a anterior. Depois de superadas estas duas subidas é que
verificámos que afinal não eram nada de especial e que nós é que
andávamos há três dias mal habituados, a viajar de "combóio".
Ainda nos cruzámos com uma vigilante que, do cimo da sua torre, nos
cumprimentou e iniciámos uma descida vertiginosa até Gois, de que só
me lembro de uma zona onde o piso estava coberto de algo
avermelhado. Mais tarde, entre Gois e a Lousã, pude verificar que se
tratavam das vagens secas das sementes das acácias. São milhões os
pequenos grãos pretos que ficam a cobrir as bermas da estrada entre
estas duas localidades, depois das vagens voarem com o vento.
Em Gois fizemos uma paragem numa esplanada à beira do rio Ceira.
Ainda não eram três da tarde e a "impressão" no joelho do Nuno não
passava disso mesmo, uma impressão. A partir daqui e quase sem
darmos conta, foi quase um contra-relógio até Leiria. Sempre por
alcatrão chegámos à Lousã, onde fizemos nova paragem para mais um
gelado. Miranda do Corvo ficava logo à frente e ao seguirmos o rio
Dueça ou Corvo, sem subir e num piso a pedir roda fina, passámos
Penela quase sem dar conta. Chegámos à zona do Sicó que nos convidou
a deixar o asfalto e percorrer alguns quilómetros de terra até perto
de Lagarteira.
Com Ansião logo ali à frente ficou claro que este dia terminaria em
Leiria e seria o último desta aventura. Jantámos cedo em Ansião e
eram oito horas quando nos pusemos de novo ao caminho. Ainda fizemos
um bocado de terra antes de Santiais onde já chegámos de noite.
Albergaria-dos-Doze, Memória e Caranguejeira foram sendo alcançadas
uma a uma, até que em Leiria, frente ao ferro-velho nos separámos.
Cheguei a casa por volta das onze da noite ainda incrédulo com a
etapa que tínhamos feito neste dia.
No final fizemos cerca de 510 quilómetros e 5700 m de desnível
acumulado, nada mau!
Para o ano quero repetir, hajam compreensão familiar, pernas e
companhia.
E tu? Do que é que estás à espera?
2 comentários:
Boa... Parece que da próxima vamos juntos.
FO
Tem que ser reconstruida e reactivada o caminho de ferro dessa bonita linha de Vouga!
(Um entusiasmo alemão)
Enviar um comentário