quarta-feira, 22 de outubro de 2008

De Coimbra às Caldas da Rainha pela Costa

160 kms. certinhos sem acrescentar sequer mais ou menos dez metros à distância percorrida, no passado domingo, por mim entre a zona alta de Coimbra (Olivais) e a estação ferroviária das Caldas da Rainha.

Mais impressionante que o número redondo da quilometragem foi o facto não ter havido um único engano no trajecto. É impressionante que um track traçado em cima da “pantalha googlearthiana” por “trilhos nunca dantes navegados” (à parte do sub-troço Coimbra – Montemor, a ligação por ciclovia Praia de Vieira / Nazaré e daí em diante correspondente ao traçado da semana anterior em sentido inverso) e em que tudo o resto era “terreno virgem” não tenha obrigado a uma única inversão ou busca de passagem alternativa. Fantástico, o GE é a melhor invenção desde o pão de forma ou a cerveja em lata. Dois distritos (Coimbra e Leiria) foram percorridos bem como dez concelhos (Coimbra, Montemor o Velho, Soure, Figueira, Pombal, Leiria, Marinha Grande, Nazaré, Alcobaça e Caldas da Rainha).

É o lado cinetífico da questão já que afastamos, deste modo, grande parte da imponderabilidade tornando o risco bem calculado.

A ideia de tal incursão foi ligar Coimbra às Caldas e daí tomar a “automotora azul” até Lisboa pela linha do oeste. Curiosamente o único imprevisto deveu-se à REFER e não a mim ou à bicicleta (esses tiveram um rendimento digno de menção positiva). De facto, quando pensava ir até à estação do Cacém e aí trocar para o suburbano que me levaria a Sete Rios. Acontece que a rapaziada da REFER aproveitou o fim de semana para efectuar reparações e a viagem ficou-se por Meleças, com um transbordo BUS até Cacém. Obviamente que a bicicleta não cabe num autocarro cheio e já me estava a ver a pedalar até alcançar uma das estações da linha de Sintra. O problema não estava, obviamente no pedalar (quem faz 160 sempre pode fazer mais 3 ou 4) mas no pedalar após a sensação de “detente” correspondente ao sentar confortavelmente numa carruagem a ler o JN, ou seja, não apetecia mesmo nada. O que valeu foi mesmo o meu amigo Jorge Cláudio que me desenrascou uma boleia, não até ao Cacém mas até à porta de casa. Quem quer bons amigos... Obrigado Jorge, após 160 kms. e uma viagem de comboio que parava em todas as estações e um atraso final de meia hora soube mesmo bem!

Mas e a inscursão? Bem essa foi uma epopeia. De facto não são todos os dias que se pedalam 160 kms. e acima de tudo que tudo, ou quase tudo, concorre para a perfeição. Foi aquilo que se passou no domingo. O facto mais surpreendente foi o de ter algum receio de poder falhar o comboio das 19:00 nas Caldas e de, no final, ter estado uma hora e meia a aguardar o comboio das 17:40! É verdade a “coisa” correu tão bem e o “conjunto” entendeu-se de tal modo que a média, apesar do “pneu gordo” ao chegar à Nazaré, ia nos 23 kms./h. (superior a 19 no final com as serras após a Nazaré). Convirá, no entanto, referir que a altitude se quedou por uns modestos 1700 metros e se concentrou, sobretudo no troço Nazaré – Caldas.

A saída deu-se pelas 06:45 após uma noite muito bem dormida e um pequeno almoço paradigmático (3 maças, 1 sanduiche de queijo e um copo de leite, como mandam os manuais). De facto estes dois aspectos, que muitas vezes descuramos, podem fazer toda a diferença, sobretudo numa quilometragem vasta ou numa altimetria extrema. Como a mudança de fuso horário (hora de Inverno) ainda não se verificou os primeiros quilómetros foram feitos na escuridão (o display do GPS só passou a “daylight” às 07:48). Nas bem iluminadas ruas de Coimbra não se nota grande coisa mas na estrada junto ao Choupal, a total escuridão (apenas atenuada pelos leds da lanterna frontal) em conjunto com um nevoeiro cerrado, o arvoredo e as corujas a darem um toque fantasmagórico. Estava a ver quando é que o conde Drácula saia detrás de um arbusto. Mas nada de sobrenatural aconteceu e aquela estrada plana até Montemor, apesar do bréu inicial, foi percorrida num ritmo perto dos 30 kms. / h pois tinha de aproveitar as facilidades enquanto podia. Ainda antes de Montemor o dia já tinha despontado e transpûs o curso novo do Mondego entre Ereira e Verride. Foi o final do percurso em direcção a poente. Começava agora a direcção SW.

Aqui, transposta a ponte e a linha férrea (linha da Figueira da Foz) acabaram-se as facilidades. De facto internei-me na serra que me conduziu a Abrunheira e começam as primeiras subidas do dia num piso de terra em bom estado de conservação. A paisagem, apesar da névoa, a revelar-se de grande beleza. Foi tempo de descer, após Cerejeira, até aos arrozais do Rio Pranto, subsidiário do Mondego não sem antes atravessar a via férrea (linha oeste) junto às antigas termas da Amieira.

Transpostos os arrozais passei também por debaixo do viaduto da A17 sempre por estradas secundárias e com velocidades interessantes durante alguns quilómetros até perto de Paiões junto à Fonte das Carriças. Neste local havia que subir acentuadamente a serra e o eucaliptal por um piso fortemente degradado. Duas velhotas transportavam garrafões com água, acabados de encher e ficaram estupefactas quando me viram a abordar a subida tendo uma delas gritado para eu desmontar já que, caso contrário, “rebentava com o coração!”. Ao som das suas vozes venci os derradeiros metros ascensionais e alcancei Paiões, localidade do concelho da Figueira. Depressa percorri as ruas de asfalto e segui por caminhos secundários previamente escolhidos no GE.

Seguiram-se Franco, Casal da Seiça, Cagarata e Matos antes de cruzar a movimentada EN 109 que liga Leiria à Figueira. A partir daqui é o reino do Pinhal. Entrei então na extraordinária Mata Nacional do Urso e o percurso vira agora, maioritariamente, para sul. Segui sempre pela estrada (pavimentada mas com um piso muito degradado) que acompanha um aqueduto e gasoduto subterrâneos durante muitos quilometros até me cruzar com o acesso à praia do Osso da Baleia (nomes curiosos quer o da mata, quer o da praia).

Após este ponto a repetição do anterior asfalto degradado pelo meio do pinhal quilometros a fio para sul até chegar aquele que considero o ponto alto da incursão: a lagoa do Ervedal. Situada a meio da travessia (perto do km. 80) correspondeu a uma alteração do mesmo; em primeiro lugar por ser o ponto correspondente a 50% do percurso e onde aproveitei para fazer a primeira paragem (o que atesta bem sob o ritmo que o terreno permitiu), depois porque o sol despontou vencendo, finalmente, a névoa, depois porque aproveitei para repor energias, descansar, relaxar e livrar-me do excesso têxtil que me protegera do frio (na verdade apenas umas perneiras de ciclismo). O local é paradisíaco. Se ainda não o conhecem digo-vos que merece um desvio. Tem um passadiço em madeira ao longo da margem poente com uns bancos. Num deles aproveitei para compor o corpo da postura de várias horas em cima da bicicleta.

Entrei na Mata Nacional de Pedrógão e pelo meio do pinhal (embora por asfalto) segui em direcção à Praia da Vieira de Leiria. Não sei antes transpôr a ponte do Lis e seguir pela sua margem esquerda até perto da foz, na Praia de Vieira.

Aqui começa a grande ciclovia da Estrada Atlântica que nos irá conduzir, de modo quase ininterrupto, até à Nazaré, passando por São Pedro de Moel para depois seguirmos pelas serras e pela Lagoa de Óbidos até às Caldas num percurso inverso ao descrito na semana passada.

Obviamente que, após a Nazaré, com as dificuldades que o relevo passou a apresentar e com o “binómio” francamente adiantado relativamente às perspectivas iniciais, foi tempo de poupar o tónus nas subidas de molde a chegar ao final em muito razoável estado de conservação.

Mais uma grande jornada e a sensação nítida e gratificante da subida de forma. Pena que a Hora de Inverno venha aí ditando as suas leis e dificultando, sobremaneira as travessias e as grande quilometragens.

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