segunda-feira, 18 de maio de 2009
A FÉ DOS HOMENS
Azambuja – Fátima pelo Caminho do Tejo
104 kms.
16MAI09
Fotografia: Mário Silva
Pela sétima vez a ligação a Fátima em BTT.
Longe do mistério e das dificuldade iniciais, nos idos 2000, esta travessia entrou já numa fase de consolidação plena em que, praticamente, se dispensariam o track GPS ou mesmo as inúmeras setas azuis que actualmente povoam o Caminho.
De facto, este Caminho do Tejo, adquiriu já as suas plenitude e maioridade, desde que o percorri, pela primeira vez, em Agosto de 2000, logo após a sua inauguração em Maio do mesmo ano.
Este ano, provavelmente pelo facto de estarmos ainda na semana da peregrinação de13 de Maio, muita gente o estava percorrendo, a pé e de bicicleta. Fiquei satisfeito que o Caminho, finalmente, seja verdadeiramente útil e que se possa constituir como uma alternativa à peregrinação clássica pelas Estradas Nacionais.
Quatro ciclistas à partida e à chegada, o autor destas linhas, Mário Silva, Fernando Silva e Pedro Soares com quem, havia tempo, não pedalava. Como tem sido prática habitual nos últimos tempos, optámos por descartar a desinteressante ligação entre Lisboa e Azambuja optando pelo comboio neste troço.
A partir daqui tudo é paisagisticamente relevante. Em primeiro lugar a vala real, o esteiro e a lezíria da Azambuja até à Valada e ao Tejo, onde ultrapassamos o primeiro grupo de peregrinos pedestres que seguiam tranquilamente junto ao aeródromo. Rapidamente alcançamos Porto de Muge e ficamos com Santarém à vista. Uma constatação positiva para o facto do piso ter sofrido um alisamento evitando aquele rolar constante em cima de uma espécie de chapa ondulada entre Porto de Muge e as Ómnias.
Aí chegados, uma fotografia clássica, junto à torre que indica os níveis das sucessivas cheias do Tejo. De resto o Caminho do Tejo caracteriza-se por uma série de rituais, designadamente pelos locais habituais de paragem e de fotografia.
Uma primeira alteração ao percurso a evitar a subida a Santarém optando por, após as Ómnias, seguir por perto da linha férrea, via Alfange, até à Ribeira de Santarém e retomando a normalidade já após a escalabitana urbe. Na Ribeira um novo waypoint (ou hotspot como lhe chamou MS) onde se podem restaurar as energias a preços módicos, muito perto da estação ferroviária.
Após Santarém começam as supremas dificuldades orográficas e deu para constatar que, a semana agitada que tive, deixou algumas marcas ao nível do rendimento que, sem comprometerem demasiado o andamento, aumentaram o grau de dificuldade desta travessia. Já o tinha notado quando, apesar do pequeno almoço abundante, estava a sentir uma fome inusitada e, agora, nas subidas, estava a pedalar com sono. De facto, o défice acumulado de horas de sono estava a perturbar-me o rendimento e a tornar mais penosa a incursão.
Ainda assim as dificuldades foram sendo vencidas uma após a outra. Depois da terrível ascensão ao cume dos três moinhos um outro traçado alternativo até aos Olhos d' Água se bem que o estado do piso e a necessidade de transpor três portões a impedirem que se aproveitasse devidamente esta solução.
A paragem nos Olhos d'Água é talvez aquilo que há de mais clássico na travessia e aproveitou-se para retemperar as forças para a parte mais dura que é a travessia do PNSAC. Quando retomávamos a direcção de Fátima chega um punhado de betetístas que, como nós, se dirigiam em direcção ao santuário pelo Caminho.
Lá fomos, encosta acima, até às portas de Monsanto onde ensaiamos uma nova alternativa até ao Covão do Feto. Confesso que, a princípio “torçi o nariz” em virtude da experiência alternativa anterior mas, rapidamente, fiquei adepto. Entrámos num vale cársico estupendo, daqueles de compêndio de geologia, com calcário e terra rossa por todo o lado, magnífico!
Após o Covão do Feto nova alternativa para evitar asfalto e nos conduzir até ao parque das merendas no topo da Costa de Minde, em plena Serra d'Aire. Aqui a dureza foi pedra de toque (calcária, bem entendido) já que ao piso cársico se aliava a um trilho muito estreito e ladeado de Carrasco (Quercus coccifera) a produzir uma indesejada esfoliação natural das pernas ao mesmo tempo que os pulmões pareciam rebentar com o desnível que se tinha, inevitavelmente, de vencer. Também a diferença de cota a superar aqui era terrível.
Lá em cima Mário Silva resolve, a entrar no asfalto, testar a dureza do calcário que lhe escoriou, ligeiramente, o joelho numa prática demonstração física de confronto de dureza entre biologia e geologia com vitória, em toda a linha, para a segunda. Valeu o meu insubstituível estojo de primeiros socorros...
Foi tempo de colina abaixo pelo asfalto até Minde, com os 70 kms./h também da tradição. Pela primeira vez, na descida após a primeira curva, reparei que existia um trilho alternativo que abandona a estrada pela direita. Apesar da velocidade logrei travar e abordar essa inusitada sugestão de trabalho que me haveria de conduzir a Minde de modo distinto do habitual. Trata-se de uma vereda muito íngreme e técnica que exige o melhor do sistema de travagem da máquina e da capacidade técnica e do sistema nervoso do ciclista mas que, bem vistas as coisas, deixou uma enorme satisfação, até porque implica uma entrada distinta em Minde, pela sua zona central e bem mais interessante que a tradicional.
Nesta povoação, nova paragem clássica na bem frequentada creperie do mercado, onde surgiu, aparentemente do nada, um ciclista conhecido: estava a rolar até Fátima, integrado num passeio de estrada organizado por uma Junta de Freguesia lisboeta e que, provavelmente, não fora os pneus slick, teria percorrido connosco os quilómetros finais Fátima.
Esta dezena e meia de quilómetros é uma das mais duras já que se tem de retomar a cota dos 450 metros entretanto perdida na descida para Minde. A ascensão faz-se, penosamente, pelo Covão do Coelho acima por novo piso cársico demolidor.
Alcançada a Moita do Martinho, como costumo dizer, “já cheira a Fátima”! É tempo de, velozmente, vencer a quilometragem final, transpor inferiormente a A1 e alcançar, finalmente, o santuário.
Aí chegados c'est la détente. Tempo de cumprir as promessas que adquirem um sabor especial após uma quilometragem elevada. Tenho para mim que peregrinar implica algum sofrimento e nada melhor que vencer a adversidade desta ligação sob a forma de distância e relevo para se valorizar este axioma.
É emocionante estar por diante da Capelinha das Aparições e da Virgem de Fátima. Sejamos, ou não, católicos, há algo de místico naquela ambiência. Resta deixar-mo-nos envolver.
A Fé dos Homens pode não ser suficiente para mover montanhas mas dá-nos forças para as superar, seja ao longo do Caminho de Fátima, seja ao longo do Caminho da Vida...
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