Lisboa - Fátima
165 kms. em BTT
Domingo, 26 de Junho de 2011
Dia de São Paio (mártir)
No último par de anos tinha-se adoptado a fórmula resumida do caminho, isto é, tomar o comboio até Azambuja e daí ligar ao santuário. Como todas as opções de vida tal decisão tinha vantagens e desvantagens. Se, por um lado, permitia uma quilometragem mais civilizada, perto dos 100 kms. e evitar as partes menos interessantes da travessia, por outro, permitia tornar mais simples aquilo que deve, por definição, ser complicado ou seja, uma peregrinação (mesmo que de um só dia) não pode ser um mero "passeio de amigos", deve ser algo difícil e marcante cuja superação confira uma sensação de conquista que permita, desse modo, uma efectiva transcendência espiritual.
Pois foi essa mesma sensação que ontem, após 165 kms. desde Lisboa até ao santuário, presenciei. O significado de contemplar a capelinha das aparições, pelas 20:00, assumiu um significado mítico provavelmente como nunca antes vivenciara apesar das oito vezes anteriores.
E se a jornada foi dura!
Por consenso com o JC optámos então pela "versão integral". A saída deu-se pelas 07:00 de Lisboa já com uma temperatura de 24º como que a apontar os valores em que o mercúrio se haveria de posicionar ao longo do dia. De facto o calor foi absolutamente infernal e constituiu um teste adicional para além daquele que a quilometragem deixava já adivinhar.
Os passos foram os habituais: a ligação ao Parque das Nações, o troço do Trancão, o esteiro de Alverca, a passagem pela EN 10 (reduzida até Alhandra em virtude da passagem pelo magnífico passeio ribeirinho) e a primeira paragem aos 55 kms. na Vala do Carregado com um calor de meter respeito superando já os 30º. Foi tempo de restaurar algumas energias e de conversar com um duo de peregrinos pedestres que iam a caminho de Santiago. De resto avistaram-se um número significativo de peregrinos, sinal que o Caminho de Fátima está a cumprir o seu objectivo.
Chagados a Azambuja deu para verificar a grande diferença entre começar naquele local ou, como ontem, aí aportar após 65 kms. É que, apesar de ser plana, esta distância já consegue produzir alguns desgaste a que se somará a centena que ainda resta por diante com o calor a apertar e a altimetria a complicar muito após Santarém. Rapidamente seguimos até à Valada não sem antes sermos testemunhas das consequências de um acidente aéreo, ou seja, da queda de um ultra-leve na sequência da paragem do motor em pleno esteiro.
Na Valada, já com uma canícula infernal, uma nova pausa e lá seguimos em direção a Santarém (ou melhor, Ribeira de Santarém, já que a subida à cidade para tornar a descer é despiciente) onde efectuámos nova paragem para restaurar as energias. A partir daqui começam, verdadeiramente, as dificuldades: Azóia de Baixo, a terrível subida para Vale de Flores com um calor infernal a superar os 40º (ao contrário do que o nome indica este "vale" fica "lá em cima"). Aí deu para verificar que o JC estava a sofrer bastante com o calor e o próximo grande teste (a subida após Milhariça) fez com que a sua resiliência terminasse. Esta é uma subida curta mas insana por um piso miserável que nos conduz a um topo onde se perfilam três moinhos e onde, ontem, o termómetro acusava 43º!
Próxima paragem em Olhos d'Água, ontem repleta de cidadãos deste país mas onde, ainda assim, deu para mergulhar nas suas águas frias e seguir a solo. Efetivamente o JC resolveu, de modo racional, terminar aqui a sua participação e ficar a saborear aquele local paradisíaco enquanto prossigo para as grandes altimetrias (mais tarde iria resgatá-lo de automóvel). O calor era de tal modo intenso que, da nascente do Alviela, até ao final da subida no parque de merendas, nos alto dos 420 metros da Costa de Minde, consumi por inteiro o litro e meio de água fresca que levava às costas.
A descida em asfalto até Minde é um clássico onde há duas ocasiões de bater os 65 kms./h e de testar os travões. Nesta localidade após descer 200 metros em altitude reponho a reserva de água, abordo a subida final pelo Covão do Coelho, penosamente, já que o piso não permite grandes aventuras e chego, alguns quilómetros volvidos, aos 460 metros junto às eólicas.
Chegado a esse ponto percorro o planalto de São Mamede e, a perspectiva do final, faz com que a velocidade seja elevada potenciada pela leve descendência do terreno e, num ápice, encontro-me no santuário.
Esta incursão teve todos os ingredientes para ficar na memória: quilometragem e dureza extremas (potenciada pelo calor tórrido). O facto de a ter levado de vencida sem ficar de rastos, para mais saindo de casa a pedalar e, 165 km. volvidos, estar frente à capelinha conferiram uma sensação única e inolvidável e que faz com que, ano após ano, esta seja uma incursão obrigatória. Sobretudo se tivermos em conta que, há menos de um mês, a minha forma era miserável e que foi feito um trabalho de recuperação que produziu os seus frutos embora aliado a uma gestão muito cuidada da dificuldade que tinha por diante: quilómetros, calor intenso, altimetria fortíssima acumulada a partir da segunda metade, etc.
Em 2012 haverá mais. Se Deus quiser, obviamente.
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