If anything can go wrong, it will!
Confesso que, por mais de uma vez, deixei cair uma torrada no chão e sempre a face amanteigada tinha ficado para cima. Por essas e por outras julgava-me imune à controversa Lei de Murphy. No passado domingo tive a prova concreta que não é bem assim.
Passo a explicar: pretendi ligar, em BTT, Torres Vedras a Santarém para visitar o Festibike 2008. Achei por bem que seria mais interessante lá ir de bicicleta do que numa viatura automóvel. Para isso esbocei o plano, procurei compilar alguns tracks da zona, improvisei algumas ligações entre eles e preparei-me física e psicologicamente para cobrir os 90 kms. de distância recorrendo à colaboração da Linha do Oeste que me ligaria a Torres Vedras confortavelmente sentado naquela carruagem azul cruzando a magnífica paisagem.
Mais uma vez não consegui arranjar cúmplices para a travessia mas como ultimamente assim tem sido isso achei que isso não me impederia de a efectivar.
Para a ligação ferroviária teria duas hipóteses: ou o comboio que chegava pelas 08:00 a Torres Vedras ou o que, mais tarde, aí aportaria pelas 11.45. Apesar de correr o risco de terminar já de noite optei pela segunda hipótese por desejar descansar mais. De resto não há mal em terminar sem a luz do dia pelo que me preveni de abrigo textil adicional e do “kit compacto de luzes” que, sem proporcionar uma réplica velocipédica de um estádio de futebol é, todavia, leve e permite avançar sem temor das trevas.
Logo à saída, por sugestão do Mário Conde (yo no hablo del banquero español, por supuesto ;-), fiz o famosíssimo trilho que, sobrepassando o túnel ferroviário, desce tecnicamente até às Termas dos Cucos e daí sobe para lá da A8. Tendo consciência que isso me custaria alguns minutos extra ainda assim resolvi arriscar já que o traçado prometia. Não dei por mal empregue o tempo já que, quer a vereda descendente em calcário (forrada a carrasco) é, provavelmente, um dos melhores single track nacionais, quer as Termas dos Cucos, de que apenas tinha ouvido falar, representa um daqueles tesouros paisagísiticos e patrimoniais de que Portugal é fértil mas que, normalmente, escapam ao comum dos mortais. O problema foi mesmo saír do buraco já que, até cruzar a A8, foi solicitado todo o empenho. Já estava esquecido que na zona de Torres Vedras raramente se consegue pedalar a direito...
Após a A8 houve que apontar pelos caminhos dos vinhedos que, felizmente, estavam secos, caso contrário a travessia teria acabado já ali. Como o dia estava excelente para a prática da modalidade nada de mais aconteceu para além de ter de vencer mais um daqueles desníveis típicos da região. Assim quando retomei o track original, perto de Ordasqueira, já levava alguns minutos de atraso relativamente ao plano inicial mas nada que comprometesse.
Cruzei Sarge e retomo a sensação típica da travessia BTT: aldeias pacatas e bucólicas onde o tempo corre devagar. Sigo pela calma 115-2 durante algumas centenas de metros até descer, pelo meio do eucaliptal, até à linha férrea e seguir pelo vale do rio Alcabrichel, primeiro pela sua margem direita por caminhos junto às vinhas (louvemos de novo o sol), cruzar Abrunheira e depois seguir por um desses estupendos caminhos agrícolas asfaltados onde se pode recuperar um pouco a média. Passei ao largo do Maxial até retomar a margem esquerda para a Aldeia Grande, sempre a bom ritmo e correndo paralelo à Serra Galega mas sem enfrentar os seus desníveis acentuados.
Mas o que é bom acaba depressa e foi tempo de ascender, inevitavelmente, a uma das portas de Montejunto - Vila Verde dos Francos. Curiosamente o caminho traçado implicou uma subida, se bem que longa e acentuada (dos 100 aos 300 metros) ainda assim relativamente suave logo exequível.
Na rampa do Convento da Visitação o golpe de teatro: o Hutchinson Phyton UST traseiro que nunca tinha furado (apesar de apresentar o piso já desgastado de tanto uso) começa a verter ar de uma perfuração. Rodei o pneu esperando que o selante actuasse mas foi impossível alterar o rumo dos acontecimentos. Após mais de dois anos sem recorrer ao par de desmontas tive finalmente de sujar as mãos e superar a contrariedade. Embora com notável falta de prática (comigo o Tubeless veio para ficar de há anos a esta parte) lá resolvi o assunto colocando uma câmara de ar no interior do pneu. Deu para verificar que, após dois anos, o selante já tinha perdido as suas características de viscosidade apresentando-se algo liquefeito, o que pode explicar a ausência de eficácia numa perfuração que até não me pareceu especialmente larga.
Tive o especial cuidado de verificar se existiam pontas aguçadas no interior e de insuflar bem o pneu (dentro das possibilidades de uma modesta bomba manual) e lá segui caminho procurando evitar, nas descidas, as protuberâncias calcárias que poderiam implicar uma nova perfuração já que o pneu traseiro agora com a câmara de ar perdeu as suas características tube less. Arranquei cerca de vinte minutos depois com a certeza, agora e inevitavelmente chegaria de noite.
Lá percorri quase toda a encosta W e NW de Montejunto numa sucessão de descidas e subidas fortes com uma paisagem que se estendia até ao mar. Assim passei Avenal, Pereiro e Tojeira até chegar a Pragança onde era necessário chegar “lá acima” o que fiz com extrema dificuldade. Sentia-me bem fisicamente, mas aquela ascensão é bem penosa, valeram os estímulos dos anciãos ao me verem a subir aquelas rampas.
No entroncamento que segue para o Alto da Serra, tempo de virar para a Abrigada e de descer na direcção NE onde começo, já a avistar Cercal, Rio Maior e, mais ao fundo, a NE, Santarém. A descida fazia-se por um estradão rápido até que, novo e fatal golpe de teatro: a câmara de ar não resistiu a uma pancada seca numa pedra e furou deixando-me sem outra alternativa que não fosse a de desistir da incursão.
Antes da era Tubeless eu transportava sempre duas câmaras de ar de reserva ou, em alternativa, uns remendos. Habituado ao conforto e à forte improbabilidade de furar um pneu que o sistema proporciona até já tinha equacionado libertar peso sacrificando a bomba e a câmara sobressalente. O problema foi que, não sendo original furar duas vezes, o UST baixaria a probabilidade de isso acontecer. Aqui está a concretização da Lei de Murphy: se há margem para algo acontecer mal, acontecerá! E aconteceu... A incursão ficou-se pela metade quando tudo estava a concorrer para uma travessia memorável (sensação de forma, agradabilidade, paisagem e meteorologia). Fica o track e a promessa de refazer a proposta embora num período de dias mais longos.
Valeu que estava perto de Espinheira (junto a Alcoentre) e deu para caminhar até aí. Como o Mário Silva tinha combinado comigo trazer-me de Santarém e estava a caminho daquela cidade, pedi-lhe para se deviar da rota e aí me resgatou ainda a tempo de visitarmos o certame. Não sem antes também ele ser vítima da citada Lei de Murphy: habituado que está ao GPS e não o tendo levado, há muito que não tinha um simples mapa de estradas no carro, logo andou a percorrer as estradas da região, antes de dar com a estação de serviço em Espinheira.
O que vale é que não há lei que afecte a amizade, obrigado Mário...
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