segunda-feira, 11 de maio de 2009

ALMA ATÉ ALMEIDA!



VIII Maratona de Almeida

10 de Maio de 2009

94 kms.

Fotos: Rui Sousa, APRO e Poraínanet

Quebrei, de novo, a minha regra de não alinhar em eventos organizados.

De resto esta não foi uma maratona normal, fosse pelo número reduzido de participantes (para maratona BTT, bem entendido), pouco mais de duzentos, fosse por determinadas características de rusticidade e de autenticidade que aí esperava encontrar e que, de facto, constatei. Sinal disso foi o facto de, um dos participantes, com uma idade bastante respeitável, estar a pedalar com um casaco de malha. Achei tal facto absolutamente notável.

Para além da simpatia, da organização impecável um repasto final onde se podia encontrar um arroz de feijão digno dos deuses, ainda para mais servido no interior de uma antiga sala abobadada toda em cantaria granítica, em plenas Portas de Santo António, fantástico.

Almeida é, para quem gosta de História, um local pleno de memórias e emoções. Ali se jogou, por mais de uma vez, a independência de Portugal, sobretudo nas guerras peninsulares de que se recorda o trágico episódio do Sacrifício de Almeida quando, em Agosto de 1810, o paiol explodiu perante o fogo cerrado da artilharia francesa que cercava a praça-forte.

A vila histórica, lindíssima, está incrustada no interior da que é, provavelmente, a mais imponente e bem conservada praça-forte nacional, bem ao Estilo Vauban, com uma planta em estrela de doze pontas e três revelins, dominando as terras de Ribacoa e estrategicamente fulcral. Imperdoavelmente sempre tinha passado ao largo e nunca aí tinha estado pelo que, entrar de bicicleta pelas Portas Duplas de Santo António, provocaram-me uma emoção muito especial.

Quanto ao resto, isto é ao BTT, tudo correu pelo melhor. Para além dos detalhes organizativos sem mácula, a que já atrás fiz referência, há ainda a salientar os reabastecimentos, em número de três, situados a cada quarto do percurso de 90 quilómetros com o indispensável para descansar e restaurar durante as breves pausas. O tempo manteve-se instável mas não choveu, nem sequer uma gota, contrariando as horas anteriores e seguintes, as previsões meteorológicas e até as nossas expectativas. A despeito de algum vento o tempo foi o ideal para este evento, nem calor, nem frio.

Havia duas distâncias à escolha, os já referidos 90 quilómetros ou a sua metade, num percurso praticamente comum. Obviamente que optei pelo largo recorrido. Tenho vindo em subida de forma, ainda assim sei bem que este tipo de evento faz com que, muita gente, exceda os limites e esqueça o princípio básico da formiga na fábula: poupar no Verão (enquanto as forças abundam) para poder sobreviver no Inverno (quando já faltam no final).

Assim sendo pus em marcha a minha famosa e patenteada Fórmula G.S.E. (*) que consiste, basicamente, em diversas atitudes contrárias à da maioria dos participantes designadamente:

  • sair nos últimos lugares e tranquilamente;

  • rolar devagar no aquecimento;

  • evitar subidas de pulsação repentinas;

  • fugir dos contactos físicos nas aglomerações e reduzir, de um modo geral, todo o tipo de race hazards;

  • circular, na medida do possível, em grupo, mas manter ritmos aeróbicos nas subidas mesmo que isso implique a desagregação;

  • controlar as distâncias percorridas e ainda a percorrer,

  • et al.

Percorrido o perímetro interior das muralhas, saímos na direcção poente com rumo a tierras leonesas de España, já que, apenas 20 quilómetros desta maratona seriam percorridos do lado de cá da fronteira. Assim, depois de um primeiro traçado pelos arrabaldes de Almeida, seguiu-se logo por um estradão até perto de Vale da Coelha com uma descida para a travessia de um ribeiro que introduziu as terras de Espanha.

Primeira povoação - Aldea del Obispo - alcançada na primeira subida digna desse nome que, sem causar dificuldades de maior, começou a operar alguma selectividade no grosso dos participantes. Continuámos em direcção a Castillejo de Dos Casas num terreno que poderíamos definir por falso llano e que, sem ser difícil, era suficientemente ondulado para ir causando dano. A paisagem é a típica castelhana, não muito diferente do montado alentejano, a mesma vegetação, a mesma pecuária, a diferença está na altitude já que estamos na cota dos 700 metros.

Antes de chegarmos a Barquilla deu-se, no final de uma subida exigente, a divisão dos percursos. Suponho que, para muitos, a escolha tenha estado relacionada com essa pendente já que exigia algum empenho. Ao contrário da maioria, lá segui para os 90 quilómetros descendo para Barquilla, rolando em direcção a Martillán e descendo fortemente para cruzar, pela primeira vez, o vale do Águeda na Puente de Siega Verde onde existe uma estação arqueológica de arte rupestre semelhante a Foz Côa. O primeiro reabastecimento fazia-se na a margem do Águeda onde deu para observar a estação arqueológica e o estupendo vale do rio.

A grande dificuldade do dia, em termos ascensionais, começava após este ponto com um trilho escabroso, colina acima, que muitos optaram por fazer a pé mas que, ainda assim, consegui pedalar sem elevar demasiado a pulsação e lá alcancei Castillejo de Martin Viejo donde sigo a rolar pelos estradões das planuras. Aí constato que a velocidade média é já razoavelmente elevada, sendo superior a 17 kms./h. Sigo agora numa zona de charneca e de montado, com inúmeras explorações bovinas e suínas que embora propícia a rolar tem um piso muito saltitante que dificulta a dinâmica rápida.

É altura de começar a descer, de novo em direcção ao Águeda e a Ciudad Rodrigo. Ao se alcançar a estrada a organização, em boa hora, resolve alterar o traçado, relativamente ao track GPS, e evita o asfalto movimentado proporcionando uma alternativa valorosa que implicou circular no vale do Águeda por entre campos de papoilas vermelhas, cruzando o pitoresco arrabalde de Ivanrey e alcançando a ponte medieval de Ciudad Rodrigo pelo meio de um choupal na margem do Águeda: verdadeiramente interessante.

Na ponte, o segundo abastecimento, onde se constatou que, os espanhóis participantes ficariam “por ali”, seguindo a sus casas para depois voltarem para o almoço em Almeida (de coche, por supuesto). E nosotros apenas com 50% do caminho efectuado... Sem mais perda de tempo saímos, desta vez em direcção a poente e a Portugal. Apesar dos estradões rápidos este era o terreno do rompe-piernas com novo falso llano e aí eu constato que, quem no início parecia estar muito rápido, agora baqueva perante a sucessão de sobe e desce constante. Não obstante observo agradado a velocidade média a subir constantemente.

Cruza-se a ferrovia, alcança-se a bonita Gallegos de Argañán e daí a La Alameda de Gardón onde ficava o terceiro abastecimento.

Sentia-me bem e conseguia agora impor um ritmo vivo sem me ressentir, apesar dos quase setenta quilómetros percorridos. Seguiu-se uma forte descida e uma nova subida escabrosa ao lado de uma linha de água a exigir o recurso à pedaleira mágica até à estrada que, cruzada, nos fez reentrar em terras lusas e a uma povoação com o curioso nome de São Pedro do Rio Seco rapidamente atravessada (pelo meio de um rebanho de vacas pachorrentas em plena aldeia) em direcção a Almeida cada vez mais perto.

Ainda com bastantes forças em reserva ensaio uma experiência: tentar alcançar os dois betetistas que me antecediam e que pareciam ter um avanço de cerca de um quilómetro. Pensando no histórico grito de guerra “Alma até Almeida”, imprimo cada vez mais rotação aos pedais e vejo a distância a encurtar mas os metros que faltavam foram insuficientes para tal desiderato, resta-me ve-los a cortar a meta cerca de cem metros adiante - valeu a intenção.

No final 94 kms. e uma média superior a 19 kms./h a mostrar bem o ritmo a que esta simpática maratona se deixou percorrer numa conjugação de subida de forma e de relevo adequado.

A detente é sempre a melhor parte destas coisas, assim, após a chegada deito-me de costas num muro baixo junto à viatura perante uma aberta ensolarada: a vida é feita destas coisas simples e aqueles breves momentos pareceram uma eternidade. Nirvana, tranquilidade absoluta, não sei definir, apenas dei conta que foram instantes mágicos.

Após o banho quente seguiu-se o divinal repasto de que aqui já dei conta e o regresso visitando todas as estações históricas nas imediações: Freineda – onde Wellington instalou o seu QG em 1812-13, Castelo Bom e a aldeia de Castelo Mendo com vistas largas dominando, altaneiro, o Vale do Côa.

Memorável.

O BTT dá alegria uma enorme alegria à vida. Cada vez duvido menos deste axioma!

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(*) GSE – Gestão Sustentada do Esforço © by Pedro Roque, todos os direitos reservados.

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